sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

O MEU FATO

Do amor recebido,

sinto-me vestido!

Num tecido forrado,

em cetim e veludo,

com ternura bordado

e em mimos tecido.

 

JORGE C. CHORA

     30/12/22


terça-feira, 27 de dezembro de 2022

PESCAR À GARFADA


Qualquer um se julga apto a pescar a garfo, no prato, uma boa posta de pescada, ou mesmo a caçar um naco de javali.

Não é disso que se trata, nem de fanfarronices abstrusas que versa a crónica.

O sr. João Brás, quando era jovem, morava na Carvoeira, próximo do rio Lizandro, mais propriamente, da foz do rio Lizandro.

Quando a maré estava baixa e a água do mar não invadia o rio, andava-se a pé no leito do rio, levantavam-se as pedras no seu leito e podiam encontrar-se enguias. Estas eram então pescadas com um simples garfo.

Em dias de maré cheia, o rio também se enchia de robalos, tainhas e outros peixes e esses, não podiam ser pescados à garfada,

mas com tarrafas, redes feitas pelo seu pai que entre os múltiplos ofícios a que se dedicava, se contavam o de fazer redes e de pescador.

E era assim que ainda se podia pescar, à garfada, na década de sessenta

e deliciarem-se com enguias bem frescas e saborosas.

Hoje não sei se isso ainda é possível, mas hei de averiguar, pois uma caldeirada de enguias nunca é de enjeitar, ainda por cima pescadas à garfada!

 

Jorge C. Chora

27/12/2022

 

domingo, 25 de dezembro de 2022

A FILOSOFIA CIRILO-PUTINESCA

Há quem acredite

e sacrifícios aceite,

como sendo graus

para ascender degraus

na escadaria celeste,

para alcançar o céu.

As malfeitorias seriam

um mal necessário,

e quiçá, contribuiriam

para a santificação:

bênçãos seriam

de celeste ascensão,

e o olimpo garantiriam!

Ah! Um simples pormenor,

se assim é, serão os russos,

sob a batuta e a soldo de Putin,

a garantia de subida ao céu

dos ucranianos assassinados?

Cirilo benzerá como mártires

os que já morreram e também

os que morrerão neste Natal?

 

     Jorge C. Chora

      25/12/2022 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2022

O ESTACIONAMENTO

Lugar para parquear era algo inexistente no local. O idoso circulou quase meia hora no sítio, mas sem qualquer sucesso.

De repente, surgiu uma vaga. O idoso estava impedido de a apanhar de imediato, porque havia um sinal de proibido e foi obrigado a tornear todo o parque.

Quando estava a cerca de 20 metros, apareceu uma viatura em sentido contrário e num ápice ficou com o lugar. O usurpador saiu ufano da viatura, olhando de modo sobranceiro para o atónito condutor que ficara sem o sítio.

Ainda mal se afastara da viatura, quando um polícia lhe solicitou os documentos.

A contragosto mostrou-os, não sem que perguntasse:

- Documentos para quê se estou apeado e não fiz nada?

O jovem agente, percebeu que estava perante um sabichão, pois tinha-o visto entrar em sentido proibido e a abotoar-se com o lugar.

-O senhor sabe a manobra que fez ou já se esqueceu?

- Manobra? que manobra?

-O Jovem sorriu e perguntou-lhe:

-Quer que eu pergunte àquele condutor, a quem tirou o lugar, o sinal de trânsito que não respeitou?

- Olhe senhor agente, não vi sinal nenhum… -desculpou-se o espertalhão.

-Então os seus documentos não estão atualizados e isso dá direito a…

O esperto não o deixou acabar a frase:

-Estão sim senhor. Eu moro mesmo aqui em frente…

-Bom, então sabia que existia o sinal. Vou ter de lhe passar uma multa e olhe que é bem pesada…

A conversa mudou imediatamente de rumo.

-Bem… não há outra maneira de resolver o assunto…- arriscou o prevaricador.

-Mau, agora está a tentar fazer o quê… isto vai de mal a pior…

-Peço-lhe desculpa… e se eu tirar o carro?

-A falta já foi cometida, mas pelo menos mostra arrependimento e vontade de emendar o erro…

E o esperto tirou o carro e com tanta sorte que bem perto viu um livre. Quando ia parquear, apareceu outro carro, em sentido proibido, que o ocupou. Desta vez não havia polícia à vista.

Não sei se ainda hoje anda à procura de estacionamento no local!

Claro que tudo isto só aconteceu na cabeça do idoso, que ficou pura e simplesmente sem o lugar e que sonhava que o caso se deveria ter passado assim!

Jorge C. Chora

23/12/2022

segunda-feira, 19 de dezembro de 2022

O EXECRÁVEL AMOROSO

Eram poucos os que não o consideravam um ser execrável. A sua forma de andar era, no mínimo, de um exibicionismo bacoco. Cada passo seu, assemelhava-se a um estranho passo de dança, a uma espécie de salto de onda mal surfada, a um espetáculo a solicitar palmas.

A sua fala arrastada, pedante e muito afetada, desagradava até às mais irritantes desocupadas da classe alta.

Um belo dia, quatro das suas fiéis inimigas, viram uma mulher, mal trajada e bastante suja, a querer beijar-lhe a mão e ele a retirá-la, de um modo delicado e afável.

O mal-estar do cavalheiro era notório.

-Olhem só o estupor… coitada da mulher… afastada como uma leprosa…- comentaram as mulheres.

Não quiseram perder a oportunidade de se aproximarem da andrajosa para colherem mais umas achas para a fogueira.

-Então a senhora foi escorraçada pelo homem? É um mal-educado…tem a mania que é mais do que os outros…

-Não digam isso minhas senhoras! A minha neta deve-lhe a vida, se ele não tivesse pagado a operação…

-Ele é um vaidoso, já viu como ele anda e fala…

-Ó minhas senhoras, eu conheço-o desde bebé… ele nasceu com uma perna mais curta e disfarça…

-E a fala… já viu…

-Por amor de Deus… em criança ele viu o pai morrer atropelado e ficou gago… é uma forma de ninguém notar… Ele só não ajuda quem precisa, se não puder… faz das tripas coração…

E as desocupadas, mal isto ouviram, gritaram, furiosas em uníssono:

- A mulher é louca! Só nos faltava agora apresentar-nos o Execrável como um ser amoroso!

