No início da década de sessenta, tinha eu acabado de fazer
10 anos, viajei sozinho entre a Beira(Moçambique) e Lisboa.
A viagem durou uma imensidade de horas, até porque aterrámos
em diversos aeroportos antes de chegarmos ao destino. Embora estivesse
habituado a andar de avião, pois nas férias voava entre a Beira e Lourenço
Marques, foi a primeira vez que andei no “Super Constellation”. Este modelo da
TAP, era um quadrimotor, bem maior do que os “Dakotas”, mais silencioso do que
este, embora também algo ruidoso.
Um tio foi buscar-me e levou-me para casa de uma tia avó, na
Estrela. As novidades não cessavam. O bairro espantou-me. Nunca tinha visto
casas tão antigas e ruas tão estreitas. O cheiro a sardinha assada e a peixe frito,
sentia-se um pouco por todo o lado. Ambientei-me rapidamente.
A família incentivou-me a conhecer o local e,
principalmente, o Jardim da Estrela, já que era ao lado da rua onde estava.
Aproveitei e fui. Gostei e senti-me em casa ao ver alguns pequenos relvados.
Deitei-me de barriga para baixo num dos relvados, usufruindo
a tranquilidade existente. De repente senti uma dor numa perna, semelhante a um
súbito escaldão. Levantei-me num pulo sem perceber o que estava a acontecer. À
minha frente estava um homem que me tinha dado uma enorme palmada na perna nua,
pois estava de calções, e me disse:
-O relvado é para descansar?
Revoltado e meio aparvalhado com o sucedido, ainda olhei
para o chão à procura de algo com que me pudesse defender, mas o homem
desapareceu. Era um guarda do Jardim!
Acabrunhado, ao chegar a casa, explicaram-me que os relvados,
serviam só para descansar, não o corpo, mas os olhos e reforçavam:
-Só os olhos, meu menino!
Era assim naquela época.
Jorge C. Chora