domingo, 26 de fevereiro de 2017

CARNAVAL



Loura desnuda
de alvas e rijas carnes,
tendo à ilharga uma morena
que se saracoteia
e se transforma num doce pecado,
reluzente e escorregadia,
saborosa enguia,
festim aos olhos de quem aprecia,
demónio para quem a inveja
e desdenha.
E como a igualdade tem de ser
defendida, também há matulões
despidos, regozijo de mascaradas
que ninguém vê se estão entusiasmadas.
Que siga o carnaval,
com as suas picardias
e as horrorosas matrafonas.
Divirtam-se que amanhã
é outro dia,
 o regresso à salgalhada
e ao cartapácio de malfeitorias.


Jorge C. Chora

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2017

O ANDARILHO



Não houve terra onde
não fosse, local onde
não pisasse, sítio onde
não tivesse estado e onde
não quisesse regressar.
Não fosse esse alguém,
um andarilho português,
 sempre saudoso dos lugares onde esteve,
 ou mesmo daqueles em que
um dia imagina poder estar,
ninguém compreenderia
uma saudade do tamanho
do mundo inteiro.


Jorge C. Chora

quinta-feira, 16 de fevereiro de 2017

É OU NÃO VERDADE?



Se aprenderes a conhecer
as estrelas do firmamento,
talvez te surpreendas
ao descobrires que sempre
tiveste uma a teu lado.
Repara e diz que não é verdade!


Jorge C. Chora

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

UM PAÍS COM DOIS DIAS DOS NAMORADOS



No doce calor de Junho,
comemora-se o Stº António,
santo casamenteiro
 e protector dos namorados,
que os embala e motiva
até aos rigores de Fevereiro,
em que os enamorados se enlaçam,
não vá o frio apartá-los
e a relação esfriar.
Que bom ter dois dias dos namorados,
um nos dias quentes e outro nos dias frios,
pois não há nada tão saboroso,
como um namoro bem temperado,
ou não vivêssemos em Portugal.



Jorge C. Chora

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2017

O MENINO DO CANTO


No canto estava, no canto ficava. Ocupava um dos cantos da sala, o da entrada à esquerda. Era raro de lá sair. Era conhecido como o menino do canto, o que não falava e do qual todos se queixavam:

-Ele bateu-me…

-Eu tenho medo dele…

E o menino que lá vivia, com o nariz torto e o lábio fendido, encolhia-se e nada dizia.
Provocavam-no os pequenos colegas:

-Ele não sabe nada! Nem sequer fala!

Um dia contrataram a Rosa, uma auxiliar com uma deficiência numa perna, a quem os outros meninos chamavam bruxa, mas que por dentro era tão doce como o mel.
E o menino do canto, passados uns dias, chamou-a para ao pé de si:

-Senta-te aqui ao pé de mim …

E Rosa abriu os olhos, surpreendida:

-Mas tu falas meu menino…

- Sim Rosa… mas eles querem acreditar que não…

Enquanto Rosa, incrédula, o ouvia, o menino desenhou, num traço trémulo, um enorme coração e ofereceu-lho:

-Para ti Rosa.

E no rádio de pilhas que Rosa tinha no bolso da bata, ouvia-se baixinho  “Oh love, love me do, you know I love you…”


Jorge C. Chora

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2017

GERVÁSIA E AS PRENDAS DA LUA



A avó Gervásia tem e teve sempre alegria para dar e vender. Ao pé de si ninguém está triste e os que estiverem deixam de estar.

Cruzou-se com a Amélia, de sete anos de idade, e achou-a chorosa. Chamou-a e disse-lhe:

-Minha doce Amélia, não estou a gostar de te ver triste!

Abriu a carteira e deu-lhe um belo espelho, com uma condição:

-Sê vaidosa contigo própria. Vê-te todos os dias ao espelho. Se não te estimares a ti própria, ninguém o fará. Começa agora.

E Amélia viu-se ao espelho e ao ver Gervásia franzir o nariz e fazer-lhe uma careta, sorriu divertida.