Jorge C. Chora

   19/12/22

sexta-feira, 16 de dezembro de 2022

VIVER

 

Se a tua chama esmorecer,

não aquecer como aquecia,

nem alumiar como alumiava,

algo contigo está a acontecer:

consumes-te com ninharias!

Respira e reativa a tua chama,

exige a tua quota de oxigénio,

aquece-te a ti e aos outros,

retoma o teu viver e a alegria,

dá-te o prazer de voltares a ser!

          Jorge C. Chora

           16/12/2022

quarta-feira, 14 de dezembro de 2022

UMA INAUGURAÇÃO MEMORÁVEL

Com pompa e circunstância, foi inaugurada na terra uma piscina e os seus modernos apoios.

Nesse dia as entradas eram gratuitas para todos os habitantes, independentemente da idade, após os longos e enfadonhos discursos do presidente, vice-presidente, e de uma séria infindável de autarcas, agravado pelo facto de nenhum ter o discurso escrito.

Terminadas as ladainhas laudatórias, foi uma correria para os balneários.

D. Ermelinda, uma nonagenária cheia de vitalidade, foi atrás dos ansiosos banhistas, embora mais lentamente, porque as pernas já não eram tão jovens como ela desejava.

Quando por fim entrou no balneário, ouviu um coro de protestos:

- Isto é o balneário dos homens, minha senhora!

D. Ermelinda, abriu bem os olhos, deu uma gargalhada e exclamou:

- Abençoado engano. Assim recordo-me como vocês são… - e deu meia-volta e foi à procura do balneário das senhoras.

No diário que mantinha, escreveu: Não me importava que todos os dias fossem como o de hoje.

 

Jorge C. Chora

14/12/2022

segunda-feira, 12 de dezembro de 2022

QUESTÕES DA CÚTIS

 Os sapatos bicudos e extremamente longos, impediam a normal circulação no corredor, por quase ocuparem a totalidade do espaço. Caso alguém quisesse passar, era preciso que o homem que os calçava, encolhesse as pernas ou as descruzasse para que as pontas dos sapatos desimpedissem o caminho.

O seu proprietário, o dos sapatos é claro, nada tinha que o distinguisse de outro homem qualquer, exceto a sua fealdade, o calçado invulgar, ainda realçado pelo seu trajo apertado e o nariz adunco. Apesar disso, outra marca o distinguia: a sua vaidade.

Dizia à boca cheia, que as amigas o achavam parecido com um conhecido artista, por sinal muito bem-apessoado e de talento mundialmente reconhecido: um tal Tony Cútis!

Os amigos olharam-no de soslaio, pois já tinham ouvido falar em alguém de nome semelhante, mas franziram o nariz porque algo lhes soava um pouco a falso.

O homem dos sapatos bicudos, acabara de criar uma personagem, e passava incólume pela fotografia que fazia de si próprio ou melhor, que dizia que as amigas faziam de si próprio: Ele era o Tony Cútis, talvez o irmão gémeo, não identificado, do artista Tony Curtis.

Coisas da vida!

Por outro lado, o caso da cútis presta-se a outras interpretações, como a de um velho marinheiro, de pele curtida pelo sol e linguagem vernácula, um macho sem medo de ondas e tempestades, perante quem o Adamastor pensaria duas ou três vezes antes de o querer assustar.

Tendo-lhe surgido um incómodo e doloroso furúnculo numa nádega, resolveu, muito a custo ir ao médico, ainda que tivesse sempre pensado, que” homem que é homem dispensa idas ao doutor”.

Vestiu-se de modo cerimonioso para a rara visita ao dito cujo. Quando o médico lhe perguntou ao que vinha, o velho marinheiro esmerou-se: à medida que baixava as calças foi dizendo:

- Senhor doutor, apareceu-me isto na cútis – e foi apontando o enorme furúnculo na nádega direita.

O Físico não se conteve e deu uma enorme gargalhada. O velho marinheiro ainda pensou esborrachar-lhe a tola com uma punhada quando o homem se dignou explicar-lhe:

-Ó senhor, a cútis não é a pele do rabo, mas da cara. Melhor ainda, a pele delicada da face de uma dama…

O bom e honrado marinheiro ficou entupido. Ele que se esmerara para falar caro com o doutor, afinal cometera uma bacorada das antigas e ainda era gozado…

 

Jorge C. Chora

12/12/2022

domingo, 11 de dezembro de 2022

O MARTÍRIO

 

Rubro está o céu ucraniano,

tal como o solo, empapados

de sangue totalmente inocente,

das maternidades bombardeadas,

do assassínio de famílias

que repousavam nos seus lares,

de alunos das escolas destruídas,

do espichar de sangue das torturas

sanguinolentas dos esbirros

apaniguados de Putin,

assim como dos fuzilamentos.

Ainda não apaziguada

a sede de carnificina,

condenam a morrer de fome

e frio, milhões no inverno

ucraniano, a exemplo do

que os russos já fizeram

em 1923, privando-os, desta vez,

de abrigo, aquecimento,

água e alimento, enquanto

continuam a desmembrar,

à bomba, civis um pouco

por todo o lado, semeado

o terror, como terroristas,

 já pelo mundo identificados!

Isto tudo na época de Natal,

com a bênção do primaz

ortodoxo da Rússia!

Jorge C. Chora

11/12/2022

sexta-feira, 9 de dezembro de 2022

PÉ-DE-MEIA

 

Quem não quer um pé-de-meia?

embora todos tenham meias e até

não lhes falte, pelo menos um pé.

só falta mesmo, sabem o que é?

alguns cêntimos ou meia dúzia

de notas de cinco, embrulhada

numa, pelo menos de mais-valia!

