domingo, 31 de janeiro de 2021

EM BUSCA DO GILINHO

Óculos embaciados,

máscaras postas

e visões nubladas,

andam às cegas

e às apalpadelas,

no jogo do tira-põe,

quem vidrinhos

e máscaras usa:

ora tira esta,

ou os óculos levanta.

A velha Carolina,

de óculos enevoados,

à procura do seu

marido Gilinho,

a alguém na braguilha apalpa,

e logo constata,

não ser quem procura.

Pede de imediato desculpa:

- Peço-lhe perdão cavalheiro,

sem ofensa,

quem procuro é bem mais pequenino!

Coisas da pandemia e de gente

de óculos embaciados.

     Jorge C. Chora

      31/01/2021

quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

UM SARDÃO NO MEU JARDIM

Refastelado no cadeirão, senti a presença de algo estranho. Parei de ler e olhei para a porta envidraçada. Fiquei surpreendido. Estava a ser observado por um enorme sardão. Observava-me de cabeça e peito levantado, com um ar compenetrado.

Ficámos um bocado a mirar-nos, como que intrigados com a nossa presença no mesmo local. Nunca nos tínhamos apresentado, nem sequer visto. Ficámos definitivamente surpreendidos um com o outro.

Naquele jogo de quem serás tu, ainda permanecemos um bom bocado. Nem eu nem ele nos demos por vencidos.

Resolvi apresentar-me. Levantei-me devagar. Lá fora o sardão empertigou-se. Olá, o que me quererá este bicho tão grande? terá pensado o meu visitante. Indeciso, começou a mexer-se, não fosse dar-se o caso de ser apanhado distraído.

Quando dei um passo na sua direção, o bichano decidiu-se: colocou-se praticamente em pé, apoiado nas patas traseiras e bamboleando-se, sem correr, cheio de estilo, como quem não quer a coisa e sem perder a compostura, afastou-se como uma senhora o teria feito ao pressentir uma ameaça.

Para mim foi evidente tratar-se de um sardão fêmea, muito feminina e sem querer fazer má figura, na sua fuga facilitada por não calçar saltos altos.

Não saiu do meu jardim. Limitou-se a esconder-se, com jeito e meneios de cauda, entre as velhas pedras do muro do quintal.

Sempre que lá vou, procuro saber da minha visita mas sem qualquer sucesso, pois deve, como sardão fêmea e senhora da sua fina cauda, levar uma eternidade nos seus arranjos.

 

      Jorge C. Chora

    27/01/2021

segunda-feira, 25 de janeiro de 2021

ELEIÇÃO PRESIDENCIAL

 

Numa eleição

com antecipado

campeão,

residia a atenção,

na obtenção

do segundo lugar.

Uma guerreira teimosa,

tal qual D. Quixote de saias,

sem banda nem gaita de foles,

sozinha,

embora à rasquinha,

derrotou o “Terror” da democracia.

Este, mesmo assim, conseguiu

metamorfosear a derrota, numa vitória,

transformar o Rio num regato

domesticado,

e o Francisquinho num dirigente

de um partido desaparecido,

devido à deserção e conversão dos seus votantes

ao dito cujo que os vai ter na mão.

Quanto à guerreira,

deixada só,

pela desunião dos chefinhos

dos pequenos partidos,

resta-lhe a sua teimosia

e o ter resistido, sozinha,

à desventura que aí se avizinha,

caso o Campeão não lhe coloque travão.

        Jorge C. Chora

          25/01/2021

sábado, 23 de janeiro de 2021

LOUVADO SEJA!

Nos piores e nos melhores

momentos,

todos somos

ou passamos por crentes.

Quando a desgraça

à porta nos bate,

longe vá o agouro,

gritamos:

Ai meu Deus…ai meu Deus.

Mas nos mais excitantes,

no auge da satisfação,

como verdadeiros

e agradecidos crentes,

gritamos:

Ai meu Deus…ai meu Deus…

E só paramos quando nos

avisam:

-Está calado(a)que os vizinhos ouvem!

 

        Jorge C. Chora

         23/01/2021   

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

GAZETAR

Ó como é bom preguiçar,

na cama ficar,

deixar-se estar,

decidir gazetar.

Permanecer na cama,

sem estar de cama,

fugir à rotina,

escapar ao tédio,

ó quão bom seria,

se o maldito despertador não tivesse tocado

e eu conseguisse gazetar!

Jorge C. Chora

19/01/2021

segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

O BÚZIO

Reside na praia,

um búzio

abandonado,

entre garrafas

e plásticos sujos.

Já esteve em casas

finas,

passou de moda

e foi lançado fora.

Tem como companhia,

uma moça outrora bela,

mas hoje,

tal como ele,

velha e deslavada,

bebe e não come

e toca de lhe vomitar em cima.

Está farto o búzio,

dele farta está,

quem lhe vomita em cima.

E na avenida passa o cortejo

anunciando a gritos

pelo megafone:

-Abaixo os vadios

e quem não quer trabalhar…

 

JORGE C. CHORA

   18/01/2021

domingo, 17 de janeiro de 2021

LÁBIOS DE VERMELHO PINTADOS

 

De vermelho

se pintam

lábios,

cujos beijos

deixam marcas,

de amor,

com sabor

a liberdade.

