quarta-feira, 29 de julho de 2020

OS CIGARROS D'OUTRORA OU O FUMAR DOCE DOS HAVANAS. MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS.


OS CIGARROS D’OUTRORA OU O FUMAR DOCE DOS HAVANAS. MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS

Os meus pais nunca fumaram. Eu fumei por eles, por mim e por todos os familiares que nunca tocaram num cigarro. Felizmente, abandonei o fumo há já alguns anos.

Eu e o meu irmão éramos bem novos quando começámos. Se alguma desculpa se pode inventar para justificar ter iniciado este vício, bem podia dizer e até nome lhe posso dar: Havana.

Havana, não sei se ainda existe e se existe se tem as mesmas características de há seis décadas. Os cigarros Havana eram finos e de cor preta, e o papel era doce. Acresce ainda que eram baratos, talvez os mais acessíveis no mercado. Para quem não os conheceu, uma espécie de “Três Vintes” ou “Definitivos” do mercado português da época, mas infinitamente mais doces e saborosos do que eles.

Lembro-me bem quando, num trajecto para casa, vindos de uma praia que não era a nossa, fomos convidados a entrar no carro pelo meu pai. Cheirávamos a tabaco que tresandávamos. Não conseguimos evitar entrar, pese embora as desculpas esfarrapadas inventadas. As consequências não tardaram a surgir, logo que chegámos a casa.

-Ai querem ter vícios de homens?  Então acabaram-se os mimos que damos aos meninos…

De imediato não percebemos o alcance. Ao jantar, quando esperávamos os pãezinhos com “jam” preparados pela mãe, como aperitivo, o pai trovejou:

-Eles fumam. São homens! Não querem esses mimos.

Ao lanche, ao esperarmos os “scones” barrados de manteiga:

-Eles fumam! Eles que façam!

Ao deitar, quando esperávamos a marmelada e o leite com chocolate, vinha o responso:

-São homens! Isso são mimos de meninos!

Doía e de que maneira, mas às escondidas, o fumar doce dos Havanas, tinha um poder de sedução tal, que nem a ameaça do fim dos mimos colocou um fim ao início do vício, que perduraria 44 anos.

E os Havanas eram tão, mas tão doces…

Jorge C. Chora
29/7/2020

domingo, 26 de julho de 2020

AS MESURAS DO PERIQUITO CONTI




Fui hoje cumprimentado por um periquito chamado Conti. Cumprimentado não é força de expressão. O periquito obedeceu ao Filipe, seu dono, que lhe deu a ordem:
-Vai cumprimentar o senhor.
E  Conti, um jovem periquito, alimentado a papa através de uma seringa, obedeceu de imediato. Sobrevoou-me e pousou na minha ampla careca como se de uma pista de aviação se tratasse. Executou uns passinhos à laia de boas-vindas e retornou ao Filipe com a satisfação do dever cumprido.
Conti, não está preso, voa na esplanada e beija os clientes com carinho. Deixa-se agarrar e acariciar e recebe os clientes do café Dumont, de modo afectivo. Pousa o nosso herói, nos ombros ou nas cabeças, para as fotografias, sem queixas nem má vontade.
O café existe, em frente ao “Continente” na localidade da Paz, a caminho da Ericeira. Se quiser beijos alados, já sabe: Conti espera-o.

Jorge C. Chora
26/7/2020

A CARRIÇA,DE RAFEIRA A PRINCESA. MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS.