 

        Jorge C. Chora

           9/12/2022

quinta-feira, 8 de dezembro de 2022

A GATA

O rapaz passeava o gato à trela, todos os dias, à mesma hora, no mesmo jardim. No lado oposto, também mais minuto menos minuto, uma rapariga passeava o seu cão. Nunca se tinham aproximado um do outro pois é consabido que cão e gato não são os melhores amigos.

Um dia o cão soltou-se e correu na direção do gato. A dona, aflita, foi atrás dele. O gato logo que viu o cachorro a aproximar-se, colocou-se em pé e, espanto dos espantos, começou a ladrar em vez de miar.

Os animais roçaram-se um no outro, o cão lambeu o gato e este encostou-se de modo meigo ao cão que emitia latidos de agrado.

A dona, de cabelo à escovinha, jeans rotos nos joelhos, olhos verdes, numa vozinha de gata mimada, desculpou-se:

-Peço perdão, o meu cão não tem o hábito de se soltar assim…

Mal acabara de se desculpar quando o gato lhe saltou para o colo e se aninhou, ronronando de prazer.

Logo de seguida, o cachorro saltou para o colo do rapaz, escondeu o focinho na sua longa cabeleira, abanando o rabo de satisfação.

Aproximaram-se os donos, tentando que os seus respetivos animais retornassem a si.

Nem o gato deixou o colo da jovem nem o cão o do rapaz. Às tantas a rapariga tinha a cabeça tapada com a farta cabeleira do jovem e só se ouviam latidos e ronronares, numa mistura harmoniosa, proveniente da cortina capilar que os ocultava a ambos.

- Mas que coisa assombrosa, os moços até ronronam…daqui a uns meses já estão separados…- comentou uma jovem, que acabara de se zangar com o namorado 

JORGE C. CHORA

8/12/2022

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

ATENÇÃO!

Quem apanha sem merecer

e nada faz para se defender,

tudo lhe pode acontecer.

Arrisca-se a muito padecer,

a tornar sempre a suceder

e a acabar por desfalecer!

      Jorge C. Chora

         6/12/2022

segunda-feira, 5 de dezembro de 2022

A TROCA

O jogo terminou bem perto da hora do almoço. Estavam atrasados. Tinham de comer a correr, antes disso tomar banho e apanhar o metro, a tempo de chegarem a horas ao serviço.

Foi uma correria. Cada um calçou-se o mais rápido que podia, correram para o transporte e foram saindo nas respetivas estações.

Na hora de regresso, António, após calçar os sapatos achou algo de estranho. Olhou melhor e viu que os sapatos, embora ambos fossem pretos, eram diferentes um do outro.

- Mau, um é meu, mas o outro é do Fernando!

Apressou-se a telefonar ao Fernando e a pedir-lhe que trouxesse os mesmos sapatos calçados pois um era dele e trocavam.

Fernando ainda não tinha dado pela troca:

-Tens razão! está descansado.

Apanharam ambos o mesmo metro, sentaram-se lado a lado, e perante o olhar espantado dos outros passageiros, descalçaram-se e trocaram os sapatos.

Um jovem passageiro que observava a cena, pediu desculpa da intromissão e disse:

- Gosto dos vossos sapatos. Por acaso não querem trocar com os meus, que embora de marca, são novinhos em folha, e não têm o toque de uso de qualquer um dos vossos?

 

Jorge C. Chora

5/12/2022

domingo, 4 de dezembro de 2022

AMOR É CHOCOLATE

O amor é o chocolate

da existência, namoro

da vida, doçura bocal,

moleza do coração,

céu terreal, beijo divino

 de sabor sem igual,

 prolongado e delicioso,

aconchego da existência,

sem o qual não se vive

e unicamente se vegeta.    

 

      Jorge C. Chora

      4/12/2022


quinta-feira, 1 de dezembro de 2022

CERTOS PODEROSOS


Quem não ama nem é amado,

está sempre desconfiado:

mesmo abonado, é indesejado,

só é engraxado, porque temido.

Vive iludido e aldrabado,

tem inimigos por todo o lado,

é cercado e armadilhado,

até ser derrubado e no final, pisado,

e de pouco lhe serviu, ser temido e abonado!

 

 

            Jorge C. Chora

              1/12/2022

segunda-feira, 28 de novembro de 2022

VINHO MARTELADO

Bebi um copo de tinto,

arrepiei-me com o vinho

era uma zurrapa, não minto,

e na cabeça ainda sinto,

um triplo mal-estar distinto:

O sabor, o preço e pressinto

ter surgido, na testa, um espinho.

Vou ao espelho e verifico

o nascimento de um pico.

Se pedir outro tinto,

ainda me nasce outro pico

e dois espinhos na testa,

à custa de um copo de vinho,

Deus me livre de tal dislate,

e ainda ter de pagar por isso!

 

          Jorge C. Chora

            28/11/2022

domingo, 27 de novembro de 2022

O SEGREDO DE ANTÓNIO

Entrou no laboratório com cara de poucos amigos. O perfumista, que o conhecia de longa data, questionou-o:

-O que tens Bernardo? O que te aconteceu?

- Nem queiras saber… Nunca se tinha passado algo semelhante durante toda a minha vida!

Conta, conta que eu quero saber, e ajeitou-se ao balcão. Colocou a bandelete, passou a mão pela longa cabeleira pintada de louro, alisou as sobrancelhas aparadas e predispôs-se a ouvir.

- Hoje tudo me corre mal. Estava no banho quando vi que me faltava o sabonete. Pedi à minha mulher que me trouxesse um. Ela disse-me que os meus habituais se tinham esgotado e entregou-me uma loção de banho, até acho que feita por ti.

Mal entrei no metro, tenho a impressão de que me apalparam. Durante toda a viagem, não sei, mas iria jurar que me apertavam de propósito.

-E então, não foi agradável?

-Não, eram homens e não mulheres António!

António deu uma gargalhada:

-Bernardo, usaste a loção feita por mim e para mim! Como é que achas que eu tenho tantos namorados?

