Mal a cabeça de Tobias assomou à porta, as conversas pararam no café. Todos os dias dizia ter uma profissão diferente. Que personalidade apresentaria hoje? A de cirurgião, de militar, polícia ou charlatão? A curiosidade fervilhava.
Tobias entrou com uma mão atrás das costas, barriga espetada, coçando o queixo, como se afagasse uma barba. Os presentes não perceberam qual o papel que assumira.
Pareceu-lhes, pelo ar altivo e sobranceiro com que olhava os clientes, uma espécie de…de…banqueiro.
Tentaram a sorte:
-Ó amigo…se o seu banco nos emprestasse algum dinheiro…
Olhou-os com um ar pensativo e acabou por anuir:
-É uma questão de negociarmos…de quanto precisam?
-Quaisquer cem mil euros chegam…
-Bom, então é só abrirem conta com cerca de duzentos mil. Faço-lhes uns juros à cabeça de 15% e nos primeiros seis meses pagam abaixo de 20%…melhor do que isto…
Entreolharam-se os “candidatos ao empréstimo” e retorquiram:
-Mau…nem mesmo um banqueiro negociava assim…quer dar-nos um chouriço em troca de uma vara de porcos!
-Têm toda a razão. Já fui banqueiro Agora sou só director-geral - e, com um ar abatido, dá meia volta e sai.
Jorge C. Chora
sexta-feira, 14 de janeiro de 2011
sábado, 8 de janeiro de 2011
O presente
A fila encaracolava, dava a volta à esquina e não andava. Perdão, era tão lenta que parecia parada. Três horas passadas e tinham sido atendidas cerca de quinze ou vinte pessoas.
Um tic, tic compassado de saltos altos, denunciou a presença da mesma dama que transitava pelo local pela quarta vez. Olhou de soslaio para a fila, como se de desgraçados se tratassem. Franziu o nariz e de repente, os olhos faiscaram-lhe. A fila tinha ganho vida. Começara a movimentar-se de um modo quase veloz e a desaparecer, como que engolida, pelas portas do luxuoso edifício.
De súbito, a senhora mudou de direcção e introduziu-se nos primeiros lugares da fila. Atrás de si estava um senhor de meia-idade, que além de nada lhe dizer, lhe sorriu de modo acolhedor. Olhou-o de soslaio e achou-o meio parvo. Ficara à sua frente e ele ainda a tratava como se ela estivesse a usufruir de um direito…. Agora só faltava ficar-lhe com o último brinde, haver para ela e nada para ele…então é que seria o bom e o bonito…
Foi recebida de modo caloroso por três senhoras:
-Bem-vinda à nossa organização. Neste momento estamos a precisar de completar a brigada de limpeza. Faça o favor de passar para a mesa da direita para receber o balde e a esfregona. O seu chefe vem mesmo aqui, atrás de si, e já a vai integrar…
E o senhor da simpatia inexcedível deu-lhe, de novo, a primazia:
-Vou tratar de si com todo o carinho. Como se chama Vexa?
Jorge C. Chora
Um tic, tic compassado de saltos altos, denunciou a presença da mesma dama que transitava pelo local pela quarta vez. Olhou de soslaio para a fila, como se de desgraçados se tratassem. Franziu o nariz e de repente, os olhos faiscaram-lhe. A fila tinha ganho vida. Começara a movimentar-se de um modo quase veloz e a desaparecer, como que engolida, pelas portas do luxuoso edifício.
De súbito, a senhora mudou de direcção e introduziu-se nos primeiros lugares da fila. Atrás de si estava um senhor de meia-idade, que além de nada lhe dizer, lhe sorriu de modo acolhedor. Olhou-o de soslaio e achou-o meio parvo. Ficara à sua frente e ele ainda a tratava como se ela estivesse a usufruir de um direito…. Agora só faltava ficar-lhe com o último brinde, haver para ela e nada para ele…então é que seria o bom e o bonito…
Foi recebida de modo caloroso por três senhoras:
-Bem-vinda à nossa organização. Neste momento estamos a precisar de completar a brigada de limpeza. Faça o favor de passar para a mesa da direita para receber o balde e a esfregona. O seu chefe vem mesmo aqui, atrás de si, e já a vai integrar…
E o senhor da simpatia inexcedível deu-lhe, de novo, a primazia:
-Vou tratar de si com todo o carinho. Como se chama Vexa?
Jorge C. Chora
quarta-feira, 5 de janeiro de 2011
Uma homenagem de sucesso
O seu andar assemelhava-se ao de um balão a quem retiravam o ar. Progredia aos saltos, a uma velocidade irregular. O pior era a sonoridade que acompanhava o seu problema de flatulência. Era uma autêntica metralha, só comparável aos ataques alemães da 1ª guerra.
A princípio incomodava-o imenso o problema de saúde e as suas consequências sociais. Depois, foi conseguindo um controlo maior, até porque se formara em medicina. Passou, com a idade, a conviver muito bem com o seu mal e adoptou um modo peculiar de avisar os incautos do que ia acontecer ou do que já acontecera, anunciando:
-Fora com quem não paga a renda! Rua, rua….rua…
- Valha-nos Stª Bárbara! – exclamavam apavorados, olhando para o céu à espera da queda dos obuses, aqueles que ainda não o conheciam.
