segunda-feira, 22 de setembro de 2014

As preocupações da galinha Mané

                                                                                                                    

 O galo Teobaldo anda preocupado com os achaques da galinha Mané. Teme que ela entre em depressão e ele não saiba quais os seus motivos. Ele foi, e é, o seu companheiro de sempre, o seu confessor, o seu devotado amante e amigo.

 As depressões da Mané assustam-no, pois são frequentes e profundas.  E elas duram, duram, ainda mais do que as do reclame das pilhas não sei das quantas! Só passam depois de descobrir os motivos desses estados de alma arrasadores e enigmáticos. Depois, é preciso demonstrar-lhe, por A mais B, que ela tem todas as razões do mundo para se sentir feliz.

-O que te aflige linda Mané? Perdeste dinheiro no BPN ou no Espírito Santo?

Ela sorri e acena que não com cabeça.

-Então, se não foi dinheiro, o que poderá ser? Será que precisas de mais carinhos meus? Sabes que adoro dá-los….

-Sossega querido Teobaldo  … são tontarias minhas, nada, mas nada, que implique falhas tuas…

-Então não pode ser nada de grave…  espero eu…

A galinha Mané não era insensível ao sofrimento do seu Teobaldo e, pode ser que não acreditem, mas faria tudo para o ver sorrir. Resolveu confessar-lhe os motivos da sua enormíssima preocupação:

-Como sabes querido Teobaldo, como galinha poedeira que sou, ainda ponho ovos. Muitos por sinal! E bem lindos!

-Sou testemunha disso! – exclamou o galante Teobaldo.

-Pois bem, não me sai da cabeça que um dia destes ainda me aconteça começar a pô-los quadrados ou, às vezes, imagina só, triangulares!

-Ó minha querida Mané, sempre foste péssima, perdão…algo menos forte a geometria e, portanto, dessa estás livre…

-O bico da galinha Mané tremeu de emoção: sentiu as suas preocupações esfumarem-se de imediato.

-E, para além disso, mesmo que conseguisses pô-los quadrados ou triangulares, isso seria óptimo para os nossos netos brincarem!

-E achas que não consigo? -  questionou-o, com o ar mais triste do mundo.

Entretanto, piscava o olho às amigas e estendia a pequena crista para receber os mimos do seu Teobaldo.

Jorge C. Chora




quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Os surpreendentes homens com cara de cavalo

                                                                                                                   
Nos povoados vizinhos a fama daquela aldeia, era conhecida, reconhecida e invejada. Na dita aldeia, benza-a Deus, os rapazes partilhavam uma característica comum: todos tinham cara de cavalo!
Não havia nenhuma rapariga que não os cobiçasse, ou quisesse casar-se com um dos naturais do local. Desde novas ouviam louvores à rapaziada. Da boca das que tinham conseguido casar-se ou namorar com um deles, escutavam-se maravilhas.

Os que habitavam a terra dos  caras de cavalo, eram todos parentes, tinham uns antepassados comuns, cujos genes se tinham transmitido de geração em geração. Ela, a matriarca, transmitira a fisionomia, o rigor educativo, a doçura e a inteligência intuitiva. As noivas e as esposas estavam-lhe agradecidas até ao âmago das suas almas.

A juntar às referidas qualidades, havia um pormenor nada despiciendo: não havia um único casal que fosse pobre, se desse mal ou se tivesse separado.

Foi num Verão quente que uma curiosidade intensa se apoderou de uma candidata a noiva, mas que ainda não tinha namorado. Pesquisou, perguntou, subornou e foi o mesmo que nada, pois nenhuma lhe prestou sequer a mínima atenção. O que seria preciso fazer para conseguir saber mais algo do que sabia?

Em desespero de causa, perguntou a uma idosa como poderia satisfazer o desejo de saber as razões pelas quais todas queriam casar-se com rapazes com cara de cavalo.

-Todas? ou a menina é que quer?

Engasgou-se e acabou por confessar o seu interesse.

-E já pensou nos motivos que a levam a inclinar-se para um dos nossos rapazes?

-Sei lá…talvez o facto de serem tão feios e não os termos de disputar com as outras mulheres…

-Sim…é uma razão…mas será só por isso? - questionou a velha senhora.

-Bom, tenho ouvido coisas que me agradam…

-Mau, então que informações quer saber em concreto? – espantou-se a habitante local.

