O pequeno Francisco olhou e não acreditou. Olhou de novo e ali estava, em cima de uma pedra o estranho bicho. Media um palmo e meio se tanto. Um palmo dos do Francisco.
-O que é isto?- exclamou sem se conter.
Por alguma razão não teve medo. Observou-o com muita atenção. Tinha na cabeça uns corninhos pequenos e uns olhos vermelhos, muito vivos. Tirava constantemente a língua comprida, que enrolava na ponta. Do nariz, dois pequenos orifícios, saíam pequenas faíscas cuja direcção mudava de acordo com o movimento da cabeça. As costas tinham uma espécie de pequenas pedrinhas até à cauda, que terminavam numa seta carnuda e verde. De lado viam-se duas asas, cobertas com uma espécie de escamas multicolores.
-Quem és afinal? Consegues falar? Tens nome…? - perguntou o Francisco.
-Calma, tem calma…uma pergunta de cada vez… - respondeu-lhe com uma voz pausada, forte e segura.
-Começa por dizer-me quem és…
-Esqueceste-te de pedir-me por favor…
-Desculpa-me, esqueci-me…por favor – emendou de imediato o Francisco.
-Sou o Hip… foram os meus pais que assim me chamaram porque, quando era pequeno estava sempre com soluços…
-Com soluços?
-Sim… - e pôs-se a imitar - hip…hip….hip…
-Então és pequenino…
-Sim e não… – disse-lhe o Hip.
-Não entendo…
-Eu explico. Sou pequeno de tamanho mas grande de idade.
-Agora é que não entendo mesmo nada…
-Tens de ter calma. Dá-me tempo para te contar e vais ver que me entendes. Tudo tem o seu tempo.
-Bem…estou curioso… conta-me.
- Vi pela primeira vez a luz do dia há muito, mas mesmo muito tempo, ainda os avós dos teus avós não tinham nascido, nem sonhavam nascer.
-Mas então, se tens tanta idade, como é que ainda tens esse tamanho?
-Antes de mais preciso de saber o teu nome…
-Sou o Francisco…
-Tenho muito gosto em conhecer-te. Olha, voltando à nossa conversa… tenho este tamanho porque sou anão…
-Anão? Mas és assim de nascença?
-Sim, tal como os meus antepassados, desde que eu me conheço… e conseguimos sobreviver até aos dias de hoje porque fomos diminuindo de tamanho…
-E há outros como tu?
-Que eu saiba não….Minto, tenho uma prima…mas não vive por estas bandas…
-E as pessoas deixam-te em paz? O que é que elas dizem quando te vêem? Nunca te quiseram fazer mal? E…
-Lá estás tu a querer fazer-me mil perguntas ao mesmo tempo. Assim deixas-me nervoso e começo a deitar mais chamas…posso queimar-te sem querer! – e, logo de seguida, lançou uma labareda em direcção ao céu que chamuscou o rabo da velha gaivota que por ali passava e assim reagiu:
-Quem ousa chegar-me fogo ao rabo? Onde estão os malvados que me querem mal?
-Perdão D.ª Gaivota, foi sem intenção. A culpa é minha… irritei o Hip sem querer…
-desculpou-se Francisco.
-Logo vi que isto era coisa do Hip, esse velho e irritadiço dragão, com idade para ter juízo, mas sem melhoras nenhumas…
-Conhece o Hip?
-Todos o conhecem por estes lados. Tem o hábito de repreender as pessoas que não se portam bem, aquecendo-lhes as faces com algum calor. Castiga os que fazem alguma coisa que não devem: ficam com a cara encarnada. É por acção do Hip.
-E as pessoas aceitam? Não o perseguem? – espantou-se Francisco.
-Como, se não o vêem?
-Diga? O Hip é invisível?
-Claro !- exclamou a velha gaivota – se o vissem já tinham acabado com ele.
-Então como é que eu o vejo?- surpreendeu-se Francisco.
-Porque ele está bem disposto e simpatizou contigo!- disse-lhe a gaivota- além de que deve querer dizer-te alguma coisa importante.
-É verdade Hip?- perguntou Francisco.
-Se a minha amiga gaivota te disse é porque sabe! – respondeu-lhe mal humorado Hip.
-Todas as crianças contam com a protecção do Hip. Ele não perdoa é aos meninos ou aos que já deixaram de o ser, maldades, mentiras … acções que prejudicam os outros…
-Quando as pessoas sentem a cara a arder…. É porque … - tentou concluir Francisco.
