terça-feira, 24 de fevereiro de 2015

Paraíso


Sempre pensei
que o paraíso
fosse algo distante
e inacessível.
Vejo agora quanto
me enganei.
Tenho-o à mão
quando te vejo,
vivo-o ao beijares-me,
ouço-o quando falas,
sinto-o mal me tocas,
respiro-o ao passares por mim.
Que mais posso desejar,
se não continuar a viver
no paraíso?
Não tenho qualquer dúvida:
O paraíso tem código postal!

Jorge C. Chora



sábado, 14 de fevereiro de 2015

De TI QUERO TUDO

Tudo o que de ti vem
me faz falta.
De ti quero tudo,
o calor,
a sabedoria,
o amor que me tens,
as palavras que me dizes,
o modo como me olhas,
a ternura em que me envolves.
Quem me dera poder duplicar,
aquilo que de ti recebo,
mas sei, por experiência
própria, que receberei
em triplicado todo o amor
que te dedico.
Por isso digo
e reafirmo,
que de ti quero tudo.

Jorge C. Chora                 

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2015

Briolanja e Curoto

Briolanja seguia, de olhos arregalados, mesmo atrás do menino um pouco mais velho do que ela. Detestava segui-lo porque o ambiente era malsão, envenenado e fedorento. A procissão seguia a passo de caracol. Ela apertava o nariz com toda a força. Cheirava mal que tresandava.

-Curoto…tu matas-me…-gritava , asfixiada e revoltada.

-O quê? – gritava ele, sem conseguir ouvir, abafado pelas Avé Marias.

E ela repetia, furiosa:

-Curoto,  tu matas-me…

-Queres bolachas?-  inquiria o Curoto – mergulhando a mão no bolso, retirando um monte de bolachas esfareladas.

E Briolanja, com o indicador dizia-lhe que não e agradecia-lhe:

-Obrigada Curoto, come tu…

Durante anos não escapou à mesma sina desgraçada. À medida que foi crescendo ia-lhe mandando indirectas, até que um dia lhe disse:

-Amanhã é a procissão. Vê lá se não comes couves e outras porcarias do género. Quem vai atrás de ti sou eu!

E foi aí que se fez luz no espírito de Curoto.

-Então estes anos todos chamaste-me cu roto?

-Sim, meu menino. Só não morri ainda porque aprendi a prender a respiração…

-Curoto sorriu-lhe:

-Briolanja,  minha querida amiga, eu também tenho sofrido do mesmo mal estes anos todos ! Só não disse nada, porque julguei que fosses tu!

-Se não era eu nem tu, quem era afinal?- espantou-se Briolanja.

Pois aí é que bate o ponto. Descobri agora que era o sacristão que ia à minha frente! Passo sim, passo não, virava-se para mim e dizia:

-Ai que alívio…obrigado Senhor por me manteres vivo…

Briolanja e Curoto aproximaram-se um do outro e cheiraram-se. Descobriram que tinham cheiro a flores: Ela cheirava a rosas e ele a alecrim.

Nunca mais passaram um sem o outro.

-Onde estás minha Briolanja?

-Aqui,  querido Curoto…

E no ar paira sempre um perfume a rosas e a alecrim.

Jorge C. Chora





terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

O Violinista

                                                                                                                                 
Ainda a nona badalada não soara e já o substituto do violinista estava no seu posto. Pedira o violino ao amigo que adoecera e viera fazer uma perninha e uns trocos.

Em frente à igreja, mal viu um grupo de pessoas a aproximar-se, retirou o instrumento do estojo e preparou-se para tocar. O grupo, curioso, parou.

Atacou o violino de um tal modo, que partiu de imediato uma corda. Brandiu o arco como se de uma cimitarra se tratasse e quando o friccionou, pura e simplesmente rebentou a segunda. Olhou surpreso para o instrumento, levantou-o, mirou-o e disse:

-Não há duas sem três….vê lá!

E o ditado cumpriu-se: partiu a terceira. O grupo, boquiaberto, seguiu o seu caminho ou, pelo menos tentou.

O substituto pôs-se a gritar, de modo esganiçado, agudo, como se fosse um violino renascido mas desafinado e vingativo:

-E então o dinheirinho?

-Dinheirinho!? Mas deu-te a louca ó desastrado… - respondeu-lhe um dos do grupo.

