Gabava-se de fazer tudo depressa e bem. Ninguém o vira fazer fosse o que fosse e muito menos depressa. Quando o interrogavam sobre essa sua afirmação, sorria e dizia:
-Então não sabem que depressa e bem não há quem!
-Mau, então por que continua a dizer que faz tudo depressa e bem?
-Porque o faço em pensamento!
-Mas isso não vale! É batota! – reclamavam os ouvintes.
-Por isso me chamam …
- Aldrabão? batoteiro?… - alvitraram.
Os ouvintes olharam-no ainda mais desconfiados quando o viram iniciar a subida dos degraus da igreja.
-O que é que ele vai fazer? – interrogaram-se, surpresos, ao vê-lo entrar no templo.
Três minutos e alguns segundos depois, cronometrados pelo “Bigodes”, o mais intrigado dos espectadores, saiu ligeiro, em passo atlético ,o homem que fazia tudo bem e depressa.
-Foi confessar-se? Tão depressa? – questionaram-no os curiosos que o aguardavam.
-Não, fui rezar e se acham que foi pouco tempo, fiquem sabendo que ofereci ao Senhor nada mais, nada menos, do que noventa orações…
-Noventa orações em três minutos? – espantaram-se os presentes.
-Claro! Éramos trinta crentes, contando comigo, e rezámos três Avé Marias cada um… o que perfaz uma oferta de noventa orações em tempo recorde. A conta está certa!
Jorge C. Chora
quinta-feira, 17 de março de 2011
terça-feira, 8 de março de 2011
Falta colectiva
Perdera o conto aos anos que tinha. Eram tantos que resolveu imitar a sua falecida mulher e respectivas amigas: começou a contá-los para trás. Ainda assim estava nos setenta e cinco anos.
A família estava surpresa com a vontade, por ele manifestada, de se inscrever na Universidade da 3ª idade. Nunca quisera saber de estudos, leituras e outras “esquisitices”desse calibre, como costumava dizer.
O mistério durou semanas e intrigou os familiares de imensos idosos. Assistiam a uma espécie de febre cognitiva tardia, que grassou como uma epidemia, fortalecendo as vontades serôdias de mergulhar na cultura, bebê-la, vivenciá-la.
Espanto dos espantos, foi logo aproveitado pelos filhos para apontar os avós como exemplo de estudo, da valia dos mesmos, independentemente da idade.
No dia da abertura das aulas, a turma dos mais idosos compareceu em peso. Trinta avôs e alguns bisavôs, à hora exacta, estavam à porta da sala esperando a professora. No fim do corredor surgiu uma mulher altíssima, de uma elegância a toda a prova, de cerca de cinquenta anos, trajando um vestido que pedia meças a Dior, Balenciaga ou qualquer outro costureiro da mesma craveira.
-Bom dia senhora professora – cumprimentaram jovialmente os seus alunos.
-Bom dia meus senhores – retribuiu a professora, sorrindo de um modo agradabilíssimo à receptiva assistência, enquanto pedia que os alunos fizessem o favor de se sentarem.
Acomodada a turma, a professora iniciou a apresentação:
-Venho dar-vos a boas vindas e comunicar-vos que a minha mãe, por motivos de organização de horários, será a vossa professora.
No dia seguinte, à hora aprazada, só a mestra compareceu. Uma hora depois ,olhou para o relógio e exclamou, furiosa:
-Falta colectiva!
Jorge C. Chora
A família estava surpresa com a vontade, por ele manifestada, de se inscrever na Universidade da 3ª idade. Nunca quisera saber de estudos, leituras e outras “esquisitices”desse calibre, como costumava dizer.
O mistério durou semanas e intrigou os familiares de imensos idosos. Assistiam a uma espécie de febre cognitiva tardia, que grassou como uma epidemia, fortalecendo as vontades serôdias de mergulhar na cultura, bebê-la, vivenciá-la.
Espanto dos espantos, foi logo aproveitado pelos filhos para apontar os avós como exemplo de estudo, da valia dos mesmos, independentemente da idade.
No dia da abertura das aulas, a turma dos mais idosos compareceu em peso. Trinta avôs e alguns bisavôs, à hora exacta, estavam à porta da sala esperando a professora. No fim do corredor surgiu uma mulher altíssima, de uma elegância a toda a prova, de cerca de cinquenta anos, trajando um vestido que pedia meças a Dior, Balenciaga ou qualquer outro costureiro da mesma craveira.
-Bom dia senhora professora – cumprimentaram jovialmente os seus alunos.
-Bom dia meus senhores – retribuiu a professora, sorrindo de um modo agradabilíssimo à receptiva assistência, enquanto pedia que os alunos fizessem o favor de se sentarem.
Acomodada a turma, a professora iniciou a apresentação:
-Venho dar-vos a boas vindas e comunicar-vos que a minha mãe, por motivos de organização de horários, será a vossa professora.
No dia seguinte, à hora aprazada, só a mestra compareceu. Uma hora depois ,olhou para o relógio e exclamou, furiosa:
-Falta colectiva!