                   

Quando eramos miúdos, eu e o meu irmão vivíamos na Beira, cidade onde nascemos. Morávamos no Macúti, perto do Estoril e de uma praia fabulosa a que chamávamos “nossa”.
Um castigo a que sujeitávamos os nossos pais, era o de terem e sustentarem uma infinidade de bichos que só podiam morrer de velhos. O “Perú Velho” que por lá tínhamos, era um acrobata que, a cada passo, tinha de transpor o seu enorme espigão, que lhe crescia na pata à medida que o tempo passava. Galos caducos, porquinhos-da-índia bisavós, quase do tamanho de coelhos, um pouco de tudo lá medrava.
Também tínhamos uma grande cadela, arraçada de perdigueira e leão-da-rodésia, o retrato da meiguice e da doçura, que passava o tempo em aflições. Chamava-se Lady e não ficava a dever nada às de duas pernas. Passava o tempo no mar, a ir buscar-nos e a trazer-nos para a terra. Em seu entender, estávamos sempre tão longe da rebentação que só podíamos necessitar de ajuda. Oferecia-nos a cauda e nós aproveitávamos a boleia para regressar à praia. Era uma nadadora-salvadora de alto lá com ela. De tanto andar no mar, tinha abortos sucessivos que só tiveram fim, quando mudámos para a capital.
Um belo dia, um primo vindo da longínqua Iha de Moçambique, que adorava bicharada, domesticava corvos e conversava com chibos barbudos de cornos afiados, convenceu-nos a comparticipar na compra de um cão, uma boxer, mais precisamente.
- É ao preço da chuva. Tem o focinho preto. É uma boxer!
Contados os centavos, lá juntámos os 15 escudos, que era quanto o dono pedia pela bicharoca.
Boxer? Nem na outra encarnação! Era uma cadelita rafeira a que o primo, que via unicórnios, chamou Carriça. Tornou-se linda. Ao contrário da Lady, brindava-nos com ninhadas de lindos rafeiros. Mimoseava a Lady com valentes sovas e esta deixava-se morder porque queria alimentar-lhe os filhos, já que os seus tinham morrido e ela estava cheia de leite para dar.
Ganhou o hábito de ir à praia com a Lady. Adorava saracotear-se entre os rodesianos, receber afagos e elogios à sua beleza, farejar os seus cremes perfumados, receber guloseimas que lhe faziam mal, mas sabiam bem. Um belo dia desapareceu. Foi vista a entrar num carro com a matrícula da Rodésia. Foi roubada. Também a malta do bairro pouco se importaria de o ser, se fosse pelas belas e torneadas rodesianas.
E foi assim que ficámos sem uma “boxer”, que afinal foi uma bela princesa rafeira, pronta a sucumbir aos encantos e novidades estrangeiras.

Jorge C. Chora
26/7/2020

quarta-feira, 22 de julho de 2020

É URGENTE REVER-TE




Se um dia tiver de me ausentar,
com a minha amada quero estar
e ela não deve estranhar,
termo-nos estado há pouco a beijar
e eu querer de novo tornar a vê-la,
quando no dia seguinte vou regressar!
Se ela acaso se queixar,
dir-lhe-ei que comigo quero levar
o sabor dos seus beijos e o seu olhar,
porque entre hoje e amanhã,
são inúmeras as horas que sem ela estarei!
E mais não a deixarei dizer,
porque com beijos a calarei,
e são inúmeras as horas que sem ela estarei.

        Jorge C. Chora
          22/7/2020

domingo, 19 de julho de 2020

DEUS QUEIRA



Selam teus lábios beijos,
inundando-me de desejos
e da necessidade constante
e urgente de os ter e sentir.
Ouve as minhas preces Senhor!
satisfaz-me a sede e o desejo,
os anseios dos meus lábios
serem selados pelos seus beijos
de forma constante e permanente.
Rogo-te, diz-lhe que não é pecado
passar o dia a beijar loucamente
e prometo-Te rezar todos os dias
um Pai Nosso e uma Avé Maria
se para isso me sobrar tempo.

Jorge C. Chora

         19/7/2020

quarta-feira, 15 de julho de 2020

Ó MULHER BENDITA


Sem uma palavra dita,
sentes e entendes,
mulher bendita,
o quão querida és,
aos olhos de quem te vê sempre bonita.
Ainda que bonita não sejas,
aos olhos de quem palavras não tem
para te dizer o quanto te quer,
serás sempre bendita.

