segunda-feira, 24 de setembro de 2012

As cadeirinhas do Malaquias

Encomendar cadeiras ao Malaquias era uma moda, um dever, um “must”. Ninguém percebia bem a razão do referido gosto. Havia outros artesãos a fazerem-no, aparentemente, tão bem como ele, mas sem qualquer êxito.

Barnabé, matutando no assunto e resolvido a encontrar as razões do sucesso inegável dos produtos do Malaquias, teve de desistir do intento devido ao fracasso total da iniciativa. Ninguém lhe disse rigorosamente nada sobre o assunto. Bastava uma pequena palavra para que a conversa fosse de imediato evitada, desviada, cortada.

Passaram-se anos e quando o assunto lhe deixara de interessar, ouviu dois cavalheiros a conversar:

-Não encontra cadeirinhas como as do Malaquias… - considerou João Maria.

-Mas o que é que elas têm de tão especial….são iguais às outras… -respondeu-lhe Santiago d’Ilhéus.

-Iguais! Iguais? Como é possível dizer isso? – interrogou-o, afogueado – como se tivesse ouvido o maior disparate deste mundo e do outro.

-Explica-me, por favor, qual a diferença, para que eu não torne a cometer essa ofensa…

E o amigo tornava à carga:

-Mas tu alguma vez te sentaste nas cadeirinhas? – insistiu João Maria.

-De facto não… - confessou Santiago d’ Ilhéus.

-Ah! Voici! …está explicada a tua ignorância…Acabei de comprar uma e vou fazer-te o favor de te deixar sentar nela… - disparou João Maria.

Deu dois passos, abriu a bagageira do seu enorme BMW, retirou a cadeirinha e convidou o amigo a sentar-se.

-Que tal?

O amigo acomodou-se, olhou-o e nada disse.

-Então…diz-me com sinceridade… o que sentes?
Muito a custo, confessou:

-Bem… não sinto grande diferença…

-Não acredito! – e esbugalhava os olhos, surpreso com a insensibilidade do amigo.

Santiago, envergonhado por não conseguir sentir a diferença, concentrou-se na situação. Mexeu-se, levantou-se, tornou a sentar-se e pouco depois sorriu timidamente.

-Sentiu? Mas sentiu mesmo a diferença? – questionou,ansioso, o dono da cadeirinha.

-Acho que sim… talvez este altinho no meio do assento da cadeira… - arriscou Santiago d ’Ilhéus.

-É ou não é uma experiência inigualável…diferente…em suma…uma maravilha?

Barnabé, já na posse do segredo das cadeirinhas, afastou-se com uma terrível dilema:"Compro ou não compro uma cadeirinha?"

Jorge C. Chora











terça-feira, 11 de setembro de 2012

O gato das botas cardadas

Era um vez um menino pobre chamado Portugal. Calhou-lhe por herança um gato, enquanto os seus irmãos foram agraciados com fábricas e diversas riquezas. Portugal, entristecido, queixou-se amargamente da sua sorte. Os irmãos e os seus amigos logo criticaram a atitude de descrença, comentando que a sorte, cada um é que a fazia e a tinha na sua mão.

-Acredito no que me dizem, mas não me importava de trocar de posição convosco… - murmurou a medo o pequeno Portugal.

Os conselheiros dos irmãos, em amena cavaqueira, fizeram-no recordar-se da história do gato das botas que enriquecera o filho do moleiro e lhe trouxera uma enorme felicidade.

Animado com a lembrança, Portugal criou um a nova alma quando o gato lhe fez três pedidos, tal como o da história infantil: umas botas, mas estas tinham de ser cardadas; um barrete em vez de um chapéu; um saco de pano reforçado.

Qual não foi o espanto de Portugal, quando o gato lhe surgiu com uma mão cheia de coelhos, caçados nas suas próprias terras e lhe pediu, em troca, um saco cheio de dinheiro.

-Mas eu não te pedi coelhos e muito menos que os caçasses nas minhas propriedades…

-Eu melhor do que tu, sei das tuas necessidades. Vai lá buscar o que me deves, enche-me o saco e coloca-o neste carrinho de mão…-replica o gato.

A custo e a contragosto o pedido foi satisfeito. Passado um tempo o gato propõe que o seu amo vá banhar-se ao mar. Quando este está repimpado e feliz a chapinhar e a mergulhar, o felino surge-lhe com um magote de estrangeiros que o convencem de que está a afogar-se e necessita, com a maior urgência, de uma frota de submarinos para o salvar.

Desesperado com as dívidas que estava a acumular, o dono queixa-se ao gato da aflição em que se encontrava.

-Não te aflijas. Recorda-te que tens muitos amigos desejosos de te emprestarem dinheiro e de te socorrerem em tempo recorde. Eu próprio vou tratar disso. Vai enchendo esses sacos que aí estão, para garantir os primeiros pagamentos e deita-os aí no carro que eu levo-o ao sítio certo.

Executado o carregamento, o gato tira o barrete da sua cabeça e dá-o ao dono, dizendo:

-Ofereço-te. Bem o mereces. Ele não me fica bem e não o posso usar enquanto intermediário entre ti e os teus credores!

E desde aí Portugal enfia e usa o barrete, que ameaça tornar-se um elemento indispensável da sua farda.

Ainda hoje, o malandro do gato, com um ronronar doce, exigiu mais sacos, tantos quantos a voracidade o permite.

Jorge C. Chora

terça-feira, 4 de setembro de 2012

Adeus doutores

Vão-se os letrados,
ficam os velhos e os analfabetos,
evaporam-se as esperanças dos
que não tiveram infância e deram
o tudo por tudo para educarem os netos,
sonhando com o dia em que os veriam doutores.

No país,hoje, nem as espinhas sobram, é preciso sair,
temem os anciãos pelo que resta à sua verde e doce prole,
chupar o que não presta, comer o que lhes faz mal,
voltar ao tempo da sardinha para três,
dar razão àqueles que nada fizeram pelos seus,
que juraram para sua comodidade, que estudar era luxo vão e o futuro
estava na enxada e tudo o resto era vaidade, e para mal dos nossos pecados,
anseiam pelo dia do regresso à foice e à enxada, para do alto da sua putrefacção,
vociferarem sem parar:
-Adeus doutores que não fazem cá falta!
E mais uma vez a noite cai, sobre o nosso triste Portugal.

Jorge C. Chora