E foi só aí que Bernardo percebeu a razão do António ter de trabalhar sempre de pé!


  Jorge C. Chora

     27/11/2022

sexta-feira, 25 de novembro de 2022

O HOMEM CUJA MULHER DORMIA COM OUTRO

Numa farmácia a transbordar de clientela, um cliente enfarpelado e com um ar importante, é atendido no balcão por uma jovem e simpática farmacêutica.

O senhor ia buscar medicamentos para a sua esposa, nomeadamente para ela dormir melhor.

Feito o pedido, a jovem profissional, franziu a testa e disse ao cliente, que já conhecia de longa data, que sabia ser outro o medicamento usado e não aquele que o cliente estava a pedir:

-O senhor desculpe-me o que vou dizer, mas a verdade é que a sua esposa dormia com outro…

Os presentes na farmácia, arrebitaram as orelhas. O segredo interessava-lhes sobremaneira: um homem cuja mulher dormia com outro?

O senhor, pensou um bocado e respondeu:

- Não faço a mínima ideia se é com outro que ela dorme…talvez seja, mas desconheço em absoluto ou melhor, não me lembro se é com aquele ou outros ainda… Mas tanto faz é preciso que ela esteja bem servida.

O espanto crescia entre os ouvintes. Um marido que se preocupava de tal modo com o bem-estar da mulher, ao ponto de a deixar dormir com outros?

E no meio da multidão, ouve-se um desabafo:

-Quem me dera que o meu fosse assim!

 

Jorge C. Chora 

25/11/2022

quinta-feira, 24 de novembro de 2022

ENSINAR

 Bater não é ensinar,

apanhar não é aprender,

é só receber a raiva

de quem bate,

desencadear a fúria

de quem apanha!

Ensinar é dar e ter

prazer em aprender!


Jorge C. Chora

24/11/2022

quarta-feira, 23 de novembro de 2022

ANGÚSTIA


Hoje procurei-te,

a cidade percorri,

andei atrás de ti

as vielas corri,

e não te vi.

Aí de mim

passei o dia sem ti,

contigo na mente,

sem me saíres do pensamento

e nem sequer te vi

e continuo sem saber de ti!

 

Jorge C. Chora

23/11/2022

terça-feira, 22 de novembro de 2022

A LENGALENGA DA POUPANÇA

Se poupar é ganhar,

como explicar

os que têm e não poupam

e os que poupam e não têm?

Pois, só poupa quem tem

para investir e acompanhar

a sede, de quem tem a ganhar

à custa de quem pouco tem

e é obrigado a poupar,

a guardar para poder comprar,

metade do que ontem levava,

e isso se quiser jantar!

 

Jorge C. Chora

22/11/2022

 

quinta-feira, 17 de novembro de 2022

A MÃE


Com o desejado filho no ventre,

a mãe ostenta um sorriso

de confiança e vitória;

os seus passos são pesados

e seguros, a sua barriga

rotunda, é a casa, a fortaleza,

a defesa do seu rebento,

a carapaça de aço protetora

e a certeza de que nada de mau

lhe pode acontecer até nascer.

Pena tem ela de que

o seu ventre não possa

ser um abrigo, uma garantia

um porto seguro para a vida.

      Jorge C. Chora

      17/11/2022

domingo, 13 de novembro de 2022

O DINOSSÁURIO E A LANTERNA -HISTÓRIA INFANTIL


Era uma vez um dinossáurio chamado Comilão que comia de manhã, a meio da manhã, ao almoço, ao lanche, antes do jantar, ao jantar e à ceia!

 Já perceberam por que razão se chamava Comilão? Só comia verduras, mesmo muitas, como sabem.

À medida que foi envelhecendo, todos os dias tinha mais dificuldade em andar. Os seus filhos passavam uma parte do dia a colher as ervas para ele continuar a comer todas as refeições a que estava habituado.

O Comilão tanto, mas tanto comeu, que os seus dentes foram-se gastando e caindo. Só podia comer verduras muito tenras e demorava mais a mastigar.

Embora tivesse mais dificuldades em andar, todos os dias saía e adorava sair à noite, porque as ervas estavam mais húmidas e saborosas. Quando os olhos começaram a fraquejar, todos os dias aparecia com um galo na cabeça porque ia contra as árvores e fartava-se de tropeçar e cair.

Quando lhe disseram que não devia sair à noite, ficou magoado e respondeu:

-Era só o que me faltava! Gosto dos meus passeios noturnos. Fazem-me bem, distraem-me e não é por ter mais ou menos galos que vou ficar na caverna!

De nada valeu a preocupação dos filhos até que um entre os dez, teve uma ideia: e se o pai pudesse ver à noite como de dia?

Uma risota geral fez estremecer a caverna.

- Que ideia tão idiota- exclamaram os irmãos.

- A ideia é muito boa, mas… – disse o pai.

De repente, um raio caiu sobre a árvore em frente à caverna e incendiou--a. A noite ficou de dia.

Os filhos recolheram os ramos a arder e lembraram-se de ir alimentando o fogo com ramos que iam recolhendo.

À noite, o Comilão podia levar um dos paus e ver como se estivesse de dia.

Era uma lanterna do tempo dos dinossáurios.

Jorge C. Chora

12/11/2022 

LUÍSA E HELENA


Quando o amor

à porta bate,

e é recíproco,

Helena mergulha

no azul-mar

dos olhos de Luísa,

trocam olhares de desejo

e promessas d’amor.

Ambas anseiam

por carícias mútuas,

segredos partilhados,

entregas incondicionais

e ais de prazer sentidos

e não fingidos, refletidos

na alternância frenética

e gostosa, de azul-mar para verde

dos olhos de Luísa,

em cujas cores se derrete Helena,

a comprovar o amor das Marias.

 

      Jorge C. Chora

     13/11/2022 

sexta-feira, 11 de novembro de 2022

A GALINHA COXA


O cheirinho a frango assado proveniente da caixa onde o transportava, chegava-lhe ao cérebro.