Depois de o conhecerem limitavam-se a enumerar:
-E vão sete…oito….dez…
E a vida correu sem qualquer alteração, calçada abaixo, calçada acima, com a população a cruzar-se com o clínico, no percurso que este fazia entre a casa e o consultório, entrecortado por sonoridades e apelos a Stª Bárbara.
Um dia o homem morreu. Os seus conterrâneos discutiram a melhor forma de o homenagearem. Foram unânimes na decisão de lhe mandarem erigir um busto.
No dia da inauguração houve discursos e elogios. Ninguém bateu palmas porque sentiam que a cerimónia estava incompleta. Sem aviso prévio, desencadeou-se uma forte trovoada. A multidão, a uma só voz, clamou por Stª Bárbara. Seguiram-se fortes aplausos.
Nunca uma homenagem tivera tanto sucesso.
Jorge C. Chora
A princípio incomodava-o imenso o problema de saúde e as suas consequências sociais. Depois, foi conseguindo um controlo maior, até porque se formara em medicina. Passou, com a idade, a conviver muito bem com o seu mal e adoptou um modo peculiar de avisar os incautos do que ia acontecer ou do que já acontecera, anunciando:
-Fora com quem não paga a renda! Rua, rua….rua…
- Valha-nos Stª Bárbara! – exclamavam apavorados, olhando para o céu à espera da queda dos obuses, aqueles que ainda não o conheciam.
Depois de o conhecerem limitavam-se a enumerar:
-E vão sete…oito….dez…
E a vida correu sem qualquer alteração, calçada abaixo, calçada acima, com a população a cruzar-se com o clínico, no percurso que este fazia entre a casa e o consultório, entrecortado por sonoridades e apelos a Stª Bárbara.
Um dia o homem morreu. Os seus conterrâneos discutiram a melhor forma de o homenagearem. Foram unânimes na decisão de lhe mandarem erigir um busto.
No dia da inauguração houve discursos e elogios. Ninguém bateu palmas porque sentiam que a cerimónia estava incompleta. Sem aviso prévio, desencadeou-se uma forte trovoada. A multidão, a uma só voz, clamou por Stª Bárbara. Seguiram-se fortes aplausos.
Nunca uma homenagem tivera tanto sucesso.
Jorge C. Chora
domingo, 2 de janeiro de 2011
Por quem é!
A saúde da avó preocupava-o. A teimosia era outra fonte de inquietação. Recusava-se a ir ao médico e a fazer análises. Para ela estava tudo sempre bem, embora fosse notório que isso, nos últimos tempos, não correspondia à verdade.
A muito custo, conseguiu que ela fizesse análises. Colocou de lado os pequenos tubos de análise que o laboratório lhe tinha facultado. Usou os grandes frascos a que estava habituada. O neto agradeceu a colaboração, depositou os recipientes numa bolsa elegante e dirigiu-se ao metro.
Enquanto esperava, colocou o saco entre as pernas e esperou. Sentiu algo de estranho. Olhou para onde o saco estava e não o viu: ele desaparecera. Mau, pensou, depois da trabalheira que tivera para convencer a familiar, não vinha nada a calhar…
Tornou a observar à volta e viu um cavalheiro a caminhar apressado em direcção às escadas, com a bagagem que era sua, na mão.
-Agarrem o ladrão do casaco aos quadrados - gritou apontando na sua direcção.
O vigilante que descia as escadas, lançou-lhe a mão e imobilizou-o.
-Olhe, simplesmente estou chocado com a sua atitude, não sei o que se está a passar! – protestou o cavalheiro, de modo agastado, olhando
para aquele pelintra de calças de ganga, vestido de modo vulgar, que tinha tido a ousadia de o interpelar daquele modo.
-Bom … - disse constrangido o jovem – é que esses frascos…
E o homem, dando uma rápida olhadela ao conteúdo, interrompeu-o:
-Os frascos são meus! Um tem licor de tangerina…
-E o outro?
-O outro, se quer que lhe diga, não me recordo, mas basta-me cheirá-lo e digo-lhe de imediato…
O jovem sorriu e concedeu-lhe o desejo:
-Por quem é! Faça o favor!
Jorge C. Chora
A muito custo, conseguiu que ela fizesse análises. Colocou de lado os pequenos tubos de análise que o laboratório lhe tinha facultado. Usou os grandes frascos a que estava habituada. O neto agradeceu a colaboração, depositou os recipientes numa bolsa elegante e dirigiu-se ao metro.
Enquanto esperava, colocou o saco entre as pernas e esperou. Sentiu algo de estranho. Olhou para onde o saco estava e não o viu: ele desaparecera. Mau, pensou, depois da trabalheira que tivera para convencer a familiar, não vinha nada a calhar…
Tornou a observar à volta e viu um cavalheiro a caminhar apressado em direcção às escadas, com a bagagem que era sua, na mão.
-Agarrem o ladrão do casaco aos quadrados - gritou apontando na sua direcção.
