terça-feira, 24 de dezembro de 2019

DE REI DO TERREIRO A PATO




Luiz Aguiar, é brasileiro, reside na Amadora e recorda um Natal passado em Belém do Pará, com direito à visita de um sobrinho, vindo de propósito de Macapá, um outro estado do Brasil.
Recebeu o telefonema do sobrinho, anunciando a visita natalícia e simultaneamente o desejo de comer, à consoada, um pato no tucupi (uma receita feita com um especial preparo de mandioca).
Luiz Aguiar não podia mostrar fraqueza e nem hesitou:

- Sim meu sobrinho, o pato cá te esperará…

Atravessando uma época de grande aperto, Luiz Carlos deu volta ao miolo. Onde iria arranjar o pato ao preço a que se encontrava?

Andava a matutar na solução quando ela se lhe atravessou no caminho. O enorme e vaidoso galo, rei incontestado lá do terreiro, passou-lhe todo gingão, de crista levantada, à sua frente, quase lhe pisando os pés. Ora nem mais, pensou, olhando de soslaio o grande galo.

O galo embora não tenha gostado daquele olhar de viés, não conseguiu escapar ao facalhão exterminador, e acabou na panela.
À consoada, o sobrinho gabou a qualidade do pato e da cozinheira:

- Nunca comi pato tão saboroso quanto este! Valeu a pena vir de tão longe …

- Ainda bem que gostou, meu sobrinho… – comentou aliviado o tio.

-Se me garantirem um prato com a qualidade deste, virei todos os anos ver os tios e deliciar-me com o pato no tucupi!

E Luiz Aguiar, olhou de soslaio para o terreiro onde havia mais alguns pequenos galos, e respondeu-lhe:

-Para o ano que vem, lá te arranjaremos mais um grande pato à tucupi!

Jorge C. Chora
24/12/19

segunda-feira, 23 de dezembro de 2019

AMOR PRESENTE


Nas palavras por ti ditas,
encontra-lhes o vento
o amor presente.
Ele partilha-as com quem
sente ou quer senti-lo,
de modo suave ou turbulento,
ao jeito de quem ama ou quer amar,
sem se esquecer,
de quem diz o amor renegar.

Jorge C. Chora
22/12/19

sexta-feira, 20 de dezembro de 2019

O VIAJANTE


                                                         
Apressou-se a atender o cliente, mal este transpôs a porta. Alto, grisalho e sorridente, trajando um fato claro, apropriado à temperatura elevada do dia, cumprimentou a vendedora, beijando-lhe delicadamente a mão que ela lhe estendera.

-Em que posso servi-lo?

-Venho pedir-lhe ajuda…desejava ir aos jogos Olímpicos de Verão em Montreal…- disse o cavalheiro.

-Com certeza…

E dedicou largo tempo informando-o dos preços de transportes, de alojamento e de tudo aquilo que implicava uma deslocação aos jogos.

-É muito caro… - disse o senhor- trocando, de seguida, o itinerário desejado para Paris.

E a senhora, feita a consulta, comunicou-lhe o preço e a resposta foi idêntica:

-É muito caro…

O cliente trocou o destino para onde desejava ir, indicando cidades portuguesas e dava sempre a mesma resposta, após ser informado do respectivo preço:

-É muito caro…

Finalmente perguntou:

-Quanto custa uma viagem de autocarro para Badajoz?

E sem ouvir a resposta, levantou-se, tirou do bolso do casaco uma maçã, esfregou-a na camisa e ofereceu-a:

-Quer uma maçã? - e de seguida saiu, roendo o fruto.

A colega ao seu lado, deu uma gargalhada e comentou:

-E eu que tive inveja, de não ter conseguido atender este cliente tão bem parecido!

E a colega replicou:

-Estavas com vontade de comer a maçã?

E no fundo da sala, a chefe, que se gabava de conhecer à distância os malucos confessou:

-Este enganou-me à certa! Um “gentleman”…

E a funcionária comentou:

Lá “gentleman” era …. mas destravado também…

- Ossos do ofício! -exclamaram em uníssono as senhoras.

