terça-feira, 27 de fevereiro de 2018

OS SUSPENSÓRIOS DO CHINÊS



Comprei num hipermercado,

um artigo chinês,

uns suspensórios  

de tiras azuis e brancas,

com tudo o que os outros têm,

e a um preço catita.

Na primeira vez

que os usei, saiu-lhe

da mola, a tira do lado direito;

dei-lhe um nó e desliguei.

À tarde tive de atar

a tira do lado esquerdo,

e à tardinha saiu-me

a de trás: lancei-os janela fora.

Nunca comprei nada tão caro,

pois de nada valia trocá-los,

já que a ida à loja sair-me-ia tão cara,

quanto eles me tinham custado.

O raio dos suspensórios do chinês!



Jorge C. Chora

27/2/2018

sábado, 24 de fevereiro de 2018

OS ERICEIRENSES


OS Ericeirenses e não só,

 vão à praia envoltos em

nevoeiro matinal,

mergulham em águas gélidas

e podem fazer concursos

de pele de galinha.

Uma chusma de locais, estrangeiros

e nacionais, opta por uma segunda

pele: são adoradores de ondas,

que cavalgam pranchas,

e apreciam convívios sadios,

nas praias que se estendem

do Sul à dos Pescadores,

passando pela do Algodio,

até à lendária Ribeira D’Ilhas,

paraíso e meca dos surfistas

em Portugal.

No final do dia,

deleitam-se com os peixes

e mariscos do mar da Ericeira.

A feiticeira do mar,

abre os braços e continua

a enfeitiçar os seus moradores,

e a velar até pelos que

lhe viraram as costas.

Jorge C. Chora

24/2/2018





sexta-feira, 23 de fevereiro de 2018

UMA BEIRÃ QUE NÃO SE QUEIXA





Qualquer ai teu
me espanta,
pois sei que
não és menina de aiar,
embora sejas das terras
do ai eu, ai eu,
daí que um
ai teu, seja,
meu Deus, uma
grande preocupação.

Jorge C. Chora

23/2/2018


quinta-feira, 22 de fevereiro de 2018

O CONSELHEIRO DA CONVERSADEIRA


Sentava-se no banco de pedra da conversadeira, na amurada junto ao mar, pelas dez horas da manhã. Os frequentadores locais guardavam-lhe o lugar. Trouxera boa fama ao sítio, outrora mal frequentado.
Às dez em ponto o senhor, que era alto e gordo, chegou. Minutos depois surgiram três gatos vadios, companheiros assíduos que pressentiam a sua chegada e por ali se deixavam estar enquanto ele ali permanecia.
Ninguém sabia ao certo o que ele fazia ou sequer se trabalhava. O que todos reconheciam era a sua simpatia e disponibilidade para conversar. Criou fama de trazer sorte a todo o tipo de namorados que com ele dialogavam: os laços que os uniam, daí em diante reforçavam-se e as paixões tornavam-se duradouras.
Com o tempo firmou créditos e passou a ser designado como Conselheiro. O sr. Conselheiro isto…o sr. Conselheiro aquilo…
Não tardou muito até que a sua fama se estendesse a outros públicos para além dos apaixonados. Começaram a rondar o local toda a espécie de investidores e homens de negócios mas sem quaisquer resultados práticos ou melhor, todos eles com algo em comum: todos acabaram por falir.
Um belo dia chegou ao local outro homem, também alto e gordo, que abraçou efusivamente o Conselheiro. Intrigados, verificaram, que não conseguiam saber qual deles era o Conselheiro: eram irmãos gémeos.
E foi aí que deslindaram o que se passava. O recém-chegado, tão loquaz quanto o irmão, explicou: este meu irmão é o homem mais bondoso que conheço. É conselheiro matrimonial e poeta. Quanto a negócios é o mais azarado…entregou-me a mim os negócios e agora vive feliz e contente.
A partir desse dia, durante uma hora, as duas conversadeiras ficaram reservadas aos dois manos: a da esquerda é frequentada pelos namorados e a da direita pelos negociantes.
Ninguém mais foi à falência.
Se a leitora(or) tem vontade de amar e de fazer bons negócios, já sabe: procure ouvir de modo crítico os conselheiros das conversadeiras, que os há um pouco por todo o lado e acima de tudo, não confunda negócios e amor que este é algo muito mas muito especial.

Jorge C. Chora

21/2/2018

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A CANÇÃO DO GULOSO



Ai como adoro
apertar sem magoar,
bailar sem dançar,
cometer aquele pecado
grande e saboroso,
devorar um gigantesco
chocolate,
que só me faz mal
e sabe tão bem.
Ai que bom é pecar,
comer um chocolate
do tamanho de uma
baleia, um bocado agora,
outro depois,
sem guardar para logo,
que esse, já o tenho no bolso,
junto à insulina.

