quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

OLHOS


Se os olhos são
a expressão da alma,
a tua é feita de cuidado , ternura,
e tecida de amor.
Os teus olhos
são como mares
onde  argonautas enamorados
navegam, transportando
sonhos à luz dos reflexos
do arco-iris,
na esperança de poderem
guardar o encanto desses olhos
que são os teus.
                                                                                                                

Jorge C. Chora

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

ENTREGA


Ao sabor do vento
caminhas ondulante,
doces palavras sussurras,
confessas o teu amor
e o rubor da tua face
denuncia o fulgor
da  paixão.
Tal como a seara
oferece os seus grãos,
de carícias o presenteias,
enquanto colhes, comungas
e apaziguas o vosso ardor, e  extenuada lhe murmuras:
meu amor !


Jorge C. Chora

quinta-feira, 11 de dezembro de 2014

As asas de Ambrósio


Sempre que João telefonava a Ambrósio, para ver se recuperava o dinheiro que este lhe devia, a resposta era a mesma:

-Amigo João, estou bem longe…mais propriamente em Braga…quando regressar falamos…gostei de o ouvir – E desligava o telefone.

Um destes dias, João viu Ambrósio, numa cervejaria em Lisboa. Telefonou-lhe e Ambrósio fez-lhe o favor de atendê-lo:

-Amigo João, como vai? Não me esqueci de si…neste momento estou no centro de Albufeira…

-Ambrósio, meu amigo dilecto, vem mesmo a calhar, também estou em Albufeira e vou já ter consigo…

-Oh! Que pena…apanhou-me mesmo de saída…vemo-nos em Lisboa.

Colado ao vidro da cervejaria, João viu Ambrósio colocar o telemóvel no bolso do casaco e esboçar um sorriso de desdém. Entrou e dirigiu-se-lhe directamente:

-Com que então amigo Ambrósio, para quem há uns minutos ainda estava em Albufeira, conseguir chegar aqui, só pode ser um milagre…

-Pode crer João…ainda há poucos segundos guardei as asas ali, naquele saco, encostado à mesa…

João sentiu um calor subir-lhe às faces. Deu três passos, agarrou no saco, mas não teve tempo de mais nada. Foi violentamente agarrado por quatro homens que o sacudiram e lhe gritaram:

-Seu descarado… a roubar-nos debaixo do nosso nariz. Ora toma.

Depois de levar umas boas sacudidelas, deram-lhe a possibilidade de explicar o que se passara. Quando chegou à parte das asas, a cena repetiu-se:

-Ainda gozas, ora espera …-E tornaram a prodigalizar-lhe uns safanões.

 Ambrósio evaporou-se. Ninguém mais o viu. Hoje em dia, mal João entra num restaurante, cervejaria ou café onde o devedor costumava ir, ouve, sem ter perguntado nada a ninguém:

-O Ambrósio ainda aqui não aterrou!


Jorge C. Chora

sexta-feira, 5 de dezembro de 2014

O profundo pesar de D.Sebastiana

                                                                                              

Surgiu enlutada e pesarosa na mercearia do bairro. O tom das conversas baixou de imediato, até que elas foram cessando e deram lugar a um silêncio sepulcral.

-O que aconteceu D .Sebastiana?

-Então não sabem?!

-Ainda não…mas gostaríamos de saber…

-O rapaz que morreu era tão bom…um verdadeiro santo. Tinha uma saúde de ferro…

-Às vezes é assim…os que parecem estar bem… -concordou D. Quitéria.

-Mas afinal de quem se trata? - perguntaram alguns dos presentes.

-Era o rapaz que aqui vinha comprar quase sempre feijão verde e batatas para a sua mãe…

Já intrigados e um pouco enervados por ainda não saberem quem afinal entregara a alma ao Criador, perguntaram :

-Afinal como se chamava o rapaz? Era filho de quem? Onde morava?

E D.Sebastiana voltava a carpir a desgraça:

-Tão novo e uma morte tão estranha…

E os ouvintes tornaram a interessar-se:

-Como foi que morreu?

-Se contar não acreditam…

-Acreditamos… -responderam em uníssono.

-Sentado na sanita!

Os ouvintes franziram a testa. Uma morte sem dúvida diferente. Um rapaz morrer sentado numa sanita é algo estranho. Depois de muito rebuscarem a memória em busca de quem ele era,  confessaram:

-Continuamos sem saber quem era o rapaz!

-Era o Severino…-revelou, muito compungida D. Sebastiana  ,enquanto se benzia  três vezes e o encomendava – Deus o tenha em descanso, que ele bem merecia.

-O Severino? Mas que idade tinha o falecido?

-Era um rapaz de 76 anos. Tão novo e vai fazer tanta falta…

Olharam-se, incrédulos, os presentes. E, quando D. Sebastiana se preparava para continuar a lamentar o Severino, os presentes interromperam-na:

-Ó D. Sebastiana….o defunto embora não fosse muito velho, também estava longe de ser um rapaz!
-O pior de tudo, é que foi uma morte de mer.. – concluiu Bernardo.

Até hoje, D. Sebastiana, recusa-se a falar ao Bernardo e não se digna, sequer, a olhá-lo.

Jorge C. Chora




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segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

O amor interesseiro de Carlota

Carlota sacode-se e bamboleia-se ao ritmo do fado. Reside na estação fluvial do Terreiro do Paço e debica aqui e acolá o alimento de que necessita. Tem, no entanto, um canto certo onde José, vindo há um ror de anos de S. Antão, a acolhe no Campo das Cebolas.

Quando Carlota, uma gaivota de patas amarelas, quer comida mais fina, vai ter com José que com ela partilha um pitéu que ambos apreciam: peixe frito.

-Ora um pedaço para mim, outro para ti…-avalia José.

E Carlota apanha-o em pleno voo, deglutindo-o num ápice. Pousa logo a seguir e olha desconfiada para o amigo:

-Será que comeste dois pedaços e me deste só um?

É pequena, dançarina, e tem um terceiro atributo que a qualifica e é pouco comum estar associado aos dois primeiros: é velhaca. Carlota é excepção: pode com os três e não disfarça que se sente muito bem.

Nos dias em que há feijão com arroz, recusa tocar-lhes, diz que não é brasileira, levanta voo e expulsa tudo o que tem asas ou ousa esvoaçar na área da estação.

No dia em que José lhe serviu frango, ei-la que tornou, furiosa, após tê-lo bicado e o ter comido. Pairou sobre as cabeças que estavam no solo. José alertou:

-Cuidado que ela vai lançar a carga sobre nós.

E aos pés de José, caiu um osso da galinha que ela devorou. Um enorme cocó veio logo a seguir e só por milagre não o atingiu.

Carlota afastou-se, não sem antes ter ameaçado:

-Torna a dar-me galinha e vais ver…


Jorge C. Chora