-Vês Amélia, quem sorri tem a aprovação da lua, do sol e das estrelas…

-Como assim avó Gervásia?

-É simples. Estás com um lindo sorriso de lua cheia, alegre e viva como sol e os teus olhos  cintilam como estrelas.

Amélia tornou a olhar-se ao espelho e concordou:

-É verdade avó Gervásia! -E descansou a sua pequena cabeça no ombro amigo da velha Gervásia.


Jorge C. Chora

domingo, 5 de fevereiro de 2017

TAL COMO OS PARDAIS



Tal como os pardais,
os portugueses estão
em todo o lado
e também voam,
como eles,
 em liberdade
 por esse mundo fora.
Tal como os pardais,
fazem o ninho em
distantes regiões,
adaptam-se a diferentes
viveres e culturas,
sem destoarem dos locais.
Sobrevivem em condições
adversas e não se atemorizam
por dá cá aquela palha,
que medo, medo,
 por assim dizer,
só o têm às corujas e falcões,
mas nem a esses os
portugueses temem,
contrariamente à saudade
que têm da terra que os viu partir.
Tal como os pardais,
em geral são pequenos,
mas só de tamanho.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

O" MAMMA MIA"



Gabava-se de que Salomão ao pé de si, era um simples principiante, pois só teria mil mulheres, 700 das quais eram esposas e só trezentas concubinas. As legítimas não contavam, eram só esposas e isso, a seu ver, tirava-lhe a emoção, o sal da relação, o sabor do proibido, o adorado paladar do pecado.

Chamavam-lhe o “Zé das Mil”, tantas eram as mulheres que, no mínimo, reivindicava como tendo sido suas, acrescentando pormenores como se de troféus se tratassem, principalmente quando elas tinham maridos.

Um belo dia teve um encontro com um” bruto” que o viu a adejar, feito bailarina, junto da sua amada. Esta não se queixou, limitando-se a mostrar o seu desagrado, perante as estafadas e pouco nobres manobras do Zé das Mil.

E foi a partir daí que o antigo Zé se transformou em “Mamma Mia”, tal o apertão que levou, advinha-se onde e com que força. Mas o mais surpreendente para os” amigos”, é que ele passou a adorar” brutos”, mas desses não lhes gaba as façanhas, nem deles nem as suas.

 Limita-se agora a ser o ”Mamma Mia”, gosta de sê-lo e ninguém tem nada a ver com isso. E de facto não tem.

Jorge C. Chora



quinta-feira, 2 de fevereiro de 2017

UM AMIGO



Um amigo(a) é alguém
que podemos não ver há anos,
mas com quem falamos
e nos entendemos,
como se o tempo não tivesse passado.

 Também podemos ter estado
 juntos há bocado
 e dele já termos saudades.
Um amigo é isso mesmo:
alguém que está sempre presente,
 esteja perto ou mesmo longe
mas nunca se desfaz de nós.


Jorge C. Chora

quarta-feira, 1 de fevereiro de 2017

A ÁRVORE


Queria ver na minha praceta, uma árvore grande e frondosa. Seria um abrigo para os dias quentes ou para simples chuviscos, pouso de passarinhos, local de repouso e de namoricos.

Trocá-la-ia por uma árvore de fruto e então colhê-los-ia frescos e deliciosos. Uma laranjeira talvez, embora se fosse à vontade do freguês… ah! então seria uma figueira e os figos, esses poderiam ser uns quaisquer…Pensando melhor, porque não uns pingo-de-mel…

Só de nisso pensar, até já me ardem os beiços. Antecipo-lhes o cheiro e o sabor, uma cesta deles, um cento para começar…

Ai que tenho de ir ao mercado e trazer, ao menos uma dúzia, para matar as saudades que tenho dos figos pingo-de-mel.

Saio de casa e olho para a praceta. Há carros velhos estacionados, óleo e cocó de cão no chão, lixo por todo o lado. Onde está a minha figueira?
E um rato que por ali passava, olhou-me nos olhos e disse:

-Coitado que está "choné"! uma figueira! não querias mais nada?


Jorge C. Chora