sábado, 30 de janeiro de 2016

AS DUAS BORBOLETAS


Era uma vez duas borboletas irmãs que nasceram na mesma folha de medronheiro. Ambas tinham em comum o poderem mudar de cor, de forma muito rápida, não só quando estavam pousadas em folhas de cor diferente, mas também quando voavam. Uma era grande e a outra era pequena.

A grande passava o tempo esvoaçando sobre os pequenos animais do medronhal, alimentando-se das palmas que estes lhes batiam quando ela mudava de cor em pleno voo. A pequena, disfarçando-se, confundia-se com a vegetação, aproveitava-se da distracção dos espectadores e roubava-lhes as folhas mais viçosas, que eles tinham tido o trabalho de recolher e amontoar.

Indignados com a pequena borboleta, resolveram fingir-se distraídos com as peripécias da irmã e, mal ela pousou nas folhas que eles tinham juntado, saltaram-lhe em cima e quase a apanharam.

Riu-se a pequena borboleta, após ter conseguido escapar.

No dia seguinte, ninguém lhe ligou nenhuma quando ela lhes comeu o que eles tinham conseguido. Quando a irmã fazia as suas peripécias, passou-lhes muito próximo e os animais do medronhal, apanharam-na e castigaram-na severamente:

-Ora toma sua fingida…distrais-nos enquanto a tua irmã nos rouba…

E a borboleta grande nunca mais mudou de cor.

Jorge C. Chora


quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

O RECHEIO DO BONÉ


Pingos de suor escorriam-lhe da testa. Limpou-a com o lenço e tirou o boné. O homem à sua frente alertou-o:

-O senhor tem um envelope no interior do seu boné…

-Obrigado. Eu sei…tem dinheiro…

-Não era mais seguro tê-lo no bolso?

-Não…no meu caso não… – esclareceu o dono do envelope.

Surpreendido com a resposta e sem perceber nada,voltou à carga:

-No seu caso?

-Ó homem, eu sou motorista de camião…quando me mandam parar, tiro o boné e digo-lhe,desculpe-me…eu só quero trabalhar… e ele tira ou não tira… serve-se ou não se serve…

E nesse preciso momento, um pombo que debicava o chão da esplanada, voou e levou-lhe o envelope, deixando no seu lugar um cocó mole como à papa.

Bem saltou o espoliado, bradando ordens e insultos audíveis em toda a praça:

-Anda cá canalha…torço-te o pescoço quando te apanhar…vai roubar para outro lado…

E o pombo voou, lá para os lados de um orfanato, onde se agradeceu à Virgem Santíssima a chuva de notas caída do céu e as refeições melhoradas a que os utentes tiveram direito.

Que se saiba, o pombo nunca foi apanhado.


Jorge C. Chora

domingo, 17 de janeiro de 2016

VIAJAR POR UMA"QUINHENTA" NA ANTIGA LM


Apanhar o”machimbombo” por uma”quinhenta” era privilégio dos estudantes em LM. No fim da década de sessenta era assim. Primeiro tinha de se ter a declaração da secretaria do liceu, com carimbo e assinatura da reitora(or), confirmando a condição de estudante e só depois se podia tratar, na empresa de transportes, do cartão que se tinha de apresentar nos autocarros. O mesmo em relação ao cartão de estudante que dava descontos nos cinemas.

Ir à Costa do Sol por uma “quinhenta”, principalmente durante a semana, era um prazer como havia poucos. Apresentava-se o cartão, pagava-se a “quinhenta” estipulada, independentemente da viagem ser curta ou longa e saíamos, pelo menos eu, na praia não muito longe do lugar onde seria construído o mini-golfe ou, muitas vezes, na praia do Dragão (se a memória não me falha).

Quando havia furos, não eram muitos, aí ia eu dar um mergulho às praias da Costa do Sol. Um belo dia, resolvi” gazetar”. Um finalista também tinha alguns direitos, pensava eu.  À hora combinada, eu e a namorada, já com as respectivas “quinhentas” preparadas, apanhámos o machimbombo e saímos na nossa praia preferida.