O vigilante que descia as escadas, lançou-lhe a mão e imobilizou-o.
-Olhe, simplesmente estou chocado com a sua atitude, não sei o que se está a passar! – protestou o cavalheiro, de modo agastado, olhando
para aquele pelintra de calças de ganga, vestido de modo vulgar, que tinha tido a ousadia de o interpelar daquele modo.
-Bom … - disse constrangido o jovem – é que esses frascos…
E o homem, dando uma rápida olhadela ao conteúdo, interrompeu-o:
-Os frascos são meus! Um tem licor de tangerina…
-E o outro?
-O outro, se quer que lhe diga, não me recordo, mas basta-me cheirá-lo e digo-lhe de imediato…
O jovem sorriu e concedeu-lhe o desejo:
-Por quem é! Faça o favor!
Jorge C. Chora
sábado, 1 de janeiro de 2011
Com os pés de fora
Acordou zangada.Com quem, com o quê? Não sabia. Pura e simplesmente acordou assim. Os da casa, pé ante pé, rasparam-se. Foi ao frigorífico e verificou que não havia quase nada.
A contra gosto foi ao supermercado. Teve de encher o carrinho para colmatar as falhas caseiras. Irritada foi-o empurrando, com brusquidão, até que este chocou, com estrondo, contra a caixa. À sua frente estavam alguns clientes que saltaram assustados. Gozou interiormente com o sucedido e acalmou-se um bocado. Foi enchendo com as suas compras o tapete rolante.
Quando chegou a vez de ser atendida, a jovem empregada olhou para a quantidade de produtos que a cliente tinha e, quase a medo, disse-lhe:
-Peço-lhe desculpa…esta caixa é destinada a quem tiver dez ou menos artigos…
-Essa agora…era o que me faltava…nunca me tinha acontecido… - e espumava de fúria.
Condescendente, a caixeira propôs-lhe uma solução:
-Vamos dividir as suas compras em grupos de dez e vai-os pagando, um a um, porque deste modo a caixa aceita o registo.
-Então tenho de pagar às parcelas …às pinguinhas?
-Sim, mas é preciso que as pessoas que estão atrás de si a autorizem…
-Mau… se eu estou primeiro do que elas… - interrompeu, sentindo a fúria crescer-lhe de novo.
A cliente logo atrás, apressou-se a dar-lhe o consentimento. A jovem funcionária, facturou os primeiros dez artigos.
Com um evidente mau humor e um sorriso sarcástico, a cliente retirou do fundo da sua carteira, uma enorme bolsa de pano. Abriu-a e foi despejando dezenas e dezenas de cêntimos enquanto ordenava:
-Vá fazendo as contas e pagando os lotes…
A jovem reprimiu uma gargalhada e respondeu-lhe:
-Agora é que eu não posso ajudá-la. Nesta caixa só se aceitam cartões de crédito ou de débito! – e apontou-lhe as regras escritas no letreiro.
Duas horas depois, a senhora continuava a recolher os cêntimos que espalhara pelo balcão, murmurando:
-Ora abóboras…ora abóboras…
Jorge C. Chora
A contra gosto foi ao supermercado. Teve de encher o carrinho para colmatar as falhas caseiras. Irritada foi-o empurrando, com brusquidão, até que este chocou, com estrondo, contra a caixa. À sua frente estavam alguns clientes que saltaram assustados. Gozou interiormente com o sucedido e acalmou-se um bocado. Foi enchendo com as suas compras o tapete rolante.
Quando chegou a vez de ser atendida, a jovem empregada olhou para a quantidade de produtos que a cliente tinha e, quase a medo, disse-lhe:
-Peço-lhe desculpa…esta caixa é destinada a quem tiver dez ou menos artigos…
-Essa agora…era o que me faltava…nunca me tinha acontecido… - e espumava de fúria.
Condescendente, a caixeira propôs-lhe uma solução:
-Vamos dividir as suas compras em grupos de dez e vai-os pagando, um a um, porque deste modo a caixa aceita o registo.
-Então tenho de pagar às parcelas …às pinguinhas?
-Sim, mas é preciso que as pessoas que estão atrás de si a autorizem…
-Mau… se eu estou primeiro do que elas… - interrompeu, sentindo a fúria crescer-lhe de novo.
A cliente logo atrás, apressou-se a dar-lhe o consentimento. A jovem funcionária, facturou os primeiros dez artigos.
Com um evidente mau humor e um sorriso sarcástico, a cliente retirou do fundo da sua carteira, uma enorme bolsa de pano. Abriu-a e foi despejando dezenas e dezenas de cêntimos enquanto ordenava:
-Vá fazendo as contas e pagando os lotes…
A jovem reprimiu uma gargalhada e respondeu-lhe:
-Agora é que eu não posso ajudá-la. Nesta caixa só se aceitam cartões de crédito ou de débito! – e apontou-lhe as regras escritas no letreiro.
Duas horas depois, a senhora continuava a recolher os cêntimos que espalhara pelo balcão, murmurando:
-Ora abóboras…ora abóboras…
Jorge C. Chora
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