Jorge C. Chora

17/01/2021

quarta-feira, 13 de janeiro de 2021

OLGA

A chuva caia grossa e carnuda. Olga, a minha amiga, estava aflita e nervosa. Quanto maior o barulho no telhado, com mais medo ficava. Dava pequenas corridas e olhava-me, de olhos esbugalhados, tremendo, numa mescla de medo e susto.

As batidas no telhado, eram cada vez mais fortes. Mais do que carnuda, a chuva tornou-se pedregosa.

Olga olha-me com um olhar de súplica. Percebo que ela quer abrigo e conforto perto de mim. Abro o casaco, levanto-o de lado, de modo a fazer uma casinha.

Mal Olga tinha iniciado a caminhada para se abrigar, abre-se a porta e entra encharcado e espavorido o meu amigo Barnabé. De repente, lança-se numa correria, brandindo o chapéu e aos gritos de “cuidado com o bicho”, esmaga-me a Olga.

-Ó Barnabé, esmagaste a minha amiga Olga!

-Tua amiga? Essa osga horrorosa?

-Sim, sempre que me mudo levo-a comigo! Era ela que me livrava dos mosquitos…

-Epá…arranjas outra…

-E a lealdade Barnabé?

Desde esse dia, Barnabé foi considerado persona non grata. Só espero que os mosquitos deste país, não lhe deem um minuto de descanso e nenhuma osga auxilie o meu ex-amigo.

 

Jorge C. Chora

13/01/2021

sábado, 9 de janeiro de 2021

NAMORO À JANELA

Dei um beijo na minha

mão,

como se ela fosse tua,

pois nem à porta podes vir,

para a tua te beijar.

Vai à janela,

coloca as mãos em concha,

recolhe o beijo

a ti destinado,

e se quiseres,

pousa teus lábios,

e guarda- o,

como se neles

tivesse sido dado,

e à porta tivesses podido vir.

 

Jorge C. Chora

   9/01/2021

quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

TRUMPICES E FAKE NEWS

De trumpices e fake news

anda o mundo cheio.

São moda as aldrabices,

as canalhices,

o disse que disse,

as elaboradas pulhices,

o ataque à democracia.

Mesmo desmascaradas,

ninguém a cara dá,

enfiam outra patranha,

e seguem-se, então,

um chorrilho de petas,

todas manetas,

maiores do as anteriores,

já de si pernetas.

É uma verdadeira peluda,

um forrobodó,

de trumpices e fake news.

Se juntarmos a epidemia,

ao facto de tudo continuar

em 2021, o melhor é

saltarmos já para o ano seguinte,

ou quiçá, ainda para um mais distante,

para se acabar com a boa vai ela.

 

       Jorge C. Chora

          7/01/2021

terça-feira, 5 de janeiro de 2021

CIÚMES

 

Gostava de ser

como o vento,

passar por ti

e abraçar-te suavemente.

Não gosto do vento

ao sujeitar-te

aos seus afagos,

mesmo quando

não o desejas nem consentes.

Ó vento, vai namorar

as searas,

elas esperam-te,

atrás daqueles montes,

ansiosas por se

deitarem ao sabor

dos teus sopros e desejos.

 

    Jorge C. Chora

      5/01/2021

domingo, 3 de janeiro de 2021

O MÃOS-ROTAS

 

José Silva considera-se um mãos-rotas. Nos idos de oitenta, encontrou quatro amigos e pagou-lhes três taças de vinho tinto e uma de branco. Uma taça a cada um.

Ao chegar a casa, anotou num velho canhenho, a despesa com o seguinte registo:

Hoje, quarta-feira, fiz uma boa ação. Ofereci ao João, ao António, ao Manuel e ao Fernando, um copo de vinho. Aos três primeiros, um tinto e ao último um branco.

Espero ter feito um investimento e receber, pelo menos, seis copos de um vinho superior ao que lhes paguei.

Alcunharam-no de “Mãos Rotas” e ele acha que a alcunha lhe assenta que nem uma luva.

A provar o acerto, sempre que a ocasião se proporcionava, consultava o canhenho com registo da boa ação por si praticada, naquela quarta-feira, nos idos de oitenta.

O receio de quem o conhece bem, e pelo andar da carruagem, é de que o José Silva acabe por ser convidado para ministro das finanças.

Arre!

Jorge C. Chora

3/01/2021

 

sexta-feira, 1 de janeiro de 2021

ADEUS TRISTEZA

Não dês cavaco

à tristeza,

não a chames

nem lhe abras a porta.

Se ela insistir

em entrar,

manda-a embora,

mas se mesmo assim

conseguir penetrar,

fecha-a num saco,

vai ao Guincho

e deita-a borda fora.

Não fiques a vê-la

cair,

deixa-a ir,

mergulhar na água fria,

ser chocalhada pelas ondas,

esborrachar-se nas arribas

da Boca do Inferno.

Entra no carro e não te despeças,

pode dar-te a saudade,

e ela aproveitar para regressar.

Ela é matreira a acomodar-se,

e se não se der por vencida,

só te resta ir lançá-la

à onda gigante da Nazaré.

     Jorge C. Chora

       1/01/2021