Mal os primeiros roncos de motor se ouviam, as apostas desencadeavam-se:
-Cai ou não cai? Quem aposta no sim? E no não? – e o Ruço ia aceitando o dinheiro e anotando os respectivos apostadores.
O carro aproximava-se e as atenções de todos os jovens concentravam-se no buraco existente à frente da esplanada do café da vila. Esperavam e viam se a viatura conseguia evitá-lo ou se caía nele. A diversão há muito que existia e era um dos passatempos de Verão.
Uma espécie de soluços à mistura aliada a um arfar roufenho, colocou em alerta os jovens que se preparavam para as apostas.
-Ó malta, deve ser o ti`Afonso !- berrou o Ruço.
Uma carripana, progredindo aos solavancos, conduzida pelo velho Afonso, ao abeirar-se da cratera foi desviada por um grande grupo dos jovens presentes que lhe fez sinais para o desviar do perigo.
Um visitante estranhou o facto:
-Tantos a avisarem o senhor? Então as apostas?
-Se não o avisarmos, já sabemos… temos todos de nos pôr em fila para levarmos um “calduço”…
-Mas ele não sabe da existência do buraco?
-Saber sabe…mas esquece-se… - responderam os que estavam mais próximos.
-Mau…mas o que estranho é que vocês deixem que eles vos dê uns cascudos…
-É que ele é nosso parente…muito próximo…a maior parte de nós somos sobrinhos-netos e alguns… netos…
-Bom…mas nem todos são…eu, por exemplo, não lhe admitia! Virava-me…
-Estavas tramado…levavas cascudos de todos os netos e sobrinhos-netos.
Jorge C. Chora
terça-feira, 23 de agosto de 2011
quinta-feira, 18 de agosto de 2011
A camisola
Olhava-a de modo disfarçado, desviava os olhos para logo de seguida tornar a olhá-la. Estava sentado no banco do comboio bem à sua frente. Era um senhor de meia-idade, de ar distinto. Via-se que estava incomodado. Mexia-se, cruzava a perna, descruzava-a, parecia não ter posição. Entretanto ia desviando os olhos e olhando de modo nervoso a jovem senhora.
-A senhora desculpe-me…estava a evitar dizer-lhe mas não consigo …tem a camisola ao contrário… - disse-lhe o cavalheiro.
A jovem puxou a gola um bocado para a frente, observou-a e agradeceu:
-Tem toda a razão. Muito obrigada. – e, logo a seguir, recolheu o braço direito para o interior da camisola, seguindo-se o braço esquerdo, fazendo-a rodar no pescoço, corrigindo a sua posição e repondo correctamente a parte da frente e a detrás. Isto tudo sem mostrar sequer um milímetro de pele.
O cavalheiro arqueou as sobrancelhas e demonstrou o seu espanto:
-Que rapidez…que eficiência…se soubesse ter-lhe-ia dito mais cedo…não mostrou nada…quase que me arrependo de lhe ter feito o reparo…
A jovem sorriu timidamente e respondeu-lhe, sem qualquer inibição:
-Só daqui a dois meses é que valerá a pena, quando tiver mudado completamente e me chamar Madalena em vez de João.
-Pois olhe menina, para mim, já é Madalena… -respondeu-lhe o cavalheiro, de modo delicado, sem perder o pé.
-Então daqui a dois meses…não me esquecerei de trazer a camisola ao contrário - despediu-se a futura Madalena, ao apear-se na estação seguinte.
Jorge C. Chora
-A senhora desculpe-me…estava a evitar dizer-lhe mas não consigo …tem a camisola ao contrário… - disse-lhe o cavalheiro.
A jovem puxou a gola um bocado para a frente, observou-a e agradeceu:
-Tem toda a razão. Muito obrigada. – e, logo a seguir, recolheu o braço direito para o interior da camisola, seguindo-se o braço esquerdo, fazendo-a rodar no pescoço, corrigindo a sua posição e repondo correctamente a parte da frente e a detrás. Isto tudo sem mostrar sequer um milímetro de pele.
O cavalheiro arqueou as sobrancelhas e demonstrou o seu espanto:
-Que rapidez…que eficiência…se soubesse ter-lhe-ia dito mais cedo…não mostrou nada…quase que me arrependo de lhe ter feito o reparo…
A jovem sorriu timidamente e respondeu-lhe, sem qualquer inibição:
-Só daqui a dois meses é que valerá a pena, quando tiver mudado completamente e me chamar Madalena em vez de João.
-Pois olhe menina, para mim, já é Madalena… -respondeu-lhe o cavalheiro, de modo delicado, sem perder o pé.
-Então daqui a dois meses…não me esquecerei de trazer a camisola ao contrário - despediu-se a futura Madalena, ao apear-se na estação seguinte.
Jorge C. Chora
quinta-feira, 11 de agosto de 2011
O que para uns é ouro...
Caminhava pela berma da estrada de modo inseguro. Apoiado em canadianas ia à horta tratar os tomateiros. Carregava, suspenso ao pescoço, um alforge cujas bolsas lhe pendiam ao peito e balouçavam ao sabor dos pequenos passos que conseguia dar. Não tinha quem o ajudasse e não se queixava por dois motivos: o primeiro porque nunca tivera esse hábito, o segundo porque nunca tivera a quem.
Ia pensando que a aliança entre a sua idade, que crescia a olhos vistos, e a doença que persistia em atacá-lo, lhe afectava a marcha e os seus pequenos afazeres, quando sentiu uma voz atrás de si:
-Pst…pst…para onde é que o cavalheiro vai?