Olhou em redor e após ter a garantia de que ninguém a escutava, perguntou, murmurando:

-A razão secreta, inconfessável, que as leva todas a querer um homem com cara de cavalo!

-Bom, isso é querer saber demais…arrisque-se a conquistar um e saberá…

Afastou-se a jovem carregando uma tristeza do tamanho do mundo. A anciã, condoeu-se e disse-lhe:

-O que lhe posso adiantar, é que eles não herdaram só os genes da tal avó…herdaram também os do avô…. e que dote ele tinha…

Logo no dia seguinte, a jovem iniciou o namoro com um dos rapazes com cara de cavalo.

Em breve tiveram filhos. O que mais a surpreende, são os convites que eles recebem das suas amiguinhas, que lhes estendem as mãos enquanto dizem:

 -Vamos brincar às médicas?

Jorge C. Chora


quinta-feira, 4 de setembro de 2014

A comida do Pompom

À hora de sair, foi chamada ao chefe, que lhe pediu para ficar. Guida estremeceu. Sabia que o marido reagiria mal ao prolongamento do seu horário. Telefonou-lhe e disse-lhe o que se passava e que fosse à 2ª prateleira do frigorífico e que jantasse.

Ao chegar a casa, preparou-se para enfrentar o mau humor da sua cara-metade. Este surgiu-lhe, logo à porta, com um grande sorriso. Retribuiu-lho, algo surpreendida, mas sem o demonstrar. Ele enlaçou-lhe a cintura, roçou-lhe o farto bigode pelo pescoço, afagou-lhe os lóbulos das orelhas.”Hum, isto está a correr bem. Nem sempre nem nunca…”pensou Guida, ao mesmo tempo que lhe passava de modo suave os dedos pela cabeça. .E foi aí que, surpresa das surpresas, o sentiu ronronar. Bom, concluo dizendo que Guida teve direito a recordar-se de tudo o que era bom e ela já se tinha esquecido.

A fome apertou e ela foi ao frigorífico. Espantou-se porque o jantar estava intacto na 3ª prateleira. Percebeu o que se passara ao ver a 2ªprateleira,a da comida do gato, completamente vazia. Enganara-se e ele não dera por isso! Calou-se bem calada.

No dia seguinte, a primeira compra que fez, foi comprar a comida do Pompom, regressar num pulo a casa, e colocá-la na 2ª prateleira.

À hora da saída do serviço, telefonou ao seu brutamontes farfalhudo:

-Querido, vou sair mais tarde mas não te preocupes. Deixei-te o jantar na 2ª prateleira do frigorífico.

Tenha cuidado com a quantidade de comida de gato que dá ao seu brutamontes! Uma amiga de Guida, a quem esta contara o segredo, exagerou nas doses e transformou o marido numa gatinha em vez de num gatinho assanhado, às suas ordens!


Jorge C. Chora

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

A caixinha das fragrâncias

Adorava o cheiro da sua mulher. A atracção era de tal modo intensa que quando ela entrava no carro e se inclinava para o seu lado, ele inspirava, sôfrego, o aroma que dela emanava e  beijava-lhe o pescoço.

-Ó querido, quem nos vir vai achar esquisitas estas tuas beijocas…

-E eu ralado…

Um belo dia estranhou o odor que ela exalava. Tinha um cheiro peculiar.Dir-se-ia, segundo pensou, que se tratava de um fedor característico a pés. Era isso: cheirava a chulé.
Estremeceu só de pensar como diria à sua adorada, que ela fedia. Não era possível que ao fim de quarenta anos, a sua flor cheirasse assim…

Dias depois, notou que quando ela abria a carteira se intensificava o mau cheiro.

-O que tens na carteira que contamina o ar aqui dentro?

-Olha que eu também já notei isso! - E vasculhou a bolsa, até que abriu a caixinha onde trazia os comprimidos de valeriana. Um bedum a chulé espalhou-se pela viatura.

Estava identificada a fonte e explicada a situação. Riram-se a bom rir do problema.
Hoje em dia, quando se querem livrar de situações incómodas, ela abre três caixinhas de comprimidos, começa a torcer o nariz e diz:

-Não acham que está aqui um cheiro desagradável? Aproveito para me despedir…

E com o cheiro a espalhar-se, a debandada é geral.

Quando o  Manel e Raquel se encontram livres, ele pede-lhe suavemente:

-Deixa-me beijar-te o teu pescocinho…

Jorge C. Chora