domingo, 31 de outubro de 2021

O CADEIRÃO/ UM QUADRO DE REVISTA DO PARQUE MAYER


Saltaram-lhe os olhos das órbitas, ao ver o cadeirão com que sempre tinha sonhado.

 Cadeirão de boa madeira, revestido a couro, com sinais de uso, com aquele toque de classe. Um verdadeiro achado.

Travou de imediato conversa com o cavalheiro que tinha um braço em cima dele:

-Fez uma bela compra!

-Engana- se meu amigo. Não o comprei agora. Estou farto dele e vou vendê-lo!

- Não me diga! Quanto quer por ele?

-Só trezentos euros…

O negócio concretizou-se num ápice.

Quando o comprador se preparava para o levar, surgiu-lhe outro homem a exigir-lhe o pagamento:

-O cadeirão ainda não está pago! Um senhor de fato azul disse-me que ia ao carro e desapareceu.

-E quanto lhe ficou ele a dever?

-Cento e oitenta euros…

E o comprador pagou o que lhe pediram.

Respirou fundo, levantou o cadeirão e mal iniciara a marcha, surgiu-lhe uma senhora, que furibunda e aos gritos o interpelou:

-Para onde vai levar o meu cadeirão? Estou a mudar-me para aqui, deixo-o no passeio porque não consigo carregar tudo ao mesmo tempo e o senhor vai levar-mo?

Já sem dinheiro para comprar o objeto pela terceira vez, só lhe restou uma saída:

- Perdão minha senhora. Não sabia que era seu. Eu ajudo-a a carregar o cadeirão para o seu andar.

Dito e feito. Carregou o cadeirão até ao quinto andar, sem elevador, desejou felicidades à senhora e desceu com muito sacrifício.

Já na rua, uns cinquenta metros andados, um idoso apoiado na neta dizia:

-Vês minha querida, eu não te disse que em dez minutos o cadeirão que eu deitei ao lixo desapareceria!

 

Jorge C. Chora

31/10/2021

-

 

 

 

 

 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O ARREPIO DO SANTINHO


Para santinho nem a aureola lhe faltava: a queda precoce de cabelo fazia-o assemelhar-se ao Stº. António. Quanto ao comportamento, era considerado exemplar quer no bairro quer na escola.

Ao acordar naquela manhã, ninguém diria tratar-se da mesma pessoa. Deu-lhe a louca, como diria a sua amiga Olga. Pura e simplesmente decidiu faltar às aulas, mas não podia permanecer em casa.

Vestiu-se, agarrou na pasta com os livros e foi apanhar o autocarro. A viagem ainda durava cerca de 30 minutos pois vivia numa localidade ainda distante da escola.

Cirandou pela cidade, ocupou o tempo a ver lojas e no café. Na hora de regressar, encaminhou-se para a paragem. Mal lá chegou viu um carro parar mesmo à sua frente.

-  Anda …   dou-te boleia. Hoje tenho de ir para o sítio onde moras…

João sentiu-se gelar. À sua frente tinha o professor a quem faltara às aulas.

- Vamos embora, não tenho o dia todo…

Ainda pensou dar uma desculpa e não aceitar a boleia. Desistiu da ideia. Tinha de saber o que ele diria aos seus pais. Eles até eram conhecidos…

Durante a viagem João observou de modo atento o professor. O que estaria ele a pensar? Aquele franzir da testa significaria o quê? Porque não lhe daria ele o raspanete que ele merecia?

A viagem foi um tormento. João já estava por tudo. Se o professor não dissesse aos pais nada, ele próprio confessaria a sua falta. Elaborou mentalmente o discurso de desculpas e a promessa de não voltar a cometer a falta.

Chegados ao destino, João ensaiou as suas desculpas:

- Sr. Professor peço-lhe desculpas…

- Desculpas, peço-te eu por não ter tido tempo de vos avisar que tinha de faltar…

João já não ouviu nem quis ouvir o resto.

- As suas melhoras…

E o professor ainda tentou dizer-lhe que não estava doente …

 

Jorge C. Chora

  28/10/2021

domingo, 24 de outubro de 2021

UMA QUESTÃO DE HÁBITO

O seu perfume acabara há duas semanas. O António, todos os dias, à mesma hora, ia buscá-lo à prateleira, desenroscava a tampa e borrifava-o na sua direção. Nenhuma gota de lá saia porque simplesmente, continuava vazio.

A sua mulher, ao fim da segunda semana, farta de o ver repetir este gesto sem qualquer sentido, um tanto agastada, interpelou-o:

-O que se passa contigo? Não vês que já não tens perfume há semanas?

- Eu sei disso!

-Então se sabes porque repetes o gesto como se fosses um maluquinho?

