Refastelado no cadeirão, senti a presença de algo estranho.
Parei de ler e olhei para a porta envidraçada. Fiquei surpreendido. Estava a
ser observado por um enorme sardão. Observava-me de cabeça e peito levantado,
com um ar compenetrado.
Ficámos um bocado a mirar-nos, como que intrigados com a
nossa presença no mesmo local. Nunca nos tínhamos apresentado, nem sequer
visto. Ficámos definitivamente surpreendidos um com o outro.
Naquele jogo de quem serás tu, ainda permanecemos um bom
bocado. Nem eu nem ele nos demos por vencidos.
Resolvi apresentar-me. Levantei-me devagar. Lá fora o sardão
empertigou-se. Olá, o que me quererá este bicho tão grande? terá pensado o meu visitante.
Indeciso, começou a mexer-se, não fosse dar-se o caso de ser apanhado
distraído.
Quando dei um passo na sua direção, o bichano decidiu-se:
colocou-se praticamente em pé, apoiado nas patas traseiras e bamboleando-se,
sem correr, cheio de estilo, como quem não quer a coisa e sem perder a
compostura, afastou-se como uma senhora o teria feito ao pressentir uma ameaça.
Para mim foi evidente tratar-se de um sardão fêmea, muito
feminina e sem querer fazer má figura, na sua fuga facilitada por não calçar
saltos altos.
Não saiu do meu jardim. Limitou-se a esconder-se, com jeito
e meneios de cauda, entre as velhas pedras do muro do quintal.
Sempre que lá vou, procuro saber da minha visita mas sem
qualquer sucesso, pois deve, como sardão fêmea e senhora da sua fina cauda,
levar uma eternidade nos seus arranjos.
Jorge C. Chora
27/01/2021