Jorge C. Chora

 15/7/2020

domingo, 12 de julho de 2020

CHOCOLATE


Tu és chocolate,       
mas dele diferes,
por bem mais doce seres.
No calor do teu abraço
na ternura do teu ser,
dás-me algo de ti,
o afago de quem me conhece,
muito para além
do simples parecer
e do chocolate só diferes,
por bem mais doce seres.

Jorge C. Chora
12/7/2020

sexta-feira, 10 de julho de 2020

OS PRATOS INVISÍVEIS


Ao sair, olhou uma última vez, de relance, para as suas taças, na sala de troféus. Ainda havia lugar para mais algumas. Assinalou, visualmente, o sítio onde à tardinha colocaria a que ia ganhar no torneio desse dia. Não colocou sequer a hipótese de não trazer nenhuma.

Encontrou-se com os compinchas de longa data, companheiros de estúrdia e de competição.
Almoçaram, depois dos respectivos aperitivos e provas de vinhos alentejanos. Comeram bem e beberam melhor, seguindo-se as aguardentes de boas proveniências.

Chegado a hora do torneio, o nosso campeão, ordenou ao homem a cujo cargo estava o lançamento dos pratos:

-Prato!

O atirador ficou à espera que o prato fosse lançado. Esperou e nada. Tornou a ordenar com voz de trovão:

-Prato!

Nada aconteceu. O prato não surgiu e o campeão não atirou. Furioso, ordenou o lançamento mais duas vezes consecutivas:

-Prato!

Não se conteve e berrou:

-Ó homem! Então os pratos? Isso é para hoje ou para amanhã?

E o senhor dos pratos, a medo, gritou:

-Já lancei quatro! Porque não disparou?

E o campeão amador disparou:

-Porque não vi ainda nenhum!

E os compinchas, que em vez de um, já viam dois pratos, confortaram-no:

-Olha, ao menos poupaste uns cartuchos!

Jorge C. Chora
10/7/2020

terça-feira, 7 de julho de 2020

O CORNETEIRO DE QUARTEIRA


Há já muitas luas, tinha o hábito de passar as férias de verão em Quarteira. Vou fala-vos de um tempo onde as gozei no parque de campismo, após as ter tido também em casa de uns grandes amigos nossos, quer em Loulé quer em Quarteira.

O parque rebentava pelas costuras. Eram inúmeros os estrangeiros que o frequentavam, principalmente jovens adultos. O tempo não era de falsos pudores. No redondel ao ar livre, muitos casais tomavam banho como tinham vindo ao mundo e ninguém abria a boca de espanto, embora alguns dos exemplares fossem de truz. Na praia do campismo a moda de Adão e Eva estava em voga.

O convívio com os nacionais e estrangeiros estabelecia-se de um modo instintivo, natural. Pela tardinha, regressados da praia, tomados os banhos e enquanto se preparava a refeição, partilhava-se uma bebida com os vizinhos, muitas vezes casais estrangeiros.

À noite conversava-se ao ar livre, até certa hora, sem incomodar.

Havia também, naquela época, um corneteiro que tocava a alvorada, todas as manhãs, sem falta. Nunca o conheci. O que é certo é que as boas-vindas ao nascer de um novo dia eram dadas com vigor e alegria. Ninguém se queixava daquela forma de acolher o nascer- do -sol ou, levava a mal aquela forma particular de comemorar o despontar do dia.

No sítio onde montava o nosso atrelado tenda, residia um inglês, dono de um barco de pesca de alto mar. Partia todos os dias, com turistas e regressava com enormes peixes azuis que amanhava à machadada. Algumas vezes eram preparados em cima do capôt do velho e ruidoso Ford 17 M, que expelia mais fumo do que uma chaminé a carvão e que só pegava de empurrão. O velho inglês era um ouvinte compulsivo de ópera em altos berros e um apreciador notável de brandis, nomeadamente do “1920”. Recebíamos a sua visita quase todos os dias e só partia quando o combustível se esgotava. Não me recordo do seu nome mas era um patusco que se recusava a viver nas casa que tinha na cidade. Era ali, no parque que adorava viver, tal como muitos outros que lá estavam, por gosto e convívio, acordados pelo corneteiro, que eu nunca conheci.

