segunda-feira, 16 de maio de 2011

A quem o diz!

Olhou, remirou e depois afastou-se um pouco da prateleira onde estava o que queria comprar. Tornou a aproximar-se, pegou no artigo, sopesou-o, avaliando-lhe a forma, a cor, deixando de lado o sabor e o cheiro em virtude do produto ser enfrascado.

Atrás do balcão, a vendedora reparou nos gestos meticulosos da cliente. Aproximou-se, cumprimentou-a e iniciou a conversa:

-Também é do ramo?

-Nota-se à légua não é!

-É verdade, só quem ama a nossa profissão. Hoje em dia as pessoas não amam o trabalho. Gostam só do dinheiro…

-Tem toda a razão. Dinheiro, pouco trabalho, muito descanso… - assentiu a colega cliente.

-O mundo está perdido! – exclamaram em uníssono.

Conversaram mais de meia hora. Encaixavam-se uma na outra na perfeição. Se fossem gémeas não seriam tão parecidas. Concluíram que os funcionários nos primeiros vinte anos de trabalho deveriam ser pagos ao nível do salário mínimo e só depois, pequenos aumentos…caso fossem merecidos. Caíram nos braços uma da outra:

-Cara amiga, considere-se contratada!- gritaram em êxtase uma à outra, sonhando ter nas sua lojas, pelo menos uma empregada como aquela que tinham acabado de conhecer.

-Cruzes canhoto! Livra! - desabafaram surpreendidas, quando finalmente descobriram o que ambas realmente queriam uma da outra.


Jorge C. Chora

domingo, 8 de maio de 2011

Com ele virado para a Lua

Assobiava com uma alegria contagiante. Era o dia em que faria um brilharete e mataria dois coelhos de uma só cajadada. No casaco, no bolso do lado direito, trazia o tesouro que espantaria os amigos e, principalmente, a namorada. Sempre a tinha conseguido surpreender, pelo menos até agora, por poucos ou nenhuns esforços que fizesse e mais trapalhices que levasse a cabo.

Ao chegar junto ao grupo de amigos, onde se encontrava aquela que ele mais desejava agradar, juntou as mãos e, tal qual um mago, fez aparecer dois pedaços de papel que desdobrou fazendo render o peixe e prendendo a atenção do grupo:

-Quem adivinha o que trago aqui?

-Talvez mais um pouco de sorte… - arriscaram dois dos presentes, com um mau humor evidente.

Para evitar que algo de desagradável sucedesse, e as invejas despertassem , resolveu apressar a novidade:

-Tenho reservas de hotel para este fim-de-semana…

-E então onde está a novidade? - surpreenderam-se os presentes, incluindo a noiva.

-Está no preço e na qualidade do hotel… disse – mostrando as reservas e sublinhando o preço, muito baixo.

-Só quatro euros por pessoa? Hum…aí há gato… - comentaram.

Com ou sem gato, a viagem realizou-se. Chegaram ao luxuoso hotel após quatro horas de uma atribulada jornada. Ao transporem a porta de entrada, foram envolvidos num ambiente fresco e perfumado.

Dirigiram-se à recepção e apresentaram a documentação. Os funcionários olharam-nos com um misto de surpresa e curiosidade. Repararam que os recepcionistas observavam o espaço em seu redor como se eles se tivessem esquecido de ter trazido algo.
Aborrecidos com a insistência dos olhares, perguntaram-lhes o que se passava.

-É que estamos à procura dos cães…

-Dos cães? Quais cães? – surpreendeu-se o casal.

-As reservas que têm são uma promoção para animais de companhia. Estamos a inaugurar esse serviço!

-Mau… fazes tudo no ar…alguma vez tinhas de te sair mal… - balbuciou a noiva, repreendendo-o e mal querendo acreditar no que se estava a passar.

-Não foi por mal…foi com a melhor das intenções – tentou defender-se o jovem a quem a sorte abandonara.

A jovem directora, ao ver a atrapalhação do casal sorriu-lhes, piscou-lhes o olho disse-lhes:

-Mas não há problema, porque oferecemos, excepcionalmente, a estadia ao primeiro casal que passasse o fim-de-semana connosco e comprasse o novo serviço!

-Bem diz a minha mãezinha que nasci com ele virado para a lua! - concluiu o noivo aliviado.

Jorge C.Chora

domingo, 1 de maio de 2011

A revolta da catatua

A barriga tremia-lhe com os ataques de riso, empurrando a mesa e fazendo rodopiar e dançar os copos. Expelia baforadas de fumo fedorento no intervalo das risadas. O cão e a catatua, bem ao seu lado, fungavam, tentando esquivar-se às nuvens asfixiantes que lhes acertavam em cheio. O cão, zonzo, cambaleava e ficava em tal estado que mais parecia miar do que latir. A catatua, essa, tão desgraçada ficava, que emitia sons não identificados que pouco a pouco se tornavam audíveis:

-turr...truu...turr...

O dono, morto de riso, dizia aos urros:

-Ela julga que é uma rola! - e dava murros na mesa, fazendo os copos saltar como se fossem formigas.

-E se tu continuares a fumar essa cangalhada e a beberes essa zurrapa, ainda te transformas em qualquer coisa estranha… - advertiram os amigos.

-Deixem-no beber e fumar porque assim paga impostos até se fartar…quanto mais pagar melhor para nós…deixa-nos mais aliviados – concluiu um dos presentes.

- Glu,glu ….glu … A bebida sou eu que a faço no fundo do quintal…o tabaco é da candonga…. ! – desdenhou trocista.

Os amigos ao ouvirem-no rir ficaram estarrecidos. Aquele som gutural era parecido com… não sabiam bem… um bicharoco qualquer…

Um bando de gaiatos que saía da loja de doces mesmo ao lado, chamando-se uns aos outros pelas alcunhas, gritou bem junto ao portão:

-Olha Peru Velho…

Mal o grito foi proferido, o dono da catatua levanta-se instintivamente, corre para o portão, flecte as pernas e responde ao chamado:

-Glu…glu…glu…

Nesse momento o cão voltou a ladrar e a catatua começou a berrar sem cessar:

-Peru velho…peru velho…

O dono, obediente, apoiando-se ora numa perna ora na outra, ia saltitando e reagindo de pronto:

-Glu…glu…glu

Há quem jure que ouviu o cão rir-se.

Jorge C. Chora