Fartou-se de ser surdo. Percorreu seca e meca, gastando
fortunas para ouvir melhor. Aparelho grande, pequeno ou médio, todos comprou,
na esperança de resolver o seu problema.
A ânsia era tal, e sempre que experimentava um, jurava a pés
juntos que “agora sim, conseguia ouvir” e comprava a geringonça.
O armário das geringonças transbordava de aparelhos
imprestáveis, para desespero de sua esposa. Ela bem tentava auxiliá-lo nas
consultas:
-Ó senhor doutor, ele lê-lhe os lábios. Fale-lhe por trás e
pergunte-lhe o que disse…
Ele interrompia-a de imediato:
Ó mulher, se eu te digo que com este ouço, é porque ouço…
Um belo dia acertou e comprou um aparelho com o qual
conseguia de facto ouvir. O seu sorriso tornou a surgir. Voltou a conversar e a
sua disposição, essa, tornou-se exuberante.
-Então o senhor chama-se Vetónio?
-António… -corrigia o interlocutor.
-Pois, Vetónio, eu ouvi da primeira vez….Sabe, já fui surdo
mas agora, o diabo seja cego surdo e mudo se não consigo ouvir a minha barba a
crescer!
E, logo a seguir, acrescentava, com a mulher dizendo em simultâneo,
tantas vezes tinha ouvido a mesma tirada:
-E ainda o comboio está a sair do Rossio e eu já o ouço na
Amadora!
Será este o surdo que consegue ouvir a economia a crescer? Também
ouve? Que aparelho comprou V.Exa?
Jorge C. Chora