De repente, uma força malévola nascida no estômago, levou-o a abrir a caixa, levar uma perna do frango à boca e devorá-la num ápice.

Depois de a comer é que caiu em si. E agora o que vou dizer lá em casa? Todos gostam de perna e como vou justificar este meu ato devorador?

Até casa foi pensando no que dizer, qual a peta que iria pregar, mais ou menos credível para não ouvir a reprimenda mais que certa.

Ao chegar, a mesa já estava posta e a travessa só esperava o frango para se dar início à refeição. A mãe abriu a caixa e foi dispondo os pedaços, artisticamente, em torno do puré. Ao dar por falta de uma das pernas, exclamou:

-Oh! Só há uma perna!

-Também estranhei, mas o senhor do restaurante disse-me que a galinha era coxa!

O irmão mais novo, sabendo da ratice do mano velho, aproveitou a ocasião para, sem ninguém ver, espetar e comer as moelas e fingir-se muito surpreendido:

- Para além de coxa, era deficiente porque não tem moelas!

O comilão da perna, quase deu uma gargalhada, mas conteve-se. Percebeu de imediato a estratégia do mais novo.

Os pais fingiram acreditar nas patranhas e comentaram:

- Bom, vamos comer o que o frango deficiente ainda nos pode oferecer!

 

Jorge C. Chora

11/11/2022

 

quinta-feira, 10 de novembro de 2022

UM PORTIGUÊS DESENRASCADO

 

Há alguns anos, um pescador contratado para substituir um colega na faina piscatória para as bandas do Alasca, teve de deslocar-se sem a companhia de nenhum colega.

O profissional em questão, não falava nem inglês, nem francês e em relação ao português, com alguma atenção por parte dos ouvintes, entendia-se o que queria.

Ao chegar a Anchorage, ia morto de fome. Entrou num restaurante e quando o empregado lhe perguntou o que queria, não esteve com meias medidas: abriu os braços e pôs-se a cacarejar:

-Cócórócó… e levantava os braços.

O empregado não teve dúvida nenhuma: trouxe-lhe um frango.

Já com a comida na sua frente, levantou o polegar e fez o gesto de querer beber. O empregado coçou a cabeça. Mas que bebida quereria o cliente?

Abriu as mãos e afastou os braços, como que a perguntar qual a espécie de bebida quereria. O português, de imediato, antes que lhe trouxessem água ou outra bebida esquisita, voltou a levar o polegar à boca e balanceou-se para a esquerda e para a direita.

-Wine? -questionou o empregado.

Esta palavra, não era a primeira vez que ouvia e sabia ser exatamente o que queria. Levantou os dois polegares e de imediato lhe trouxeram uma garrafa de vinho.

Para pagar, também não precisou de ser versado em línguas. Na palma da mão fingiu rabiscar e trouxeram-lhe a conta.

Não sei se a história é verdadeira ou um simples mito do desenrascanço nacional, mas não me custa nada a acreditar pois se algum de nós estivesse na Rússia atual (Livra!) e quisesse comer, não tenho qualquer dúvida que nos safaríamos assim!

 

Jorge C. Chora

10/11/2022

terça-feira, 8 de novembro de 2022

FALAR SEM PENSAR


Dia sim dia não, acontecia

Nelson discutir com Marina:

Eram como cão e gato,

gata, neste caso,

mal estavam um ao pé do outro.

Numa das discussões, Nelson,

sem pensar antes de falar, disse:

-Eu até gosto de ti…

Marina ruborizou-se e balbuciou:

- É curioso, que também eu…

Entreolharam-se, comprometidos,

com o revelar do segredo íntimo,

tantos anos recalcado e escondido.

Marina agarrou na mão de Nelson

e beijou-a, enquanto Nelson lhe

afagou amorosamente a cabeça.

Os colegas bateram palmas

enquanto desabafavam:

- Até que enfim…todos sabíamos que vocês

não passavam um sem o outro!

     Jorge C. Chora

      8/11/2022

domingo, 6 de novembro de 2022

A RAINHA DOS PRAZERES (MAIORES DE 21)

 

Entre as flores sem pudores,

há uma com muitos admiradores:

 É a rosa, bonita e cheirosa,

 quase toda a gente gosta

 e pode escolher as cores.

 Dão-se às namoradas e amantes,

abertas, semiabertas ou em botão.

Há quem adore comê-las e as ofereça,

 não se importando de em sua substituição,

oferecer o seu próprio botão de rosa,

aos gourmets que gostam e apreciam,

estes simples e requintados prazeres.

        JORGE C. CHORA

         6/11/2022

sábado, 5 de novembro de 2022

À ESPERA DOS PARDAIS

Deixei-a ir, logo

me arrependi:

ela já era minha,

mas eu não era dela,

pensava eu assim!

Soube que tinha partido

e ninguém dela sabia.

Foi quando uma amiga

me disse, que partira

muito desiludida,

porque amava quem achava

que ele já era dela,

e descobriu, não ser ela dele!

e o seu amor, meu Deus, era eu!

Passo agora a vida, no jardim,

 à espera de que os pardais me digam,

onde a posso encontrar!

 

        Jorge C. Chora

            5/11/2022

 

sexta-feira, 4 de novembro de 2022

 

AS BACORINHAS

O cantor avinhado,

a viola dedilhando,

chama às “amigas”

malcomportadas,

nas suas cantorias,

as suas Bacorinhas.

Seguem-se insultos

e gestos muito feios.

Reage o cantor avinhado

afirmando ser um elogio

chamar-lhes Bacorinhas.

E sob a forma de adivinhas

nos seus arrastados cantos:

Qual é a coisa qual é ela,

em que tudo se aproveita,

nada faz mal e nos delicia?

E no interior da taberna,

surge cantada a resposta,

ao jeito do cante:

- Só as belas bacorinhas!

 E as mui sábias “amigas”,

entram sorrindo, escolhendo

cada uma o seu barrão costumado!

     Jorge C. Chora

       4/10/2022

quinta-feira, 3 de novembro de 2022

O CONVENTO FOI DE FÉRIAS?

