O CHEFÃO
O chefão
arengava há mais de duas horas, em pleno verão, num recinto ao ar livre.
Ao sol, os
funcionários tinham deixado há muito de escutar fosse o que fosse. Pensavam em
resistir e rezavam para que o orador, a discursar sem papel, acabasse com
aquele insuportável tormento.
Inesperadamente
o tempo mudou. Começou a chover, embora de modo ligeiro, mas o chefão
continuou, impávido a massacrá-los.
Meu Deus,
quando é que isto acaba, pensaram, derreados de todo, os ouvintes.
De súbito
ouviu-se um grasnar e uma enorme gaivota a pairar sobre a cabeça do chatarrão.
Um silêncio
sepulcral tomou conta da assembleia. A esperança em que aquilo terminasse de
vez instalou um sopro de esperança.
E no meio do
silêncio começou a escutar-se um murmúrio: Ave Maria…
Mal a oração
terminou, a gaivota despejou os intestinos mesmo na cabeça do chefão.
Este não se
desmanchou:
- Peço
desculpa da interrupção. Vou só lavar-me e já volto.
Quando
voltou, nem vivalma lá restava e até os passarinhos tinham abandonado o local.
Jorge C.
Chora
29/6/2023