sexta-feira, 22 de maio de 2015

O ANTIGO SURDO OU O HOMEM QUE OUVIA A BARBA A CRESCER


Fartou-se de ser surdo. Percorreu seca e meca, gastando fortunas para ouvir melhor. Aparelho grande, pequeno ou médio, todos comprou, na esperança de resolver o seu problema.

A ânsia era tal, e sempre que experimentava um, jurava a pés juntos que “agora sim, conseguia ouvir” e comprava a geringonça.

O armário das geringonças transbordava de aparelhos imprestáveis, para desespero de sua esposa. Ela bem tentava auxiliá-lo nas consultas:

-Ó senhor doutor, ele lê-lhe os lábios. Fale-lhe por trás e pergunte-lhe o que disse…

Ele interrompia-a de imediato:

Ó mulher, se eu te digo que com este ouço, é porque ouço…

Um belo dia acertou e comprou um aparelho com o qual conseguia de facto ouvir. O seu sorriso tornou a surgir. Voltou a conversar e a sua disposição, essa, tornou-se exuberante.

-Então o senhor chama-se Vetónio?

-António… -corrigia o interlocutor.

-Pois, Vetónio, eu ouvi da primeira vez….Sabe, já fui surdo mas agora, o diabo seja cego surdo e mudo se não consigo ouvir a minha barba a crescer!

E, logo a seguir, acrescentava, com a mulher dizendo em simultâneo, tantas vezes tinha ouvido a mesma tirada:

-E ainda o comboio está a sair do Rossio e eu já o ouço na Amadora!

Será este o surdo que consegue ouvir a economia a crescer? Também ouve? Que aparelho comprou V.Exa?


Jorge C. Chora

terça-feira, 19 de maio de 2015

LISBOA CONSPURCADA

Lisboa meu amor,
fedes que nem uma cortesã barata,
infestada de proxonetas imprestáveis,
escroques e crápulas
 que são como pústulas,
nas tuas ruas grafitadas
que a urina e fezes
cheiram, salpicadas,
a qualquer hora
de imundícies
que se amontoam
nas tuas ruas,
que só não são belas porque
és povoada e frequentada
 por alguns que não te amam
e te desmerecem.

Jorge C. Chora


terça-feira, 12 de maio de 2015

ESTA GENTE COMPRA TUDO!


De dedo em riste e cachucho a brilhar no dedo, entrou na sapataria e comprou umas botas de couro de cano alto. Logo a seguir, entrou noutra e pagou um cachecol. Entretanto, ao observar uma série de compradores transportando pequenos sacos, não se conteve e exclamou:

-Esta gente compra tudo!

Palavras não eram ditas e adquiriu um enorme casaco. Depois de o mirar e remirar achou que ele ficava bem com uma pulseira que vira no início da sua incursão aquisitiva. Não ficou a remoer a decisão: trouxe-a.

Enquanto a vendedora a auxiliava a colocar a pulseira, escandalizou-se com duas ou três pessoas que escolhiam peças da ourivesaria:

-Esta gente compra tudo!

Enquanto caminhava ao longo dos compridos corredores do centro comercial sentiu fome. Reparou nos restaurantes desertos e resmungou:

-Compram tudo e depois não têm dinheiro para comer!

Ao passar por um pequeno espaço de comida rápida, acercou-se do balcão e pediu:

-Um cachorro, daqueles da promoção, e um copo de água…

Enquanto comia, congratulava-se por estar a poupar dinheiro e ser diferente da gentalha que comprava tudo.

-Que gente… compram tudo e nada poupam!

À saída, viu um apito metálico exposto numa montra de desporto e não resistiu.

-Não podia deixá-lo escapar… - suspirou, encantada, apitando três vezes, antes de repetir – Esta gente compra tudo!

Jorge C. Chora



segunda-feira, 4 de maio de 2015

D. BRAZIA E A DESPACHADA BARBEIRA

        
D.Brazia foi internada na véspera de uma operação . Na manhã seguinte recebeu a visita da barbeira. Surpreendida viu-a colocar os seus instrumentos de trabalho na sua cabeceira.

-Ora bom dia! Vamos a isso? – perguntou, sorridente.

A doente encolheu-se e quase a medo perguntou:

-A isso? Não sei ao que se refere!

-Aos pelinhos…

D.Brazia gagejou:

-Não estou a perceber…

-Ah! Será que já está depilada?- questionou a barbeira, quase pedindo desculpa.

-Não, não …eu vou ser operada à tiróide…

A barbeira olhou para a doente e estremeceu a rir:

-Ainda bem que me disse! Julgava que ia ser operada às partes baixas …

-Não …é à tiróide – repetiu.

-Bom, já que aqui estou, não quer aproveitar? – perguntou a barbeira, antes de arrumar o material de trabalho e sair.

A partir desse dia D.Brazia passou a ter pesadelos, sonhando que se transformava em franga, perseguida pela sorridente barbeira, de tesoura e máquina em punho e que lhe gritava:

-Tem mesmo de ser, não pode ir assim para a operação!

Jorge C. Chora




domingo, 3 de maio de 2015

MARIA


No país das Marias
tenho a sorte de
uma delas “ser minha”.
A doce Maria, de cujas
acções quem a rodeia só
beneficia, sem alarde
e gritaria, antes pelo sussurro
e carinho,                   
em que a sua entrega e apoio,
 são carícias
aos olhos de quem vê e,
por vezes, nem sequer
se apercebe que aquele amor
é inabalável porque, simplesmente,
é o da “minha” Maria.


Jorge C. Chora