Veio do Sul, de uma aldeia piscatória, carregando consigo,
como única bagagem, o estranho nome. De pés descalços, aos tropeções, mudando
de companhia e sujeitando-se aos abusos dos mais fortes, chegou a Lisboa no
início do Verão.
Conduziram-na ao cais da Ribeira e o mestre de uma fragata,
ao vê-la, arregalou o olho e interrogou-a:
-Procuras trabalho?
Volta amanhã, pode ser que..
Voltou no dia seguinte. Alertada por uma velha varina, soube
que a poriam a descarregar o peixe e que quando passasse na prancha que ligava
a fragata ao cais, um pescador iria apalpá-la .Agradeceu e pediu-lhe emprestado
um enorme chicharro. Mal ele lhe tentou levantar a saia, ela foi à algibeira,
agarrou no peixe e deu-lhe com ele, em cheio, na cara.
No cais, Rodrigues, comerciante abastado da praça da
capital, proprietário de diversos negócios, que acabara de chegar e vira a
cena, fez sinal ao mestre, apontando-a e virando o indicador para si próprio.
Para bom entendedor meia palavra bastava.
-Como se chama a menina?- perguntou, já com todo o respeito,
o mestre.
-Cristeta.
-E a menina quer então trabalhar? Pode começar agora, se o
senhor Rodrigues assim quiser. Ele é o patrão.
Cristeta virou-se e viu Rodrigues. Agradou-lhe à primeira
vista. Era um homem alto, de cabelos brancos, transbordando simpatia. Trajava
casaca, em que sobressaia uma corrente de ouro que mergulhava no pequeno bolso
esquerdo do colete. Apoiava-se numa bengala, adereço caro, a avaliar pelo cabo
de marfim e pelos amarelos que o fixavam à ponteira.
Será meu, pensou Cristeta. Os olhos com que ele a olhou
deram-lhe a certeza que ela lhe tinha agradado sobremaneira.
-Tem onde ficar?
-Não…
-Então vai lá para casa.
-Em que condição?
-Na que a Cristeta quiser.
E Cristeta foi e não tardou a apaixonar-se pelo Rodrigues. Quanto
a ele, o amor nasceu assim que a viu.
-Cristeta, minha pequena sardinha… - derretia-se Rodrigues.
-Rodrigues , meu adorado carapau…
A diferença de idades fez mossa. Cristeta estava sempre
pronta para o amor e Rodrigues só em dia de festa. Mas ela amava o seu velho
companheiro e todas as semanas, sem falta, organizava uma festa.
Quando Rodrigues chegava e lhe perguntava a razão de ser do
evento, ela respondia:
-É dia de S. carapau!
E Rodrigues, com todas as forças e empenho de que era capaz,
amava a sua adorada sardinha. Um dia, morreu em pleno esforço.
Cristeta passou a ser senhora dona e como senhora dona se
comportou. Cumprido o luto, era raro o dia em que as empregadas não a ouviam
murmurar:
-Que saudades do dia de S. carapau…
Jorge C. Chora