segunda-feira, 18 de julho de 2011

O preço da cobiça

No centro comercial, deu três voltas à balança, parou e olhou em redor. Observou o fundo do corredor, primeiro à esquerda e depois do outro lado. Deu ainda mais duas voltas e hesitou. Colocou um pé em cima dela mas logo recuou. Subiu de novo mas desceu de imediato.

A funcionária da loja, mesmo em frente, assomou à porta e entabulou conversa:

-Parece estar com um certo receio de se pesar…

-Sim …o peso é muito e …

-Olhe, a senhora tem uns sapatos que me parecem bastante grandes e pesados…pode pesar-se descalça que sempre ajuda… -interrompeu-a a funcionária.

-Os sapatos? Pode ter a certeza que os descalço. Já não trouxe a” lingerie” vestida para evitar mais uns gramas…

-Então porque continua a hesitar?

-Eu queria ver se não passava ninguém e podia pesar-me sem o vestido!

-Mas ficava nua… - espantou-se a balconista.

Nesse momento, o dono da loja, de olho arregalado e sem perder pitada da conversa, bichanou à sua empregada:

-Diz-lhe que a área está deserta… agora. Vá depressa… - e escondeu-se estrategicamente atrás do balcão.

-Sim, senhor Zeca – e colocou-se em frente à mulher, enquanto ela, com toda a calma, se despia e se pesava.

O proprietário, sem nada conseguir ver, ia dando pequenos pulos e exclamando:

-Me ..da… me..da…assim não vale Florinda…sai da frente…

E no meio da sua desilusão, furioso, engasgava-se, mas ia apelando com a voz sumida:

-Sai da frente Florinda…

-Tenha calma senhor Zeca… ainda tem um ataque e eu vejo-me obrigada a dar-lhe a respiração boca a boca…

E o proprietário, só de imaginar a cena, suplicou-lhe, aflito, a cambalear:

-Ai que eu morro Florinda…

Florinda não esteve com meias medidas: pegou nele ao colo e só por um triz não o sufocou com o beijo que lhe deu.

A primeira decisão que Florinda tomou após o seu casamento com o Zeca, foi mandar tirar a balança que estava em frente à loja; a segunda e a terceira foram tomadas em simultâneo: Ter sempre o pau de metro à mão de semear e o afogueado marido sob vigilância.

Quando ela o aperta, ele só consegue balbuciar:

-Ai que eu morro…


Jorge C. Chora

sábado, 2 de julho de 2011

Receber a reforma faz mal à saúde

O frenesim das sirenes escutava-se ao longe. Segundos depois, em plena avenida, os sons estridentes rasgaram a relativa pacatez da avenida. Potentes motas, conduzidas por experientes batedores, engoliam quilómetros, precedidas por oito viaturas topo de gama.

Às vinte e três horas em ponto, os portões do nº 13 abriram-se por breves momentos. Uma chiadeira de pneus e um cheiro a borracha queimada espalharam-se pelo ambiente. As viaturas foram como que engolidas e os portões fecharam-se, impedindo qualquer visão para o interior.

A reunião estava aprazada para daí a quinze minutos. Os dirigentes tomaram assento e procedeu-se à leitura do único ponto da ordem de trabalhos:

”Em tempo de crise, como poupar dinheiro com as reformas dos velhos e quejandos?”

A discussão iniciou-se. Havia um acordo prévio quanto à premência do problema. Tratava-se agora de definir a estratégia que levasse a uma redução drástica das mesmas.

Foram várias as ideias apresentadas, todas elas já ventiladas, como sejam as de só assegurarem uma parte pelo estado e a outra pelos negócios privados, a existência de limites…enfim o “dejá vue”.

-“Adelante …Adelante… “ – comandava o dirigente-mor, ansioso para que surgisse algo de novo, tentando apressar a discussão, revelando a impaciência herdada de uma longínqua bisavó castelhana.

-Se me permitem… - iniciou um jovem dirigente – fungando e aclarando a voz.

-Permitimos tudo. Desembuche e deixe-se de salamaleques. – cortou o bisneto da espanhola.

-Então digo… a estratégia é conseguirmos convencer o “povo” de que receber uma reforma faz mal à saúde das pessoas…

-Como assim?- questionaram interessados os presentes – convencermos a população de que a atitude correcta e mais saudável é não receber nenhuma reforma?

-Exactamente isso. Divulgarmos quantos morrem logo que se reformam… iniciarmos uma campanha…

Uma ovação impediu o orador de continuar. A estratégia,”grosso modo”, estava achada. A assembleia propôs que o autor da ideia fosse louvado e premiado com três reformas vitalícias que vigorassem de imediato: A primeira ser-lhe-ia atribuída pela originalidade da ideia; a segunda pela poupança que iria desencadear; a terceira pelo fomento de uma política social saudável.

Jorge C. Chora