Há cinquenta anos, Tomé era um adolescente. Como todos os
jovens, queria ter um dinheirinho de bolso para as suas pequenas despesas. Em
férias, foi trabalhar como marçano para uma mercearia na Falagueira.
Numa cesta com a pega ao meio, levava a casa dos clientes o
que eles tinham comprado. Subia e descia escadas, tantas quantas fossem
necessárias. Às vezes, bem carregado, tinha de voltar à loja, quando as donas
de casa recusavam este ou aquele produto e voltava a entregá-los nas
residências, após a respectiva troca.
Pelas entregas era recompensado, embora nem sempre, com uma
moedinha que entregava religiosamente ao seu patrão, que lhe dizia:
-Quando te fores embora dou-ta…
Arrumar as prateleiras, varrer o chão e outras tarefas
semelhantes, faziam parte das suas obrigações, quando não estava a entregar os
cestos.
O patrão era desconfiado e controlador. Todos os dias, à
saída, tinha de descalçar os chanatos e mostrar os pés e os sapatos. A revista
não se ficava por ali. Tinha de baixar as calças não fosse dar-se o caso de
transportar algo, ou aproveitar para trazer um pepino nas cuecas. Tomé não sabe
se algum marçano lhe dera motivos para ser assim.
Ali nada se perdia e havia truques usados pelo patrão para
engrossar o seu próprio pecúlio. Quando cortava o bacalhau havia sempre umas lascas
que chutava para debaixo do balcão. O bacalhau já tinha sido pesado, juntamente
com uma grossa folha que o havia de embrulhar. Os restos acumulados, eram
vendidos aos pobres.
Tomé observava e via que nada, mas nada se perdia. A fruta
tocada ou recusada pelos clientes, era guardada num cabaz e dada a um criador
de gado, que em troca lhe dava o leite matinal, onde a nata e a frescura não
faltavam.
De tantas vezes ter de baixar as calças e mostrar os
pedúnculos, Tomé vingou-se num pequeno cacho de bananas, que o dono pendurava
fora da loja: comeu-o à socapa. Desde esse dia, para evitar os roubos de um
desnaturado que lhe tinha pifado as bananas, nunca mais nenhum cacho foi
pendurado no exterior do estabelecimento.
No dia em que se foi embora, o patrão deu-lhe o dinheirinho
que ele recebera das donas a quem ele transportava os cestos.
Era assim naqueles tempos e Tomé recorda-os, hoje, com
saudade.
Jorge C. Chora
Amadora
27/8/2018