Numa localidade da Beira Baixa, há mais de sessenta anos, num
barracão de quintal, apresentavam-se peças de teatro amador. Os artistas eram
habitantes locais, com jeito e amor à ”coisa”.
Num desses espectáculos, existia uma cena em que se deveriam
queimar umas folhas de papel e o personagem diria, de modo enfático:
-Cheira-me aqui a papel queimado!
Por esquecimento ou sabe-se lá porque outro motivo, ninguém
deitou fogo ao que devia e o artista em cena, não esteve com meias medidas e
berrou:
-Cheira-me aqui a papel rasgado!
Encolhido a um canto, o encenador, lívido, invocava Thalia,
a musa da comédia, e pedia mentalmente respeito pelos papéis que cada um
deveria desempenhar e murmurava, tristonho:
-Cheira mesmo a papel rasgado…
A plateia, uns de pé e outros sentados em bancos levados de
casa, de narinas bem abertas, cheirando o ar do barracão, em busca do cheiro a
papel rasgado, bateu palmas à ousadia e criatividade do actor.
Pois é, aquilo eram tempos onde
imperava a imaginação, em que até se botava cheiro ao papel rasgado, se
desculpavam e apreciavam os devotos de Thalia.
Jorge C. Chora
25/9/2018