 

Ir a Mafra e não ver o convento,

é muito menos provável do que

ir a Roma e não ver o Papa.

Mas hoje fui a Mafra, passei ao lado

do palácio e não o consegui ver!

Ninguém me disse que ele fora de férias,

mudara de lugar, fora apanhar ar,

ou fechara para descanso e ir viajar!

Pura e simplesmente não o vi,

nem eu nem ninguém, pelo menos

quando passei pelo sítio onde ele

costuma estar e permanecer há séculos!

Estava tapado, não com cobertores,

mantas de papa ou panos de feira

da Malveira, já que todas as quintas

há de tudo na terra da Beatriz Costa.

Estava todo coberto de nevoeiro,

sem qualquer agasalho, queira Deus,

que não se constipe,

e deixe Mafra viúva do seu ex-libris!

       Jorge C. Chora

           3/10/2022

terça-feira, 1 de novembro de 2022

CARLOS E O BACALHAU

Há muitos anos existiu um restaurante na Amadora, na freguesia da Mina, que hoje ainda existe, mas tem outro nome e já teve inúmeros proprietários.

Na altura, o restaurante pertencia ao sr. José Mangas e o sr. Carlos era o empregado.

Num dia em que não havia muito movimento, à porta apareceu um casal de estrangeiros. Não falavam português e ainda hoje não sabem qual era a sua língua natal.

Mostraram-lhes o menu, mas foi o mesmo que nada.

Não lhes dava jeito nenhum que o casal não jantasse e os perdessem como clientes, nesse dia em que o movimento até estava a ser fraco.

O sr. Carlos foi buscar uma travessa, uma vela e uma panela vazia. Apontou ao casal um prato de bacalhau que estava na montra, enquanto acendia a vela por baixo da travessa. Por outro lado, mostrou-lhes a panela e a decisão do casal foi imediata: apontaram para a travessa de bacalhau com a vela por baixo.

- O sr. Carlos faz-lhes o sinal de ok e informou – bacalhau assado.

E o casal confirmou:

-“Baclau asado”.

Comeram, beberam e adoraram o pitéu.

No final, para mostrarem o seu agrado, gratificaram o empregado com uma gorjeta de trezentos escudos, que era o troco que iam receber.

Trezentos escudos, na época, era a renda de uma bela casa!

Ainda hoje o sr. Francisco suspira por outra igual, mas não tem sorte nenhuma!

Outros tempos!

 Jorge C. Chora

1/11/2022

domingo, 30 de outubro de 2022

TRISTEZA


 A tristeza é papel pardo,

impede o riso,

os raios de sol de entrarem,

ignora os braços estendidos

prontos a acolherem-te,

a existência plena.

Tapa-te o nariz

e nem te deixa cheirar,

a menino ou o menino que passa,

muito menos ver a beleza do outro

e do mundo que te ultrapassa

enquanto a tristeza não passa.

         Jorge C. Chora

        30/10/2022

DE GATAS NA MATA ( ÀS MENINAS(OS) COM JEITO PARA CANTAR NAS FESTAS POPULARES)

 


 DE GATAS NA MATA

Adoro andar

de gatas na mata

e então, de quatro

é que dá mais jeito.

Quando se anda

para a frente e para trás

a apanhar na lata,

com toda a malta

a mexer e a lá meter,

ora agora metes tu,

ora agora mete ele,

tudo o que lá cabe,

seja a casca da banana

o ananás, o cartão,

e todo o lixo que na mata

deitam para o chão

E à malta, só dá jeito

 andar de quatro,

 a apanhar de gatas!

 

Jorge  C. Chora

  30/10/2022

sábado, 29 de outubro de 2022

QUEM AMA

 

Quem ama dá tudo,

mesmo sem nada dar,

mas há quem tudo dê,

menos o amor que era de esperar.

E se quem ama tudo dá

e amor não tem para dar

de nada vale tudo o que dá!

 

Jorge C. Chora

29/10/2022

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

A CRIAÇÃO DIVINA


Inspirado nas laranjas algarvias

criou o Senhor os finos e lindos seios

de diversos tamanhos e feitios;

para guardar os figos e as alcagoitas,

destinados ao debicar dos(as) namorados(as),

criou os umbigos fundos e perfeitos;

Para desenhar nádegas belas e firmes,

bastou-Lhe olhar para as peras-rochas;

Quanto ao tesouro, o D. Rodrigo era perfeito,

e para o guardar, os trapinhos de Vila Moura,

deixando adivinhar sem mostrar,

o tamanhinho do doce cobiçar sem o provar;

Quanto ao tom de lagosta e camarão,

deixou-as escolher, e como elas não são parvas,

 optaram pelo paladar que queriam ter.

A Mulher é uma criação portuguesa e algarvia!

E como não há regra sem exceção,

Deus criou também a Nicole Kidman.

 

            Jorge C. Chora

               28/10/2022

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

A CADA PASSO

 

Ondula a cabeleira

 negra e encaracolada,

 e a cada passo dado

 fica no ar a pureza

do perfume da tília.

Toda ela relembra

a cerimónia do chá,

a delicadeza do pingo

escaldante, aquecendo

a flor e o desejo,

de a sorver inteira.

 

 Jorge C. Chora

27/10/2022

terça-feira, 25 de outubro de 2022

VITÓRIA E O AMOR


Vitória gosta de dar nomes às coisas,

mas nem sempre as suas palavras

coincidem com as já estabelecidas.

Chama ao amor, Alberto, pelo modo

como ele beija a mão à mulher Dora;

amor também é como a amiga Flora

gosta, abraça e beija, a amiga Aurora;

e a troca de olhares entre Fabião e Fernão

e o seu recíproco dar de mão.

O nundo não seria mundo para Vitória,

sem Alberto e Dora, Aurora e Flora,

e as mãos dadas entre Fernão e Fabião

ou sem Frederica, outrora Frederico,

 e Paula, noutras eras chamado Paulo!

E a quem à Vitória ousa chamar tola,

é porque talvez não regule bem da bola!

