OS CIGARROS D’OUTRORA OU O FUMAR DOCE DOS HAVANAS. MEMÓRIAS
DE HÁ 60 ANOS
Os meus pais nunca fumaram. Eu fumei por eles, por mim e por
todos os familiares que nunca tocaram num cigarro. Felizmente, abandonei o fumo
há já alguns anos.
Eu e o meu irmão éramos bem novos quando começámos. Se
alguma desculpa se pode inventar para justificar ter iniciado este vício, bem
podia dizer e até nome lhe posso dar: Havana.
Havana, não sei se ainda existe e se existe se tem as mesmas
características de há seis décadas. Os cigarros Havana eram finos e de cor
preta, e o papel era doce. Acresce ainda que eram baratos, talvez os mais
acessíveis no mercado. Para quem não os conheceu, uma espécie de “Três Vintes”
ou “Definitivos” do mercado português da época, mas infinitamente mais doces e
saborosos do que eles.
Lembro-me bem quando, num trajecto para casa, vindos de uma
praia que não era a nossa, fomos convidados a entrar no carro pelo meu pai.
Cheirávamos a tabaco que tresandávamos. Não conseguimos evitar entrar, pese
embora as desculpas esfarrapadas inventadas. As consequências não tardaram a
surgir, logo que chegámos a casa.
-Ai querem ter vícios de homens? Então acabaram-se os mimos que damos aos
meninos…
De imediato não percebemos o alcance. Ao jantar, quando
esperávamos os pãezinhos com “jam” preparados pela mãe, como aperitivo, o pai
trovejou:
-Eles fumam. São homens! Não querem esses mimos.
Ao lanche, ao esperarmos os “scones” barrados de manteiga:
-Eles fumam! Eles que façam!
Ao deitar, quando esperávamos a marmelada e o leite com
chocolate, vinha o responso:
-São homens! Isso são mimos de meninos!
Doía e de que maneira, mas às escondidas, o fumar doce dos
Havanas, tinha um poder de sedução tal, que nem a ameaça do fim dos mimos
colocou um fim ao início do vício, que perduraria 44 anos.
E os Havanas eram tão, mas tão doces…
Jorge C. Chora
29/7/2020