Outros tempos. Era a década de oitenta, fins da de setenta.

Jorge C. Chora
   7/7/2020

domingo, 5 de julho de 2020

MEMÓRIAS DE HÁ 60 ANOS OU O TEMPO DAS GRANDES FORMIGAS


Já lá vai o tempo de juventude e das idas matinais à” minha” praia, na cidade da Beira, no Macúti -Estoril. Bastava-me saltar o muro da minha casa, atravessar o quintal do vizinho e entrar na praia.

Depois de lautos pequenos almoços obrigatórios, alguns dos quais  verdadeiros suplícios, nomeadamente os que incluíam, após o “porridge”, gigantescas toranjas e copos de sumo, ainda tínhamos o desplante e o vício das coisas doces. Passávamos, eu e o meu irmão, pela despensa e levávamos, cada um, uma lata de leite condensado. Ela era furada em dois sítios e pelos orifícios íamos bebendo o leite.

Hoje, só de me lembrar de tal facto, o enjoo toma conta de mim. Na época, com mais olhos do que barriga, ainda conseguia, com a gula, beber quase um terço do conteúdo daquele autêntico melaço! Acho que nunca consegui chegar à praia com a lata de leite. Num terreno lateral vago, arremessava-a, ainda quase cheia.

Naquele terreno para onde arremessava o leite, abundavam formigas e que grandes elas eram! Pudera! Alimentadas a leite condensado!

Belos tempos esses onde a até as formigas eram alimentadas a leite condensado! e chegávamos à praia enjoados que nem pescadas e isso passava num ápice, com os mergulhos e cabriolices a que nos entregávamos.

As férias grandes eram do tipo “Duracel” e quanto mais duravam, mas queríamos que durassem, à torreira do sol, tostando os miolos, bebendo leite condensado e apurando o ouvido para escutar a sineta do vendedor dos gelados “Esquimó”.

Jorge C. Chora
5/7/2020

quinta-feira, 2 de julho de 2020

FILHOS DE QUEM DEUS SABE


   
Quando vejo a minha mulher sorrir enquanto investiga, fico de atalaia. Não descanso enquanto não me conta o que descobriu. Para se livrar de mim e continuar a trabalhar, apressa-se a contar.
Desta vez a história diz respeito a uma forma eufemística de nomear pais incógnitos. Nos registos de baptismo de Beringel, Beja, do séc. XVII e XVIII, localidade onde existiam, por sinal, inúmeros escravos, havia uma forma curiosa de nomear os pais desconhecidos. Esse modo era extensivo aos registos de baptismo dos escravos ou não escravos e consistia em dizer por exemplo, o nome da mãe e em relação ao pai, em vez de se dizer incógnito, diziam: e filho de quem Deus sabe.
O mais curioso é que foi a primeira vez que durante as suas investigações, a minha mulher encontrou este modo específico de designar os progenitores incógnitos.
Em conclusão, quando se aborrecer seriamente com alguém, em substituição do feio palavrão que eventualmente ele ou ela mereçam, diga: filho ou filha de quem Deus sabe…

Jorge C. Chora
2/7/2020

quarta-feira, 1 de julho de 2020

ASSIM SEJA!


Há palavras que o vento leva,
mas outras,
transporta-as e entrega-as
com agrado e certeza.
Oxalá as de amor,
bem endossadas sejam
e se não percam;
e as outras,
as imprestáveis,
leve-as o demo,
nunca se entreguem
e para sempre se percam!

JORGE C. CHORA

    1/7/2020