         Jorge C. Chora

         25/10/2022

domingo, 23 de outubro de 2022

A BRUXA E A PIRRALHA

 

Da copa das árvores choveram pequenos e rijos frutos certeiros, dirigidos às cabeças dos rufias. Gozavam com a velha a quem chamavam Bruxa, que adorava fazer as suas necessidades na mata e não notara a proximidade daquela canalha.

Quando localizaram o local donde estavam a ser alvejados, foi o bom e o bonito. Aos urros, começaram a galgar a árvore. Lá de cima, os frutos pareciam rajadas. A cada insulto ela respondia com três, sem se mostrar minimamente incomodada. Sabia que ia apanhar, mas tinha a certeza que ia dar uma boa dezena de caneladas. Tinha nove anos e era criada ao Deus dará. Os matulões tinham aproximadamente quinze e dezasseis anos.

Foi quando de repente ouviram um silvo, cuja proveniência mais parecia vinda do inferno do que d’outro local qualquer. A Bruxa tinha chamado os seus seis enormes cães que esperavam pelos rufias na base da árvore.

Tinham sido descuidados. Todos sabiam que ela andava sempre acompanhada por aqueles cães infernais.

- Se quiserem sair ilesos, todos, mas todos, terão de beijar os pés à menina!

-O quê? - insurgiu-se Ermelinda - Sujarem-me os pés que estão tão limpinhos? E olhava-os, com um ar divertido para os seus pés, mais porcos do que a esterqueira que tinha em casa.

A velha senhora só não fez chichi pelas pernas abaixo, divertida com a cena, porque acabara de fazer.

Os perseguidores tiveram de correr quilómetros e de vez em quando, um dos cães, ferrava-lhes os dentes nos fundilhos, embora sem os aleijar.

Ao descer da árvore, Ermelinda questionou a velha senhora:

-Gosta de fazer chichi ao ar livre?

-Adoro e não é só isso! -Ermelinda deu uma gargalhada -   eu também gosto, daquele ventinho nas coisas…

A velha riu-se bem-disposta. Abraçou a petiza, suja e ainda mais morena do que o seu falecido marido.

-Sabes que o meu marido era africano? Era médico. Quando viemos para aqui, foi atropelado e morreu. Nunca foi identificado quem o atropelou.

-Os meus sentimentos.  Também sou de África…  os meus sentimentos…

-Como acha que se sente quem o atropelou? - perguntou a petiza por delicadeza.

 - Arrepende-se todos os dias de o ter morto…

Ermelinda deu-lhe um desconto. Coitada, o desgosto deu-lhe volta ao miolo…

Seguiram ambas de braço dado até uma estranha vedação. Colocou a mão num ramo e empurrou a cancela.

-Entras… ou tens medo de mim?

- Não, de si até gosto! É como eu! É meia selvagem…

Ermelinda não acreditou no que viu. Aquilo não era uma casa! Um palácio ao pé do que via, e lembrou-se de vários de quando vivia em Lisboa!

Achou indelicado perguntar-lhe sobre o assunto. Continuaram a ver-se. Tornaram-se amigas e as idas à mata, que ambas adoravam, aproximaram-nas ainda mais.

Uma só condição lhe impôs a “Bruxa” para serem amigas: ir à escola!

Durante seis meses não se viram! Ir à escola, isso é que era bom!

Um dia os pais receberam a visita da “Bruxa”. Perceberam de imediato, mesmo parecendo uma mendiga que estavam perante a dona das empresas onde eles trabalhavam. Não era assim que ela aparecia. Ela surgia como uma deusa, num automóvel gigante, preto e a brilhar, com um motorista sardento e enorme.

A conversa foi breve:

- Amanhã, quero a vossa filha, com esta farda do colégio, à minha porta, às 8.45m, com o banho tomado. Perceberam? Gosto dela como uma filha, perceberam?

Quando o carrão preto, a brilhar, surgiu à porta do colégio, os portões abriram-se de imediato e a diretora estava à espera da proprietária.

-Srª Diretora, apresento-lhe a Ermelinda que é como se fosse a filha que não tenho. É inteligente e lutadora, mas insubordinada como eu. Ensine-a a pensar e a avaliar as pessoas com rigor. Não a castigue. Quando ela se portar mal, basta que não a deixe ir fazer as suas necessidades à mata!

-Ah, amiga de uma figa, agora é que me lixaste! -pensou Ermelinda com a mão dada à amiga.

Jorge C. Chora

23/10/2022

 

 

 

sábado, 22 de outubro de 2022

ME TOO, ME TUA

 Dá volta ao miolo,

o jovem ser tolo,

vê-las passar e nada de agradável dizer,

querer elogiar e não poder

e não são só eles a não poder falar

porque elas também não podem piar

e dizer com toda a força e convicção:

Ai se fosses meu…

É mal visto, é Me too é Me tua,

vão já à loja e comprem um revólver,

quiçá uma cartucheira e uma metralhadora,

para rimar com o Me Too e Me Tua.

Fiquem por cima ou por baixo,

tenham tido o prazer que tiverem,

digam sempre que foi para subir,

nada porque lhes soube bem

ou porque não quiseram dizer NÃO!

 

      Jorge C. Chora

      22/10/2022

sexta-feira, 21 de outubro de 2022

DESILUSÃO

 Tenho saudades de quem desconheço,

deixo de as ter quando as conheço.

Como as pessoas não são o inverso do que são,

a culpa é minha, por achar não serem,

aquilo que afinal sempre foram e serão?

 

Jorge C. Chora

21/10/2022

quinta-feira, 20 de outubro de 2022

A ROSA


Enrola o vento

a saia à Rosa,

pétala cheirosa

de encantos feita,

repleta de magia

e secreto aroma.

É hissope perfumada,

com direito a turíbulo,

espargida pelas narinas

ávidas dos fiéis devotos.

Jorge C. Chora

  20/10/2022

quarta-feira, 19 de outubro de 2022

A CONDENADA


Irmã isabel, desde infância só tinha um pensamento fixo: seguir a via religiosa, tornar-se freira.