Após muitos mergulhos e correrias, deparámo-nos, em pleno areal, com o professor de uma das aulas a que eu tinha faltado. Depois de o ter cumprimentado, sem saber o que dizer, arrisquei uma desculpa:

-Ó senhor doutor, eu estive no liceu mas como não veio, resolvi vir à praia…

O professor ainda era jovem, estava bem acompanhado e sorriu-me, enquanto me respondia:

-Se tu estás aqui há horas e a minha aula foi há meia-hora, como é que fizeste isso?
Percebi de imediato que ele também lá estava quase há tanto tempo como eu. Tínhamos tido o azar de ir para a mesma praia!

Nunca disse nada a ninguém mas de uma coisa fiquei certo: a minha namorada era bem mais linda do que a dele, mas nunca lhe retirei o mérito de ter o bom gosto de escolher a minha praia e, vá lá, de ter uma namorada bonitinha.

P.S. Uma "quinhenta" eram cinquenta centavos.

Jorge C. Chora



segunda-feira, 4 de janeiro de 2016

"REDON" OU "JÁ TE VI"


Há dois ou três anos, conheci um casal brasileiro de uma simpatia extrema, enquanto assistíamos ao render da guarda em Belém. Conversámos e logo após a substituição dos guardas, sugeri-lhes que vissem o espectáculo a cavalo do esquadrão da G.N. R.,que finalizaria a sua participação frente ao palácio, e que teria a sua apresentação, no jardim Vieira Portuense.

Gostaram das marchas tocadas a trote e a galope, do cruzamento compassado dos equídeos, da perícia dos cavaleiros.

Sendo já tarde, oferecemo -nos, eu e a minha mulher, para os conduzir ao hotel. Lá chegados, convidaram-nos para um almoço de marisco, numa conhecida marisqueira, bem em frente ao hotel. Delicadamente recusámos. Após alguma insistência, confessámos-lhes que em casa tínhamos “redon”.

Nilsa e Jorge, assim se chamam os membros do casal, mostraram-se surpreendidos:

-Não conhecemos esse prato no Brasil! Como é que ele é?

E a minha mulher, lá confessou : ”redon” significa o ” resto de ontem”.
D. Nilsa sorriu e disse:

-No Brasil chamamos aos restos de ontem “já te vi”.

Ficámos amigos. Jorge Miguel é professor universitário em S. Paulo, escritor e magistrado e D. Nilsa, professora aposentada e apreciadora de orquídeas. Ah! Jorge Miguel é um apaixonado pela língua portuguesa, pelas obras de Camões e de António Vieira.

Jorge C. Chora


sexta-feira, 1 de janeiro de 2016

O AMOR DE GIOA


Gioa amava Hilarião, mas mais esquivo do que ele não havia. Conheciam-se desde a primária, moravam na mesma aldeia, ele no número três e ela, no cinco da mesma rua.

Gioa nunca se declarara porque corriam rumores sobre Hilarião, que o davam como inapto para a reprodução. Isso e o facto de ele ser excessivamente tímido,impediam  Gioa  de deslindar o mistério.
Farta da situação, resolveu tomar a iniciativa. O barbeiro da aldeia era amigo de ambos e fora também colega de escola. Um dia apanhou-o a jeito:

-Desculpa-me António mas, quero falar contigo sobre o Hilarião.

-A tua paixão de sempre…o que queres saber?

-Bom…tu  conheces-me bem e é escusado negar…há por aí uns boatos sobre a virilidade do Hilarião…

-Não precisas de dizer mais…lembras-te de numas férias grandes o Hilarião ter ido para Lisboa?

-Sim…vagamente…

-Pois a tua paixão, foi circuncidado, tinha alguma dificuldade em urinar… e sei, porque ele esteve em casa de uma tia minha, que era enfermeira. Essas bocas de que lhe tinham cortado a “coisa”, vêm dessa época. A aldeia sempre foi assim…

No dia seguinte, Gioa esperou o amado. Mal o viu, puxou-o para sua casa, disse-lhe que o amava, apertou-o contra si de um modo suave e, depois de se sentir correspondida, disse-lhe:

 -Se tivesse tido a coragem de ter feito isto há uns anos, tínhamos poupado tanto tempo, meu amor!

-Ainda vamos a tempo linda Gioa… o nosso amor decidiu-se no Ano Novo mas não é um amor de Ano Novo!

Jorge C. Chora