sábado, 16 de outubro de 2010

Os sócios

A moeda projectada ao ar, rodopiava e cintilava, açoitada pelos raios solares. Mal tocava a palma da mão era de novo reenviada a cerca de trinta, quarenta centímetros.

Este vai e vem contínuo de arremessos e quedas, era seguido pelo olhar do João, à porta da sua loja. Andava furibundo com o facto de há dois meses não ouvir o tilintar de nenhuma moeda na sua caixa registadora. Maldizia a vida, o negócio, os impostos, a fedorenta crise e as medidas que contra, ou a favor dela, sabia lá ele, se tomavam.

Sentia crescer em si uma raiva ao ver aquele” arrumador”, arrumador uma ova, um”carocho”, um saca - moedas, um perna ágil ao aparecer a voar junto das viaturas já estacionadas sem qualquer intervenção da sua parte “ a brincar com a moeda de dois euros. O lugar da moeda era na sua caixa registadora.

Há dois meses que gastava os seus parcos recursos bancários. As idas ao banco destinavam-se a levantar, levantar e tornar a levantar. Jurara a si próprio abolir este verbo do seu vocabulário. O problema era que mesmo que recusasse conjugá-lo, o modo imperativo se lhe impunha de tal modo que o reduzia à ínfima potência: obedecer sem alternativa.

Estava nesta irritação, o seu olhar acompanhando a trajectória da moeda, alternando com o fuzilamento do “carocho” , quando este deixou escapar a moeda e ela se enfiou entre as grades do esgoto da rua. O homem encolheu os ombros e seguiu o seu caminho.
João, abespinhado, de testa franzida, berrou-lhe:

-Brincar com o dinheiro é o que dá!

-O dinheiro é meu… -replicou um tanto surpreso o arrumador.

-O problema é mesmo esse… é ser seu…

-Ó amigo se tem tanta falta dele, podemos ser sócios…

-Sócios? Em quê? – questionou, com os sentidos alerta.

-Estes lugares à frente da sua loja… podemos reservá-los com uns caixotes seus e depois dividirmos os lucros…

João, em milésimos de segundo, visionou o movimento, fez contas, dividiu e, em simultâneo, falou com sabedoria negocial:

-Sócio, para mostrar a sua boa fé, façamos já a divisão dos lucros apurados nesta manhã. Quanto à moeda caída, não se preocupe … é só menos uma.

Jorge C. Chora

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

O "Estupor"

Entrou no jardim afivelando um sorriso cândido e carregando a máscara da simplicidade. A cabeça assemelhava-se a um cata-vento, tantos eram os cumprimentos dispensados à direita e à esquerda.

- Que encanto de homem… - comentou uma senhora ainda jovem.

- Falas de quem? - perguntaram-lhe as amigas – será do” Estupor”?

- Estão enganadas! Falo daquele homem que ali vai …

-Pois sim…é mesmo ele – reafirmaram.

Várias senhoras idosas, numa genuína aflição, rebuscavam os jardins, espreitando em todos os seus recantos, afastando as flores dos canteiros e chamando:

-Vivi…Vivi… onde te meteste …anda, vem… tenho aqui a tua capinha… - chamava a dona, em cuidados.

-Vivi…Vivi … - repetiam, como se fossem o eco, as amigas tremendo de emoção com o desaparecimento da pequena cadela.

-Quem viu a Vivizinha? Digam-me, por favor, se a viram… - pedia em pânico a velha senhora, privada da sua companhia de todas as horas.

Nisto surge um enorme cão, que mesmo sem rosnar infundia pavor, que olha sobranceiro para a multidão concentrada no jardim.

-Minhas senhoras, eu estava a evitar dar-lhes a notícia… - diz a medo o “Estupor.”

-Diga, não se acanhe… -incentivaram as senhoras.

-Está-me a custar dizer-lhes…

Depois de muito insistirem, o homem disse:

-Quando vinha a entrar, vi uma cena horrorosa…esse gigante que aqui está, engoliu um cãozinho…neste caso, uma cadelinha, como acabo de saber…

A dona da engolida, avançou de sombrinha em riste, direitinha ao monstro guloso, com uma sanha assassina.

Como um foguetão, saiu do canteiro a Vivi, que se colocou de permeio, defendendo o feríssimo gigante inocente, da fúria da sua dona.

E o grupo da jovem e das suas amigas, empunharam as suas respectivas sombrinhas e gritaram em uníssono:

-Anda cá “Estupor”…

Jorge C. Chora

quarta-feira, 6 de outubro de 2010

O melhor marido do mundo

Sorriso alegre, anafada e de face luzidia, olhos risonhos, de cotovelos em cima do balcão do café, lançou alto e em bom som a seguinte declaração:

-Tenho o melhor marido do mundo!

Entreolharam-se os presentes um tanto ou quanto surpreendidos. Elas mais do que eles.

-Felizarda!- comentaram as mais invejosas, cobiçando-lhe a sorte que lhes fora negada.

-Hum…hum… -pronunciaram-se as mais desconfiadas – ou ela é cega ou o marido está prestes a pregar-lhe alguma…

Outras, as melhor casadas, caíram em si, prontas a efectuarem o “mea culpa”, reconhecendo que nunca tinham tido a coragem de admitirem em público o quanto tinham sido bafejadas pela sorte dos maridos que lhes tinham cabido na rifa.

Eles, deliciados, exclamam:

-A senhora é um exemplo para as nossas mulheres!

Ia a “coisa” neste pé quando a empregada do café, lança uma sonora gargalhada e diz:

- E desde quando é que a D. Manuela é casada?

-Ó minha linda, se o fosse perdia a oportunidade de fazer estas afirmações pomposas! – e sufocava de riso com as reacções que despertara.

Ao lado, com caras de quem comeu e não gostou, vários senhores concluem:

-Azedumes de solteironas …


Jorge C. Chora