-É assim que tratam um virtuoso da música? – replicou, furioso.

-Virtuoso?

-Bem…mesmo que não o seja, preciso de dinheiro para repor as cordas, para o mandar afinar…

-E que temos nós a ver com isso? – barafustou o ouvinte, já farto do desplante do farsante.

-Tudo…ou não querem um serviço público de qualidade?

-Também quer que lhe paguem aulas de música?

-Nem mais…isso é que era uma grande” cena”…

Farto de o ouvir, deu-lhe um euro e comentou:

-Tem uma lata surpreendente…

No dia seguinte, o substituto do violinista, à nona badalada, estava no sítio do dia anterior. Ao ver umas pessoas a aproximarem-se, mostrou o violino com as cordas partidas e intimou:

-Umas moedinhas para comprar cordas para o violino.

Algum tempo depois, passou o mesmo homem com quem dialogara no dia anterior. Deu-lhe outra moeda mas fez-lhe uma exigência:

-Na condição de não comprar cordas para o desgraçado do violino.

-Um cavalheiro não pode comprometer a sua palavra à toa… - E guardou a moeda na algibeira, mesmo junto aos papéis de inscrição do partido em que tenciona  inscrever-se.

Faz-lhe lembrar alguém?  Vários? Não diga quem…

Jorge C. Chora




terça-feira, 3 de fevereiro de 2015

O amor de Cristeta

                                                                                                           
Veio do Sul, de uma aldeia piscatória, carregando consigo, como única bagagem, o estranho nome. De pés descalços, aos tropeções, mudando de companhia e sujeitando-se aos abusos dos mais fortes, chegou a Lisboa no início do Verão.

Conduziram-na ao cais da Ribeira e o mestre de uma fragata, ao vê-la, arregalou o olho e interrogou-a:

-Procuras trabalho?  Volta amanhã, pode ser que..

Voltou no dia seguinte. Alertada por uma velha varina, soube que a poriam a descarregar o peixe e que quando passasse na prancha que ligava a fragata ao cais, um pescador iria apalpá-la .Agradeceu e pediu-lhe emprestado um enorme chicharro. Mal ele lhe tentou levantar a saia, ela foi à algibeira, agarrou no peixe e deu-lhe com ele, em cheio, na cara.

No cais, Rodrigues, comerciante abastado da praça da capital, proprietário de diversos negócios, que acabara de chegar e vira a cena, fez sinal ao mestre, apontando-a e virando o indicador para si próprio.
Para bom entendedor meia palavra bastava.

-Como se chama a menina?- perguntou, já com todo o respeito, o mestre.

-Cristeta.

-E a menina quer então trabalhar? Pode começar agora, se o senhor Rodrigues assim quiser. Ele é o patrão.

Cristeta virou-se e viu Rodrigues. Agradou-lhe à primeira vista. Era um homem alto, de cabelos brancos, transbordando simpatia. Trajava casaca, em que sobressaia uma corrente de ouro que mergulhava no pequeno bolso esquerdo do colete. Apoiava-se numa bengala, adereço caro, a avaliar pelo cabo de marfim e pelos amarelos que o fixavam à ponteira.

Será meu, pensou Cristeta. Os olhos com que ele a olhou deram-lhe a certeza que ela lhe tinha agradado sobremaneira.

-Tem onde ficar?

-Não…

-Então vai lá para casa.

-Em que condição?

-Na que a Cristeta quiser.

E Cristeta foi e não tardou a apaixonar-se pelo Rodrigues. Quanto a ele, o amor nasceu assim que a viu.

-Cristeta, minha pequena sardinha… -  derretia-se Rodrigues.

-Rodrigues , meu adorado carapau…

A diferença de idades fez mossa. Cristeta estava sempre pronta para o amor e Rodrigues só em dia de festa. Mas ela amava o seu velho companheiro e todas as semanas, sem falta, organizava uma festa.
Quando Rodrigues chegava e lhe perguntava a razão de ser do evento, ela respondia:

-É dia de S. carapau!

E Rodrigues, com todas as forças e empenho de que era capaz, amava a sua adorada sardinha. Um dia, morreu em pleno esforço.

Cristeta passou a ser senhora dona e como senhora dona se comportou. Cumprido o luto, era raro o dia em que as empregadas não a ouviam murmurar:

-Que saudades do dia de S. carapau…

Jorge C. Chora