Jorge C. Chora
terça-feira, 1 de março de 2011
O fim do jasmineiro
À medida que ia anoitecendo, um cheiro pastoso, pesado, adocicado, foi-se libertando do jasmineiro. Gotas de suor escorriam-lhe da testa, por mais que a limpasse. Não se sentia bem e o cheiro fazia com que se sentisse pior. Um enjoo crescente foi-se apoderando de si. O calor e o cheiro tornaram-se insuportáveis. No verão era sempre assim. Quase uma agonia.
Esse Verão estava a ser o pior de todos. A agravar o seu mal-estar estava a visão que tivera ao ver a bela Sereia, era assim que designava a mulher que lhe surgia em sonhos, sentada numa esplanada da rua de Santo António, em pleno centro da cidade.
Tantas vezes sonhara com aquela mulher. A visão estava em definitivo remetida para o arquivo da imaginação, do delírio, do irreal, da máxima utopia. Foi num dia ensolarado que a viu. Reclinada na cadeira com o cotovelo esquerdo apoiado na mesa, com a cabeça inclinada para trás e os longos cabelos encaracolados caiando-lhe em cascata, reluzindo ao sol.
Extasiado, parou a observá-la. Nada, mas absolutamente nada lhe desagradava naquela mulher. Os olhos redondos e verdes, o bronzeado delicado, o modo como gesticulava, o riso contido, intercalado com um sorriso de outro mundo. Estava acompanhada por outra mulher, mas nem sequer reparou nela. De repente passou-lhe em frente um numeroso grupo de turistas. Quando acabaram de passar, o objecto da sua contemplação desaparecera.
Em pânico percorreu a rua de um topo a outro. Cortou pelas transversais e tornou ao mesmo local, um sem número de vezes. Esfumara-se.
A partir daí, o calor tornara-se mais feroz e o cheiro ainda pior. A sua visão, o seu sonho, esfarelaram-se perante os seus olhos sem dó nem piedade .Era atroz só de pensar, quanto mais sabendo que ela existia e desaparecera assim, sem mais nem menos da sua vida. Ficara sem saber rigorosamente nada dela.
Sabia que existia, que afinal o sonho era uma realidade palpável.
Naquele entardecer, sentado à varanda, nauseado pelo maldito calor e o fedorento perfume a jasmim, o coração parou de bater. Viu aproximar-se do muro do seu jardim, a Sereia, num passo elegante e rápido. Tremeu de emoção. Não perderia a oportunidade de entabular um diálogo, estabelecer um contacto, de iniciar uma relação que aprofundaria até ao âmago do seu ser.
Levantou-se da varanda e aproximou-se do lado esquerdo do muro, ao mesmo tempo que a Sereia, sem o ver, levantava de um modo suave a sua pequena saia à frente, agarrava no seu pénis e urinava no jasmineiro.
No dia seguinte o nosso sonhador mandou cortar o jasmineiro.
Jorge C. Chora
Esse Verão estava a ser o pior de todos. A agravar o seu mal-estar estava a visão que tivera ao ver a bela Sereia, era assim que designava a mulher que lhe surgia em sonhos, sentada numa esplanada da rua de Santo António, em pleno centro da cidade.
Tantas vezes sonhara com aquela mulher. A visão estava em definitivo remetida para o arquivo da imaginação, do delírio, do irreal, da máxima utopia. Foi num dia ensolarado que a viu. Reclinada na cadeira com o cotovelo esquerdo apoiado na mesa, com a cabeça inclinada para trás e os longos cabelos encaracolados caiando-lhe em cascata, reluzindo ao sol.
Extasiado, parou a observá-la. Nada, mas absolutamente nada lhe desagradava naquela mulher. Os olhos redondos e verdes, o bronzeado delicado, o modo como gesticulava, o riso contido, intercalado com um sorriso de outro mundo. Estava acompanhada por outra mulher, mas nem sequer reparou nela. De repente passou-lhe em frente um numeroso grupo de turistas. Quando acabaram de passar, o objecto da sua contemplação desaparecera.
Em pânico percorreu a rua de um topo a outro. Cortou pelas transversais e tornou ao mesmo local, um sem número de vezes. Esfumara-se.
A partir daí, o calor tornara-se mais feroz e o cheiro ainda pior. A sua visão, o seu sonho, esfarelaram-se perante os seus olhos sem dó nem piedade .Era atroz só de pensar, quanto mais sabendo que ela existia e desaparecera assim, sem mais nem menos da sua vida. Ficara sem saber rigorosamente nada dela.
Sabia que existia, que afinal o sonho era uma realidade palpável.
Naquele entardecer, sentado à varanda, nauseado pelo maldito calor e o fedorento perfume a jasmim, o coração parou de bater. Viu aproximar-se do muro do seu jardim, a Sereia, num passo elegante e rápido. Tremeu de emoção. Não perderia a oportunidade de entabular um diálogo, estabelecer um contacto, de iniciar uma relação que aprofundaria até ao âmago do seu ser.
Levantou-se da varanda e aproximou-se do lado esquerdo do muro, ao mesmo tempo que a Sereia, sem o ver, levantava de um modo suave a sua pequena saia à frente, agarrava no seu pénis e urinava no jasmineiro.
No dia seguinte o nosso sonhador mandou cortar o jasmineiro.
Jorge C. Chora
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