Desconhecendo por completo a voz, esteve vai-não-vai para se abespinhar. Qualquer coisa lhe dizia que algo estava para acontecer.
-Então o tiozinho não fala com os pobres? Manias de rico…
A dor do joelho acentuou-se. Mau sinal, pensou. Resolveu conter-se e ripostou:
-A única riqueza que tenho, está nestas bolsas que levo ao peito e, caso faça muita questão, sou homem para a partilhar consigo…
Ainda mal acabara a frase quando sente em cima de si dois braços a agarrá-lo e as mãos do amigo do alheio a enfiarem-se nas bolsas do seu alforge e a roubarem-lhe o conteúdo.
Quando o larápio se deu conta de que o que tinha nas mãos era estrume, enfureceu-se:
-Está a gozar-me? Então isto é que é a sua riqueza?
-Então o senhor ladrão não sabe, ou ninguém lhe ensinou, que o que é ouro para uns é trampa para outros?- e, sem que o larápio esperasse, assentou-lhe uma bengalada no alto do cocuruto que o deixou a cacarejar.
Um vizinho que por acaso ali passava, dissuadiu o fedorento larápio de reagir, dando-lhe uma biqueirada de uma força tamanha que o homem deixou de cacarejar para passar a zurrar.
Já imaginou, caro leitor, se acontecesse o mesmo a todos aqueles que nos vêm aos bolsos buscar as nossas migalhas?
Jorge C. Chora
Ia pensando que a aliança entre a sua idade, que crescia a olhos vistos, e a doença que persistia em atacá-lo, lhe afectava a marcha e os seus pequenos afazeres, quando sentiu uma voz atrás de si:
-Pst…pst…para onde é que o cavalheiro vai?
Desconhecendo por completo a voz, esteve vai-não-vai para se abespinhar. Qualquer coisa lhe dizia que algo estava para acontecer.
-Então o tiozinho não fala com os pobres? Manias de rico…
A dor do joelho acentuou-se. Mau sinal, pensou. Resolveu conter-se e ripostou:
-A única riqueza que tenho, está nestas bolsas que levo ao peito e, caso faça muita questão, sou homem para a partilhar consigo…
Ainda mal acabara a frase quando sente em cima de si dois braços a agarrá-lo e as mãos do amigo do alheio a enfiarem-se nas bolsas do seu alforge e a roubarem-lhe o conteúdo.
Quando o larápio se deu conta de que o que tinha nas mãos era estrume, enfureceu-se:
-Está a gozar-me? Então isto é que é a sua riqueza?
-Então o senhor ladrão não sabe, ou ninguém lhe ensinou, que o que é ouro para uns é trampa para outros?- e, sem que o larápio esperasse, assentou-lhe uma bengalada no alto do cocuruto que o deixou a cacarejar.
Um vizinho que por acaso ali passava, dissuadiu o fedorento larápio de reagir, dando-lhe uma biqueirada de uma força tamanha que o homem deixou de cacarejar para passar a zurrar.
Já imaginou, caro leitor, se acontecesse o mesmo a todos aqueles que nos vêm aos bolsos buscar as nossas migalhas?
Jorge C. Chora
terça-feira, 2 de agosto de 2011
A senhora que não cabia na casa de banho
Pediu para ir à casa de banho mas ficou entalada entre a porta e a sanita. Gritou por socorro e foi socorrida. Ajudaram-na a desencaixar-se. Não foi tarefa fácil.
Riram-se à socapa os presentes. A senhora, agastada, virou-se para um enorme cavalheiro que também ali estava e desancou-o:
-De que se ri? Vá lá o senhor entrar, ou melhor, tentar entrar, e logo verá o que lhe acontece!
-Minha senhora, no meu caso foi preciso chamar os bombeiros. Só a persistência de uma bombeira é que me salvou.
-E pelo visto é hoje a sua esposa… -alvitrou a desencaixada.
-Como adivinhou?
-É que o meu também o é! São eles que têm jeito para os XXL…
-Perdão minha companheira de infortúnio. Não se culpabilize. A verdadeira culpa, a existir alguma, será do estabelecimento que devia ter afixado as medidas do WC à porta do mesmo ! ah e um aviso visível com os dizeres explícitos: Para raquíticos.
E saíram de braço dado, dando grandes gargalhadas, perante o espanto dos inúmeros “enfezados” que povoavam o local.
Jorge C. Chora
Riram-se à socapa os presentes. A senhora, agastada, virou-se para um enorme cavalheiro que também ali estava e desancou-o:
-De que se ri? Vá lá o senhor entrar, ou melhor, tentar entrar, e logo verá o que lhe acontece!
-Minha senhora, no meu caso foi preciso chamar os bombeiros. Só a persistência de uma bombeira é que me salvou.
-E pelo visto é hoje a sua esposa… -alvitrou a desencaixada.
-Como adivinhou?
-É que o meu também o é! São eles que têm jeito para os XXL…
-Perdão minha companheira de infortúnio. Não se culpabilize. A verdadeira culpa, a existir alguma, será do estabelecimento que devia ter afixado as medidas do WC à porta do mesmo ! ah e um aviso visível com os dizeres explícitos: Para raquíticos.
E saíram de braço dado, dando grandes gargalhadas, perante o espanto dos inúmeros “enfezados” que povoavam o local.
Jorge C. Chora
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