quinta-feira, 30 de novembro de 2017

O SENHOR MARQUÊS/CRIANÇAS



Era uma vez um marquês
que adorava peúgas de xadrez,
 desprezava os camponeses,
 era muito pouco cortês,
e senhor de grande desfaçatez.

Por mérito e honradez,
ao título de senhor fez jus,
o filho do camponês,
o que o marquês nunca fez,
por falta de qualidade e lucidez.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 24 de novembro de 2017

A REACÇÃO DA CAETANA



Caetana, a minha pequena neta, tem tanto de anjo como de pequeno demónio.
Mexe-se o dia inteiro e só se cala quando tem a boca cheia, de comida ou de frases que se atropelaram e ficaram retidas, à espera de vez para saírem.

Há uma semana, a avó afadigava-se, sem sucesso, para lhe mudar a fralda. Em cima da cama, saltava e esperneava furiosa, pois não queria mudá-la.

-Ó Caetana, tu és marota… -dizia-lhe a avó.

Sacudiu os caracóis louros, aborrecida com a cantilena, os seus olhos verdes a faiscarem, respondeu prontamente:

-Não…não “avójinha”… a Caetana é fofinha…

E não sossegou enquanto a avó não disse, de modo convincente:

-A Caetana é fofinha…muito, muito fofinha…

E aí a doce Caetana, pactuou:

-Um beijo avó …

  A avó, enquanto a foi beijando, ela foi repetindo:

-A Caetana é fofinha…


Jorge C. Chora

segunda-feira, 20 de novembro de 2017

NINHO


De norte a sul,
uma troca de olhares,
um afago na alma
e um beijo na mão,
tecem um ninho
entre quem se quer bem,
com os fios do cuidado
de quem muito bem se quer.


Jorge C, Chora

domingo, 19 de novembro de 2017

A PALMADA DO TROGLODITA



No início da década de sessenta, tinha eu acabado de fazer 10 anos, viajei sozinho entre a Beira(Moçambique) e Lisboa.

A viagem durou uma imensidade de horas, até porque aterrámos em diversos aeroportos antes de chegarmos ao destino. Embora estivesse habituado a andar de avião, pois nas férias voava entre a Beira e Lourenço Marques, foi a primeira vez que andei no “Super Constellation”. Este modelo da TAP, era um quadrimotor, bem maior do que os “Dakotas”, mais silencioso do que este, embora também algo ruidoso.

Um tio foi buscar-me e levou-me para casa de uma tia avó, na Estrela. As novidades não cessavam. O bairro espantou-me. Nunca tinha visto casas tão antigas e ruas tão estreitas. O cheiro a sardinha assada e a peixe frito, sentia-se um pouco por todo o lado. Ambientei-me rapidamente.

A família incentivou-me a conhecer o local e, principalmente, o Jardim da Estrela, já que era ao lado da rua onde estava. Aproveitei e fui. Gostei e senti-me em casa ao ver alguns pequenos relvados.
Deitei-me de barriga para baixo num dos relvados, usufruindo a tranquilidade existente. De repente senti uma dor numa perna, semelhante a um súbito escaldão. Levantei-me num pulo sem perceber o que estava a acontecer. À minha frente estava um homem que me tinha dado uma enorme palmada na perna nua, pois estava de calções, e me disse:

-O relvado é para descansar?

Revoltado e meio aparvalhado com o sucedido, ainda olhei para o chão à procura de algo com que me pudesse defender, mas o homem desapareceu. Era um guarda do Jardim!

Acabrunhado, ao chegar a casa, explicaram-me que os relvados, serviam só para descansar, não o corpo, mas os olhos e reforçavam:

-Só os olhos, meu menino!

Era assim naquela época.


Jorge C. Chora

sábado, 18 de novembro de 2017

A FEBRE DA CAETANA



A minha neta Caetana gosta mais de colo do que eu de chocolate. Tem vinte e dois meses e saltita, como é seu hábito, em redor da avó, sempre à procura daquilo que sabemos. Há dias, procurou chamá-la à atenção, pois ela estava ocupada momentaneamente a arrumar já não sei bem o quê:
-Avó…avozinha, tenho febre…
-Tens febre?
-Sim…sim… -respondeu em tom pesaroso.
-Tens febre onde? -perguntou com voz de mimo a avó.
-Aqui…no “cajaco” - e apontava para o lado direito do seu casaquinho cor-de-rosa, recheado de pequenas estrelas, com um ar muito sério.
E a avó pegou-a ao colo e passado um bocado perguntou-lhe:
-Ainda tens febre?
-Não…já passou avozinha.
Quem sabe, sabe !


Jorge C. Chora

quinta-feira, 16 de novembro de 2017

UM BEIJO A MEU GOSTO



A poesia é um
vai-te embora sufoco,
um beijo a meu gosto,
um agasalho de inverno,
uma brisa de verão,
a correria de uma ema,
um mergulho em seios
turgidos de leite e liberdade.



Jorge C. Chora

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

OS SAPATOS DO SEFUNTO


É muito raro utilizar o táxi como transporte. Nestas duas semanas usei-o mais do que nas últimas décadas, em virtude de estar impossibilitado de conduzir, por alguns dias, por motivo de saúde.

Ao passar num terreno anexo ao cemitério de Benfica, o motorista contou-me uma história curiosa que aconteceu com o seu falecido pai.

Ao velório do pai compareceram as várias mulheres que ele teve, num clima de paz e pesar colectivo. O condutor calou-se em relação à prole do falecido, mas qualquer coisa me disse que o progenitor era capaz de ser do tipo Abraão, pai de uma multidão.

No dia do funeral, ao chegar ao local do velório, achou qualquer coisa de esquisito, parecendo-lhe que o cadáver tinha sido mexido. Foi investigar e descobriu o que havia de estranho: o pai estava sem sapatos.

Indagou o que estava a acontecer e respondeu-lhe a viúva:

-Os sapatos são novos. Ele não vai precisar deles para o sítio onde vai!

Ia perdendo a cabeça. Ordenei-lhe que os fosse buscar:

-Vá buscá-los imediatamente.

E o velho motorista, pesaroso concluiu:

-Está a ver… no dia da ressurreição, o coitado a comparecer sem sapatos!

- Inconcebível! - concordei eu, pensando que alguém ficara, na época, sem a herança e que continuaria a andar descalço por essas ruas fora.

Felizmente, nos dias de hoje, ninguém fica à espera dos sapatos do defunto como outrora
porque, tal como neste caso  ”quem espera por sapatos de defunto morre descalço”.


Jorge C. Chora

segunda-feira, 6 de novembro de 2017

MÃES

     
Mães são elos
de puro amor,
divindades ofertadas
ao mundo por Deus,
nos dias em que a felicidade
se une à responsabilidade
e a ternura está presente.


Jorge c. Chora