JORGE C. CHORA
20/12/19

sábado, 14 de dezembro de 2019

A PROPÓSITO DE PALESTRAS OU DOS PRINCÍPIOS DO GOVERNADOR



Há uns anos assisti a uma palestra, na biblioteca Fernando Piteira Santos, na Amadora. O palestrante era o governador em exercício dos Rotários, naquele ano. Recordo-me do facto de  ter iniciado a sessão, citando três princípios a que uma comunicação pública deveria obedecer para ter sucesso, atribuindo a sua paternidade a um amigo ou a alguém de que já não me recordo.
Dizia o governador:

“- Em primeiro lugar, o orador deve estar em local bem visível;

-Em segundo, o discurso deve ser bem claro;

-Em terceiro, o discurso deve ser breve.”

Tinha toda a razão este comunicador. Os discursos de abertura de acontecimentos da mais variada índole, matam muitas vezes o próprio acontecimento que pretendem introduzir. De tal modo isto é assim que, muitas vezes, entre a introdução e a abertura, metade da assistência desaparece, só ficando aqueles que, por motivos vários, são obrigados a permanecer. Os que resistem, ficam de tal modo enjoados que se tornam, com frequência, incapazes de apreciar o que se segue.

Há bem pouco tempo fui vítima de um desses discursos, tendo-me retirado sem ser visto, nem ter visto, o que vinha ver. Espero que a exposição permaneça o tempo suficiente para que me passe o terrível enjoo de que fui acometido, já que em última análise, nem os palestrantes tiveram culpa do facto, que se ficou talvez a dever, ao excesso de empenho por parte dos apresentadores e do desconhecimento dos princípios  do dito governador.

Ah! Se o orador trouxer o discurso escrito, isso pode constituir uma dupla vantagem:

-Não se perde;
-Os ouvintes sabem quando vai acabar.

Estas observações não são da minha lavra. Já muitos as fizeram, na vã esperança de as verem cumpridas.
Um abraço e paciência.

Jorge C. Chora
14/12/19

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

D. ELIAS,O ARQUIDUQUE DA PORCALHOTA


                                           
Teve três donos no mesmo dia. O dono impingiu-o a um vizinho e este passou-mo para a mão, com um baraço ao pescoço. Era pequeno de idade e de tamanho e nada tinha de belo. Cheirava a cão que tresandava e trazia nome de gente: Elias, assim se chamava o cachorrinho.

-Elias? – estranhei eu, tentando recusar o presente.

-Já dá pelo nome…

Nada a fazer, trouxe-o para casa e o pequeno Elias, sem tirar os olhos de mim, lambia-me as mãos, arremelgava-me os olhos e ajeitava-se no meu colo.

Apresentei-o à futura dona e a sua estranheza foi idêntica à minha:

-Elias?
-Já dá pelo nome…

-Quero lá o bichano…

E o Elias, enjoado da viagem de carro, vomitou-lhe o vestido.

Foi remédio santo. Condoeu-se daquela bolinha fedorenta e maldisposta, adoptou-o e tornou-se no quarto habitante do nosso lar.

Elias era vivo e refilão e impunha a sua presença com genica e maus modos. Não tolerava desatenções. Ia aos arames ao ver-me desdobrar o jornal e sentar-me na poltrona: saltava para cima de mim, afastava o jornal e refastelava-se.

Percebia tudo e fazia-se entender de tal modo, que eu passei a dizer que tinha um cão que falava, só não escrevia. Quem o conhecia, esperava a todo o momento receber uma missiva escrita, de protesto ou de louvor, que ele não fazia por menos, quanto a quem com ele privava.

Tornou-se, não diria belo, pois não se transformou num cisne, mas num garboso, embora raquítico, nobre de antanho: empertigado e maniento, um verdadeiro D. Elias, um arquiduque da Porcalhota. Como um grão senhor, recusava-se a subir escadas. Postava-se no rés-do-chão, no início das escadas e obrigava-me a carregá-lo, até ao 3º andar, nada menos nada mais do que 56 íngremes degraus, feitos várias vezes ao dia, um autêntico calvário.

Era também um sedutor de gabarito. Nessas ocasiões tornava-se o D. Elias Casanova, fazendo primeiro a corte às donas, dias antes das suas bichanas entrarem no cio. Poucas lhe escaparam, tal a mestria do Arquiduque nos seus cerimoniais encantatórios. O pior eram os adversários, mas quanto a estes, a receita era infalível: como tinha uns dentes minúsculos, colocava-se de pé e ferrava cabeçadas, acompanhadas de um rosnar medonho, sabe-se lá vindo donde.

Era zeloso quanto à defesa do dono e ao mesmo tempo um sabichão. Não deixava que ninguém se aproximasse de mim, excepto se fossem senhoras e, pasmem, se elas estivessem arranjadas e perfumadas, queria colo. Esta característica comportamental foi inúmeras vezes presenciada pela vizinhança.