-É porque o Hip está próximo e a asneira aconteceu ou estava para acontecer! – interrompeu a gaivota.
-Então o Hip…
Mais uma vez a gaivota lhe cortou a palavra e o raciocínio:
-Está cansado de trabalhar, descansa pouco ou nada, e ninguém ou quase ninguém sabe que ele existe.
Se alguém ainda não sabe porque razão às vezes fica roborizado, sabe agora qual o motivo. Também nunca viu o Hip ou estou enganado?
Jorge.C.Chora
quinta-feira, 29 de julho de 2010
terça-feira, 13 de julho de 2010
O Sargento Sábio
No tempo da guerra colonial, um jovem estudante de medicina, com a cabeça repleta de heroicidades, comunica à mãe que vai oferecer-se como voluntário para o exército.
A mãe deita as mãos à cabeça, não sabendo bem o que dera ao seu rebento, e o que fazer ao seu súbito apetite: se resolvia o caso com uma chapada, à antiga portuguesa, ou com uma descompostura quilométrica. Optou pela segunda hipótese, mas sem qualquer sucesso. O moço fez-se de surdo.
Logo que pôde dirigiu-se ao centro de recrutamento. Questionado pelo sargento de serviço sobre o que desejava, todo afoito disse ao que vinha:
-Quero oferecer-me como voluntário.
-Muito bem… - e o sargento encaminhou-se para a máquina de escrever, senta-se e dispara – nome e idade…
Em voz grossa, de peito inchado, despejou o nome, como se fosse um escultor a trabalhar a pedra.
O sargento martelou o nome e a máquina resistiu à investida de forma heróica.
Grafado o nome e a idade, voltou à carga:
-Profissão?
-Estudante do primeiro ano de medicina.
O sargento suspendeu a escrita. Sem sequer voltar a olhar para o mancebo, tirou o papel da máquina e disparou:
-Nós precisamos é de médicos. Vá acabar o curso e depois volte.
Sem esperar a resposta do mancebo, voltou-lhe as costas, não sem que antes lhe tenha desejado um bom-dia.
O país ganhou um bom cirurgião e, pelo que conheço da figura, livrou-se de um militar que vou ali e já venho. Safa!
Jorge C. Chora
A mãe deita as mãos à cabeça, não sabendo bem o que dera ao seu rebento, e o que fazer ao seu súbito apetite: se resolvia o caso com uma chapada, à antiga portuguesa, ou com uma descompostura quilométrica. Optou pela segunda hipótese, mas sem qualquer sucesso. O moço fez-se de surdo.
Logo que pôde dirigiu-se ao centro de recrutamento. Questionado pelo sargento de serviço sobre o que desejava, todo afoito disse ao que vinha:
-Quero oferecer-me como voluntário.
-Muito bem… - e o sargento encaminhou-se para a máquina de escrever, senta-se e dispara – nome e idade…
Em voz grossa, de peito inchado, despejou o nome, como se fosse um escultor a trabalhar a pedra.
O sargento martelou o nome e a máquina resistiu à investida de forma heróica.
Grafado o nome e a idade, voltou à carga:
-Profissão?
-Estudante do primeiro ano de medicina.
O sargento suspendeu a escrita. Sem sequer voltar a olhar para o mancebo, tirou o papel da máquina e disparou:
-Nós precisamos é de médicos. Vá acabar o curso e depois volte.
Sem esperar a resposta do mancebo, voltou-lhe as costas, não sem que antes lhe tenha desejado um bom-dia.
O país ganhou um bom cirurgião e, pelo que conheço da figura, livrou-se de um militar que vou ali e já venho. Safa!
Jorge C. Chora
terça-feira, 6 de julho de 2010
O cheque dentário
Com uma cara de poucos amigos, entrou no café, sentou-se com as costas da cadeira viradas para a frente e ordenou:
-Uma cerveja, um pastel de nata e um rissol.
Bebeu a cerveja e ia a metade do rissol quando desatou aos ais.
-O que é que o senhor tem?-perguntaram os funcionários.
Agarrado à boca, pediu a chave para ir à casa de banho. Saiu logo depois, com um pequeno guardanapo, com uma pintinha de sangue e pediu, numa aflição, um bagaço para desinfectar a boca, pois tinha espetado um osso!
-Um osso? O mais que pode ser é um bocado de camarão! – exclamaram os empregados.
Após” bochechar“ a bagaceira, dirigiu-se ao balcão e intimou:
-Qual de vós me acompanha ao dentista?