Foi uma estudante aplicada e nunca deixou para o dia seguinte, o que poderia fazer nesse dia.

Seguiu estudos superiores em vários países e até teve a oportunidade de frequentar e terminar, os seus estudos superiores na Universidade Pontifícia de Roma.

Regressou a Portugal já com cerca de quarenta anos. Foi por essa altura que o seu corpo, embora tardiamente, começou a despertar.

Os seus pensamentos deixaram de se ocupar inteiramente com a vida de Cristo, e a concentrarem-se um pouco mais em si.

Um dia passou pelo jardim do convento e viu o jardineiro, sem que ele a tivesse visto, a urinar a terra em redor das roseiras. Estremeceu de prazer. Não desviou o olhar um segundo que fosse. Todos os dias, à mesma hora, presenciava, com o maior dos prazeres, a rega efetuada, com todas as delongas, pelo jovem jardineiro.

A visão do jardineiro a usar o aparelho genital, tornou-se uma obsessão.

Esperava religiosamente pela hora. Suava com abundância, antecipando o prazer que iria sentir.

Não dormia, mal comia e não pensava noutro momento senão naquele.

Após muitas orações e penitências a si impostas, a que não faltou o cilício a marcar-lhe o belo corpo e a infligir-lhe uma dor quase insuportável, tomou a decisão que há muito deveria ter tomado. Confessar-se o mais rapidamente possível.

A custo confessou o enorme tormento de que padecia. Foi-lhe dada uma penitência severa: não mais passar por aquele local pecaminoso.

Um dia não resistiu e desobedeceu. À hora exata, escondeu-se e predispôs-se a ver o maravilhoso espetáculo. De repente, teve de encolher-se mais, pois o padre que lhe impusera a penitência, vinha, pé ante pé, esconder-se atrás de uma moita, bem colada ao jardineiro e ainda por cima, dotado de uns potentes binóculos!

 

A partir desse dia, passaram ambos a partilharem o mesmo posto de observação e também os binóculos!

 Passado o momento, dirigiam-se ambos para a capela conventual, onde rezavam dois Pais Nossos e uma Ave Maria.

 

Jorge C. Chora

19/10/2022

terça-feira, 18 de outubro de 2022

MISCELÂNEA

 


Gostava de beber um copo da mixórdia que nunca conseguiu descobrir de que era feita. Era no Bar Pirata, em Lisboa, nos Restauradores. Não foi por falta de tentativas. O homem do bar é que sabia dar-lhe a volta, disfarçar o assunto, fingir-se de surdo.

Havia, no entanto, algo estranho. Tinha a sensação de estar a ser seguido, um pouco  mesmo ali, naquele bar.

 Dali saia para o Café Paladium, jogava um pouco de bilhar com uns amigos ocasionais e depois seguia para a loja. Era uma grande papelaria onde também se vendiam máquinas de teclado Azerty e Qwerty, por ordem expressa de Salazar, por decreto de 1936 ou 37.

Ao terceiro dia, o Bar Pirata transbordava. Era praticamente impossível entrar mais alguém. Teve de esperar. Quando conseguiu penetrar, apertado como sardinha em lata, também entraram mais dois ou três clientes.

Enquanto bebia o pirata, teve a nítida sensação de que lhe tinham mexido nos bolsos traseiros das calças. Não ligou. Tanta gente encostada, umas às outras, era impressão de certeza.

Ao pagar o café no Paladium, teve a certeza de que lhe tinham revistado a carteira. O Bilhete de Identidade, em vez de estar à frente, estava atrás do livro de cheques.

Olhou em redor. À sua frente reconheceu um estranho homem, de cabelo curto e olhos cinzentos, metálicos. Sentia-se à distância que não era flor que se cheirasse. Olhou-o com mais atenção. Tinha sido ele que estivera atrás de si, no Bar Pirata. Tinha a certeza. Reparou melhor no volume que apresentava do lado esquerdo, debaixo do braço: era uma arma de todo o tamanho. Pide? Não lhe parecia. Não tinha aquele ar circunspecto e vaidoso de ser reconhecido como pertencendo àquela organização.

Afinal quem era o estupor? Encheu-se de coragem, levantou-se, aproximou-se da mesa do sujeito e qual não foi a surpresa com o convite que lhe foi feito:

- Sente-se sr. Carvalho!

Sentiu o sangue gelar-lhe nas veias. Mas, logo de seguida, verificou que a pronúncia não era portuguesa, mas americana.

-E o senhor chama-se?

- Rosemary- e estendeu-lhe uma mão suave e pequena.

-Observou-a. Os olhos nada tinham de atemorizador. A voz era suave e bem modelada.

-Está surpreendido por eu saber quem é. Onde vive e o que faz?

-Um pouco.

- Vim investigar o pagamento de seguros que lhe fizemos. Se tinha havido alguma tramóia ou jogo sujo na cobrança. Já verifiquei a honestidade do seu procedimento e estou na posse dos dados que me permitem elaborar um relatório seguro e verdadeiro.

Aos poucos, o sr. Carvalho lembrou-se que já a vira inúmeras vezes e que ela já estivera na sua loja, perto de sua casa e frequentara todos os locais onde ele ia, assim como as suas amizades. Estava em Portugal há seis meses!

-E se eu não tivesse sido honesto?

- A cara de Rosemary endureceu. Levou a mão ao sovaco e mostrou-lhe a arma. Logo de seguida mudou. Um sorriso aberto e um abraço espontâneo, bem apertado e uma confissão à americana.

- Sei que enviuvou, simpatizo consigo e não me importava de o conhecer ainda melhor!

Carvalho arrepiou-se. Rosemary notou e disse-lhe:

-Não tenho receio. Sou uma mulher apaixonada. Tirou os óculos, despenteou-se ligeiramente e mostrou a sua feminilidade. Sorriu, abriu ligeiramente a blusa e mostrou uns seios rosados, bem dimensionados, que logo cobriu de modo pudico.

O Resto da história fica por sua conta.

Jorge C. Chora

18/10/2022