Eram tantas as manias do D. Elias que corro o risco de as considerarem meras fantasias, mas asseguro-vos que o arquiduque era mesmo assim.

Detestava a trela e obedecia-me, até ao atravessar a rua, sempre na passadeira. Um dia, sem aviso, atravessou-a a correr, atrás de uma cadela e morreu atropelado. A carrinha nem sequer parou.
Enterrei-o no meu jardim, num local com vista mar, suavizado pela brisa e abrigado do vento agreste da montanha, na companhia de uma bela e frondosa romãzeira, pouso de melros, pardais e pintassilgos. 

Jorge C. Chora
   11/12/19

domingo, 8 de dezembro de 2019

O REINO DOS GATOS




Ouvi ontem, no café, uma declaração de amor aos seus gatos, por parte de uma idosa senhora.  Tem seis, dá-lhes inteira liberdade no interior da sua casa. Louvou-lhes o asseio, a urbanidade, o convívio com os cães que também possui.

Lembrei-me de um amigo, já falecido, que superava em muito a paixão que esta velha senhora demonstra pelos seus animais. Chamava-se Victor este amigo e era professor, historiador, conferencista, escritor, para além de se dedicar a inúmeras outras atividades. Nutria uma profunda paixão por gatos e cães.

A bicharada era tratada com todo o carinho e respeito devido, a começar pelos nomes que lhes atribuía, não tivessem eles, sem excepção, nomes de reis e rainhas de Portugal.

Anexo à casa, havia um enorme gatil, onde os seus trinta e poucos habitantes, circulavam a seu belo prazer entre este espaço e a habitação, podendo optar pelo solário nos dias mais frios.

Cadeiras, sofás e poltronas, eram sítios ocupados, segundo as preferências de cada um.
Havia também uma velha cadela, cuja barriga servia de sofá a uma Dª Mafalda ou a um D. Afonso, já não me recordo bem, em plena harmonia e aconchego.

Naquele tempo já havia reis e rainhas de quatro patas, reinando em espaços proporcionados pelos donos, filhos e esposa do meu saudoso amigo Victor que também partilhavam entre eles um clima de afecto e bem-estar.

Jorge C. Chora
8/11/19

quinta-feira, 5 de dezembro de 2019

RUBOR



Adoro o teu rubor
e o intumescer
dos teus seios,
ao adivinhá-los acariciados
pelo meu olhar,
sem ninguém
se aperceber do nosso sentir.
Seduz-me a tua timidez
e os beijos reenviados,
ao descerrares as tuas pestanas
e nos teus olhos vislumbrar,
um pudico mas decidido sim,
às carícias do meu olhar.

JORGE C. CHORA
     5/12/19

quarta-feira, 4 de dezembro de 2019

O DIA DAS BF'S



Deixou cair, sem querer, um pequeno papel, ao circular no meio das colegas da empresa. Uma delas deu com ele, apanhou-o e leu-o. Rezava assim: AMANHÃ É DIA DE BF.

O papel passou de secretária em secretária e a interpretação unânime foi a de que a sigla “bf” trazia água no bico.

Olharam a colega mais velha de viés, e os juízos de valor, tendo em conta a sua idade menos jovem e o facto de nunca terem visto qualquer comportamento menos próprio, materializaram-se numa avaliação condenatória: Qual santa qual carapuça, uma "diaba" de alto lá com ela!

Espevitada a curiosidade, no dia seguinte foi designada uma colega para a seguir. À hora do almoço, cumprindo a missão para que fora nomeada, a senhora foi vigiada de perto e sem levantar suspeitas. Entrou e saiu de vários estabelecimentos e trouxe um pequeno saco, com que entrou num museu e tornou a sair por outra porta.

A detective perdeu-a. À porta de um restaurante, esperava pela velha senhora um amigo de infância que com ela partilhava o gosto pela bf’s. Após os cumprimentos da praxe e da senhora lhe ter dado a encomenda por ele feita, entraram e o amigo perguntou à cozinheira Aurora:

-O almoço está pronto?

-Claro, as batatas acabaram de ser fritas!

-Sabe que adoramos as suas bf’s?

-Claro que sei… respondeu-lhe Aurora.

A seguir ao almoço, a detective de serviço, relatou o fracasso da sua missão, concluindo: ela é sabida de mais para se deixar apanhar!

Jorge C. Chora
     4/12/19