-Acompanhar ao dentista?
-Sim…não vêem a minha dor? Chamem uma ambulância…
Os funcionários arregalaram os olhos. Eles que nunca tinham ido ao dentista, estavam a ser solicitados para acompanhar um marmanjão com um dói dói…
-Mas que idade tem o senhor!
Nisto, saí da cozinha o ajudante, homem enorme que trabalhara numa clínica veterinária, cuja secreta ambição era ser dentista, com um facalhão impressionante, todo sorridente, a oferecer-se:
-Quem precisa de um dentista?
O homem, que já desandara sem pagar a conta, criou asas e ainda houve quem ouvisse pela rua fora a sua aflição:
-Olha que o cheque dentário me ia saindo caro!
Jorge C. Chora
-Uma cerveja, um pastel de nata e um rissol.
Bebeu a cerveja e ia a metade do rissol quando desatou aos ais.
-O que é que o senhor tem?-perguntaram os funcionários.
Agarrado à boca, pediu a chave para ir à casa de banho. Saiu logo depois, com um pequeno guardanapo, com uma pintinha de sangue e pediu, numa aflição, um bagaço para desinfectar a boca, pois tinha espetado um osso!
-Um osso? O mais que pode ser é um bocado de camarão! – exclamaram os empregados.
Após” bochechar“ a bagaceira, dirigiu-se ao balcão e intimou:
-Qual de vós me acompanha ao dentista?
-Acompanhar ao dentista?
-Sim…não vêem a minha dor? Chamem uma ambulância…
Os funcionários arregalaram os olhos. Eles que nunca tinham ido ao dentista, estavam a ser solicitados para acompanhar um marmanjão com um dói dói…
-Mas que idade tem o senhor!
Nisto, saí da cozinha o ajudante, homem enorme que trabalhara numa clínica veterinária, cuja secreta ambição era ser dentista, com um facalhão impressionante, todo sorridente, a oferecer-se:
-Quem precisa de um dentista?
O homem, que já desandara sem pagar a conta, criou asas e ainda houve quem ouvisse pela rua fora a sua aflição:
-Olha que o cheque dentário me ia saindo caro!
Jorge C. Chora
segunda-feira, 5 de julho de 2010
Almoço para dois
Surgiu na curva aos ziguezagues. Os pneus da viatura chiaram e o condutor, num frenesim, sacudia-se e agitava o pano de pó. Conseguira escapar, até ao momento, de uma ferroada do besouro. Pelo zumbido, era dos grandes. Pior do que isso, mostrava uma tenacidade sarnenta e feroz nos ataques que proferia.
Mal acabara de descrever a curva é mandado parar. Era uma operação stop. O agente aproxima-se. Faz uma continência a preceito, batendo em simultâneo os calcanhares:
-Sr. Condutor, identifique-se e mostre-me os documentos da viatura, por favor….
Enquanto o automobilista cumpria a ordem o agente não se conteve:
-Aos ziguezagues depois do almoço…
-Sabe Sr. Agente… o besouro…
-O besouro? Vamos ver que história vai contar quando soprar o balão… -disse o polícia olhando-o de soslaio.
As palavras ainda não tinham sido ditas quando o polícia lança aos quatro ventos um grito de dor: levara uma valente ferroada no pescoço.
-Pelo visto almoçou o mesmo do que eu… - comentou o motorista.
-O mesmo não digo eu… o Sr. ficou-se pelo aperitivo e eu pelo prato principal…. – concluiu.
JorgeC.Chora
Mal acabara de descrever a curva é mandado parar. Era uma operação stop. O agente aproxima-se. Faz uma continência a preceito, batendo em simultâneo os calcanhares:
-Sr. Condutor, identifique-se e mostre-me os documentos da viatura, por favor….
Enquanto o automobilista cumpria a ordem o agente não se conteve:
-Aos ziguezagues depois do almoço…
-Sabe Sr. Agente… o besouro…
-O besouro? Vamos ver que história vai contar quando soprar o balão… -disse o polícia olhando-o de soslaio.
As palavras ainda não tinham sido ditas quando o polícia lança aos quatro ventos um grito de dor: levara uma valente ferroada no pescoço.
-Pelo visto almoçou o mesmo do que eu… - comentou o motorista.
-O mesmo não digo eu… o Sr. ficou-se pelo aperitivo e eu pelo prato principal…. – concluiu.
JorgeC.Chora
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