Jorge C. Chora

19/2/2018

domingo, 18 de fevereiro de 2018

A MARCHA DOS FIGURÕES



Marcham os figurões,
semeando a cada passo canhões,
nas bermas fuzis,
no ar aviões,
que transportam desgraças,
de mão dada com o troar
das botas e o ribombar dos tambores
e tudo isto fazem e desfazem,
para dizerem que quem manda aqui
são eles, só eles, os grandes figurões.

Jorge C. Chora
18/2/2018

sábado, 17 de fevereiro de 2018

AS MÃOS EM CONCHA


Coloco as mãos em concha
para receber as tuas,
mas preferes retirá-las
e beijar as minhas,
deixando-me o sabor
e o calor dos teus lábios,
acrescido do aveludado das tuas mãos.
Que bom é colocar as mãos em concha,
aconchegar as tuas mãos,
sentir o teu perfume
e retribuir o teu beijo…
 Jorge C. Chora
17/2/2018

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

RESPOSTA PRONTA


Sentada ao meu colo, a pequena Caetana, com dois anos feitos o mês passado, é alvo de uma brincadeira da avó:
- Também quero colo…esse colo é meu…
Caetana olha-a e finge não a ouvir.
-Esse colo é meu… -torna a avó.
-Não, não é…és muito grande para estares ao colo do avô… -reage.
-Não sou não…
-Sim… és! - e, acto contínuo, tira a chucha da boca, estende-a à avó e ordena – Toma a chucha e vai
para a cama.
A seguir ri-se e anicha-se no meu colo com um ar vitorioso. Segundos depois, estende os braços e pede:
-Avó, quero colo!

Jorge C. Chora

terça-feira, 13 de fevereiro de 2018

HOMEM GRANDE



O “Abatanado” sorri de modo triste. Os seus óculos à aviador, com a lente direita fragmentada, semelhante a uma teia de aranha, deixam ver os olhos que denotam uma ausência de alegria, um conformismo forçado.

Roubaram-lhe a bicicleta, companheira inseparável das travessias das ruas e avenidas em alta velocidade, de rádio a tiracolo e imaginação galopante, dançando em duas rodas, prenúncio de outras danças que efectua apeado, acompanhado pelo som  que rompe e se metamorfoseia em estonteantes giros e contorções rítmicas.

Roubaram-lhe a sua fiel companheira e queixa-se, em voz baixa e sentida:

-São uns bandidos! O que faço sem ela…

Pela tardinha revejo o “Abatanado”, em alta velocidade, numa bicicleta pequena, muito pequenina, com um grande sorriso estampado e música que jorra do rádio em forma de tubo, que aperta no sovaco.

- Ela não é muito pequena para ti? - perguntam-lhe.

-É verdade… mas assim sinto-me grande! Tenho de lhe colocar um assento mais alto e fica tudo bem…

E o Abatanado torna a sorrir, usufruindo da sua grandeza, resultante do contraste entre o seu tamanho e o da sua nova bicicleta.

-Agora sou um homem grande! – e sorri feliz, o Rafael que todos conhecem com “Abatanado”.



Jorge C. Chora

 13/2/2018

domingo, 11 de fevereiro de 2018

ETERNA SEXTA-FEIRA SANTA




Ser católico recasado,

é estar no paraíso

e não aceder ao leite

nem ao mel,

privar-se do aveludado

que recompensa as

agruras da vida,

transformar a existência

numa eterna Sexta-Feira Santa,

jejuar o bom e o bombom,

ser condenado à castidade,

com um castigo mais que infernal,

sem qualquer esperança

de um dia chegar o domingo

e a festa pascal.



Jorge C. Chora
11/2/2018

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

DIÁLOGO MATINAL



Todas as manhãs, no café do bairro, primeiro entra a canadiana e só depois, muito depois, surge a respectiva dona. Trôpega, move-se com esforço. Estalam os ossos e quase sentimos as dores excruciantes que acompanham os passos que dá.

À medida que se locomove, mexe os lábios e não produz qualquer som. Optou por dizer palavras inaudíveis, queixas mudas: adivinham-se palavrões cabeludos, nada ofensivos porque não se ouvem, bastante comedidos porque nada proporcionais às enormes dores que tem.
Cumprimenta o senhor que se senta à mesa do canto do café:


-Bom dia …como passou a noite? - e faz um esgar, tocando nas pernas, na cabeça e no ombro.

Está lançada a conversa. Engatilha a história do que padeceu à noite.O cavalheiro vai assentindo com a cabeça e sorri. Não percebeu praticamente nada do que a senhora disse, embora saiba que ela se queixa das maleitas de que sofre. O monólogo tem certa duração: cerca de quinze minutos.

Aguenta de modo estóico o quarto de hora da praxe. O jornal aguarda a oportunidade de ser lido.
Na hora da despedida, a idosa senhora, sorri, quase feliz e confortada e despede-se:


-Amanhã também é dia! Cá nos encontraremos …tenha um bom dia.

-Bom dia minha senhora. Cá nos encontraremos…

E o jornal, cansado de esperar, quase se abre sozinho, esparramando-se por cima da chávena de café gelada.



Jorge C. Chora

7/2/2018