segunda-feira, 28 de julho de 2014

O campo de futebol ou o fim da encomenda às cegonhas

                                                                                            
Na aldeia, quando os filhos se atrasavam, os pais interrogavam-se, ansiosos, sobre os verdadeiros motivos da falta de pontualidade:

-Será que foi para o campo da bola?

Caso fosse um rapaz, acrescentavam:

- Está feito um vadio!

 Caso se tratasse de uma rapariga, então a coisa fiava fininho:

-Aqui D’ El rei que ela nos desgraçou! Foi desta que ela se deixou levar! Ai o… o… “malaandro”…

Claro que o campo da bola estava localizado num sítio ao abrigo de olhares indiscretos.
Nesse dia ninguém sabia da Madalena. Tinha fama de santa, mas isso não evitou os comentários pouco abonatórios:

-Santa? Só se for do pau oco!

-Foi medir o campo da bola…

-Pois é, no melhor pano cai a nódoa…

No meio do alarido, Madalena surgiu ao fim da rua.

-Onde foste Madalena? – perguntaram-lhe, em uníssono, os presentes.

-Fui à junta de freguesia.Fui pedir para mudarem o campo da bola aqui para o centro da aldeia. Parece-me que ele fica num sítio isolado, de difícil acesso e, às vezes, pelo que tenho ouvido, as pessoas perdem-se por lá…
-O quê?? – gritaram novos e velhos.

Um dos anciãos da aldeia, benzeu-se e disse:

-Ó Madalena…queres transformar a aldeia no deserto do Saara?

-Há pedidos que não se fazem… -recriminaram outros.

-Onde é que julgas que se encomendam os bebés? -  questionou-a uma das amigas.

- Encomendam-se às cegonhas, não!? Ou pensam que elas as vão buscar ao campo de futebol? -   respondeu-lhe Madalena, toda ruborizada.

Nesse mesmo dia, os seis jovens solteiros da aldeia, alimentaram a secreta esperança de se tornarem noivos de Madalena.

Também se quer candidatar? Tem de ir para a fila e, pelo que me chegou aos ouvidos, já vai tarde, porque ela apresentou um pedido para ingressar no convento.

-Deixa lá minha filha, estes aldeões são mesmo uns ignorantes! – consolou-a o abade, ao saber da história do campo de futebol.

Jorge C. Chora



sábado, 12 de julho de 2014

O menino que queria ser cão

                                                                                                           

 O menino chorava e dizia à mãe que queria ser cão. A mãe arregalava o olho e quase tinha um colapso ao ouvi-lo:

-Cão, meu querido filho!? Mas porquê?

E o menino dizia-lhe:

-Porque posso fazer o que quero! Cheiro o que me der vontade e ainda me dão beijos…fazem-me festas…falam-me com voz doce…

-Mas…mas… - engasgava-se a progenitora, sufocada de angústia – Eu nem acredito que te sintas assim meu adorado pequerrucho…

E o menino de caracóis imaculados, sorriso de anjo e expressão demoníaca insistia:

-Mamã,  quero ser cão!

Apavorada, com o coração em sobressalto, ergueu as mãos ao céu e pediu:

-Meu Deus, ajuda-me a resolver esta situação.

No meio da aflição, ouviu um estrondo e viu cair do cimo do armário a trela do cão que tivera, antes do filho nascer.

-Anda cá Agostinho…vou realizar os teus desejos…

Agostinho franziu o nariz, arregalou os olhos e questionou-a:

-Como assim mamã?

-Vamos dar um passeio à rua! Tenho de te colocar a trela. Espera só um bocado para ir buscar os sacos de plástico, caso sujes o passeio. Lembra-te que tens de cheirar o cocó dos outros cães antes de fazeres as tuas necessidades.

Agostinho insistiu:

-Então vamos…

A mãe colocou-lhe a trela e ordenou-lhe:

-Tens de andar com as mãos no chão ou os outros cães vão achar que estás a brincar com eles…

Olhou a mãe com atenção. Afinal o que é que se estava a passar com ela?

-Ó mãe, tu achas mesmo que eu sou um cão?


Jorge C. Chora

quarta-feira, 2 de julho de 2014

O triste fim de Schewein

O grande porco grunhia forte e feio, vociferando ordens a torto e a direito. Os seus súbditos encolhiam-se e as únicas respostas que davam, tremendo, eram: sim senhor, é para já.

Nunca elogiava ninguém. Cortava de forma glacial qualquer tentativa de diálogo. Se algo que não correra conforme as suas ordens,  gritava:

- incompetentes!

Ainda o eco não retornara e ele gritava, de novo:

- In-com-pe-ten-tes…- e repetia uma, duas, três vezes - e colocava a cabeça de banda para escutar, deliciado, as reprimendas que dera.

O pior, mas muito pior, era o facto do grande Schewein, assim se chamava o mandão, só se deslocar em cima de uma grande bandeja, que os seus subordinados tinham a infelicidade e a obrigação de carregar.

Shewein engordava a olhos vistos. O único esforço que fazia era gritar de modo contínuo:

-Depressa…depressa….incompetentes…depressa….

Por vezes, para poupar sílabas, encurtava as ordens e berrava:

-Schnell…schnell

Um belo dia fez-se carregar para dar um passeio na floresta. Embrenharam-se para o interior e, mal se descuidaram, verificaram que bem à sua frente estava uma alcateia esfaimada.

Os subordinados pousaram-no no chão e começaram a fugir. Schewein, desabituado de andar, ficou paralisado e desatou a gritar:

-Parem meus queridos amigos…parem…

Habituados a obedecerem, os lacaios retornaram. Quando estavam a levantar Schewein, a matilha satisfez os seus apetites . Não sobrou nenhum para contar.

Só conseguimos concluir a história através de dois indícios: o primeiro, é que se encontraram os ossos de 28 no local; o segundo, é que a alcateia dormiu durante meses ( tal não foi o repasto!)

Jorge C. Chora