-Para não perder o hábito de me perfumar todas as manhãs…

-Então porque não compras outro frasco?

-Olha …tenho-me esquecido… e por isso, antes que perca o hábito, continuo a” perfumar-me” todas as manhãs!

 Era mesmo assim o seu marido. Decidiu não intervir até que ele se lembrasse de o comprar.

Ao fim de dez dias, não conseguiu aguentar-se, comprou o perfume ao marido e colocou-o na prateleira.

No dia seguinte espreitou o cônjuge. Ele pegou no frasco de perfume cheio, mirou-o, remirou-o em voz alta, questionou-se:

- Não me lembro de o ter comprado! Deve ser do meu filho…

E colocou de novo o perfume onde estava, foi buscar o frasco vazio e “perfumou-se” para não perder o hábito.

 

Jorge C. Chora

24/10/2021

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

AS JURAS


Seja eu cego minha mãe,

se demoro algum tempo

a ir buscar os ovos à loja do Manel!

Vou num pé e venho noutro.

 

Ir num pé e vir noutro

para ti, é coisa difícil meu filho!

Seja eu surdo se não é fácil

ir num pé e vir noutro.

 

Não prometas meu filho

pois ir num pé e noutro vir

é coisa de que não és capaz.

Seja mudo se para isso não sou rapaz!

 

Foi num pé e noutro não veio.

Conversou com a Fernanda

deu à Madalena ajuda,

elogiou a saia garrida da Joana

e quando se recordou da demanda,

estava na praia com a amada.

 

À noite, quando a casa chegou

não trazia nem a cesta que levou.

Quanto a ovos, absolutamente nada,

mas trazia, todo contente, a namorada!

             Jorge C. Chora

             21/10/2021

domingo, 17 de outubro de 2021

PRIORIDADES DE UM AMIGO DA ONÇA

Na sua rua, conhecidos,

já morreram quarenta e um.

Quando chegar a sua vez,

serão pelo menos estes

e mais alguns, os faltosos

às suas despedidas.

Quanto aos conhecidos ainda vivos,

por uma questão de educação,

deu-lhes, de bom grado, prioridade,

prometendo-lhes ir ao funeral,

dispensando-os, assim, do incómodo de irem ao seu.

Quanto aos seus inimigos,

dispensou-os de falsidades,

embora espere saber do deles,

sem eles virem a saber do seu.

Tudo isto também poupa aos outros,

na sua visão, o sofrimento de assistir ao dele.

A prioridade de quem é a bondade em pessoa.

 

       Jorge C. Chora

        17/10/ 2021

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

ÀS MARIAS

Sinto-as eu,

tu e o mar também,

os encantos das nossas Marias,

entre os quais  ouvi-las falar.

Escutar as suas vozes

e os seus bem-quereres,

rendendo-nos às suas

sabedorias,

perfumadas pela maresia,

ouvidas por deliciados cardumes,

por quem até as ondas

se calam para as podermos escutar

é render-nos às nossas Marias.

 

Jorge C. Chora

  13/10/2021

domingo, 10 de outubro de 2021

O DESEJO

Nem o brilho do ouro

desperta tanto o desejo,

como um seio dourado

e o fino rendado

a tapar o tesouro cobiçado,

por todos sonhado,

abaixo do umbigo localizado.

Oh! vento, sê amigo,

destapa a delícia escondida

e serás abençoado

e não te esqueças delas

pois também gostam de peito,

talvez musculado,

e sem rendas, em relação

ao abaixo sediado.


 Jorge C. Chora

   10/10/2021

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

A DISCUSSÃO

 Enquanto um cliente refila,

outro grita,

o terceiro apita,

o quarto agita,

o quinto não vai na fita,

puxa do "guito"

e compra o melão.

Continuam os quatro na discussão,

sem lá estar o melão

e quando chegam à conclusão

de quanto dar pelo melão,

o novo dono pediu pela operação

o dobro do preço pelo maldito melão.


Jorge C. Chora

 7/10/2021

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A DANÇA DAS ABETARDAS

Tarde ou cedo todas

as pessoas merecem,

uma atenção semelhante

à que as abetardas

dedicam às suas companheiras.

Uma sedução delicada e bela,

dançada e colorida,

podendo ou não ser aceite,

porque é oferecida e não imposta.

Nos humanos, tal oferta

não tem género,

só a vontade de se darem,

a quem acham merecer a sua atenção.


Jorge C. Chora

5/10/2021



sábado, 2 de outubro de 2021

GENTE AZEDA

 Há gente azeda,

tudo os desgosta,

é gente ácida,

nada presta,

nada lhes agrada

tudo os farta,

tudo é gente suada

e a vida desagrada.

Abaixo gente assim,

à vida, diz-se sim!


Jorge C. Chora

2/10/2021