segunda-feira, 31 de julho de 2023

AVÓS

 

São potes de mel,

derretidos,

ao verem os netos,

ainda que eles sejam,

as maiores pestes,

ou não fossem os avós,

verdadeiros favos de mel.

     Jorge C. Chora

      31/7/2023

sábado, 22 de julho de 2023

SONHAR

 

Sonhos, todos os temos,

e é muito bom tê-los.

Sonhar é desejar,

e quem vive, algo quer,

mesmo quando finge

nada querer ou ambicionar:

sonhar e desejar,

são faces do mesmo sentir

e quem não sonha não vive

ou desistiu de viver

 e já nada quer, sonha ou deseja.

Está morto e não quer saber!

      Jorge C. Chora

        22/7/2023

terça-feira, 18 de julho de 2023

PÁSSARO ENGAIOLADO


Se eu fosse um pássaro

e estivesse engaiolado,

viveria assaz aborrecido.

Nunca me ouviriam o canto,

exceto se a carcereira permitisse

que o seu lábio debicasse,

a porta da prisão abrisse

e na sua gaiolinha me guardasse!

     Jorge C. Chora

        18/7/2023

 

  

sábado, 15 de julho de 2023

VIOLA DEDILHADA

 

 A namorada corria

 a dedilhar a viola,

mal o sentia subir a escada,

de modo a ser ouvida,

já possuída de um frenesim,

à espera do costumeiro festim.

Ela sabia e nunca se esquecia,

do velho hábito do namorado:

 ia contando pelos dedos,

 o número de acordes que ouvia

e as carícias que lhe daria,

ao alcançar a sua moradia.

 Recebia-o nua e preparada,

para a festa esperada

e sabiamente distribuída,

por cada poro da sua amada.

E de tanto dedilhar a sua guitarra,

ela já quase tocava sozinha,

ao ouvi-lo subir a escada.

     Jorge C. Chora

      15/7/2023

 

sexta-feira, 14 de julho de 2023

LIVRA!

 

Um dia, trouxe-me o vento,

um beijo sem remetente:

nem sequer lhe toquei

e muito menos o aceitei.

Houve quem o fizesse,

e sem perceber, seguisse

diretamente para o inferno,

de mão dada a um condenado

que não queria ir desacompanhado!

Jorge C. Chora

14/7/2023

quarta-feira, 12 de julho de 2023

DIVINDADES

 

Não se dispensam,

são adoradas,

mas muito complicadas:

um dia gostam,

noutro desgostam

e nos dias seguintes,

voltam a gostar!

Sabedoria não lhes falta

e sabem dar-nos a volta,

confundir-nos a seu bel-prazer:

hoje adoram salamaleques,

amanhã detestam queques,

e classificam-nas como mariquices!

São um doce enigma:

emanam ricos aromas

e sabores, como diz Pessoa:

 primeiro se estranha,

 e depois se entranha;

dia sim, dia não, até picos têm,

tal qual a coca-cola!

Mas, na verdade, não se dispensam,

ou não tivesse o Senhor,

tal como o padeiro cuidadoso,

dotado o pão, com uma

miraculosa racha, que faz 

as divindades perfeitas e acabadas.

Jorge C. Chora

12/7/2023

terça-feira, 11 de julho de 2023

O TEU OLHAR

 


O teu olhar é traiçoeiro,

mesmo que não queiras,

denuncia-te por inteiro,

o que sentes e o que desejas.

Abençoada seja tal traição,

poupa-me a uma confissão,

e também evita pedir-te perdão,

embora tenha sido algo cruel,

por não te ter colocado na mão,

um pedido, um beijo e um anel.

     JORGE C. CHORA

      11/7/2023

 

domingo, 9 de julho de 2023

UM PEDIDO EXTRORDINÁRIO


Creio querer-te,

sempre,

ao pé de mim.

Acreditas que te quero,

mas não crês,

no sempre

ao pé de ti.

- Como posso convencer-te?

-Pede a Deus, uma bolsa marsupial!


Jorge C. Chora

9/7/2023

sábado, 8 de julho de 2023

GOSTAR PODE SER

 

Gostar é, ou pode ser,

um amar pequeno:

é chama de uma vela,

de ventos resguardada,

cuidadosamente soprada,

que vai sendo acarinhada,

até a pira olímpica ser incendiada!

       Jorge C. Chora

      8/7/2023

sexta-feira, 7 de julho de 2023

UM AMOR INESPERADO

 

João pouco ou nunca sorria. Dizia sempre bom dia ou boa tarde e jamais boa noite, pois ninguém tinha memória de o ter visto à noite.

Ninguém sabia o que fazia, nem onde trabalhava. João era uma incógnita.

Também ninguém o vira fazer mal a alguém ou maltratar fosse quem fosse. Trazia sempre consigo uma viola, mas também ninguém o ouvira tocar.

Numa quarta-feira, Manuela chegou alvoroçada ao café, onde por vezes se realizavam espetáculos, com uma novidade:

- Querem saber a melhor? Vi o João esta manhã, a dar o seu lanche a um pedinte, ao pé da estação da C. P.

Ninguém comentou a situação.

Nessa mesma noite, houve um espetáculo. A meio apareceu João com a sua viola. Mal entrou, o concerto parou: duas cordas tinham-se partido e o artista não tinha como as substituir.

João subiu ao palco e emprestou-lhe a sua viola. O artista agradeceu e verificou que ela estava afinadíssima. O espetáculo continuou.

No fim, o artista convidou João a vir ao palco e a tocar algo do seu agrado.

Instado várias vezes a tocar, João acabou por ceder.

O que se ouviu foram temas desconhecidos, muito aplaudidos.

Madalena abria e fechava a boca. Ela era compositora e raramente ouvira temas tão bem cantados, tocados e compostos.

- De quem são essas canções?

- São minhas…

- Onde é que cantas?

- Só em casa, para minha mãe ouvir.

- Como assim?

- Ela só sossega quando as ouve. Ela sofre de demência...

Madalena deu a mão ao João, ajudou-o a descer do palco e perguntou-lhe:

- Posso acompanhar-te a casa?

- Claro que sim.

A meio do caminho ofereceu os seus lábios ao João, que os beijou com a delicadeza idêntica à das suas composições.

Passados alguns anos, ainda não regressou a sua casa e senta-se ao lado da sua sogra, a ouvir João a cantar, deixando-o acabar, para lhe oferecer os seus lábios.

Jorge C. Chora

7/7/2023

quarta-feira, 5 de julho de 2023

A FADISTA

 

A FADISTA

A minutos de entrar para cantar, Elsa, sem notar, rompeu as suas meias de seda pura bordada.

Conteve as lágrimas, há meses que não atuava e claro está, não recebia.

Tinha sido o namorado que as ofertara, antes de ter fugido com outra.

Agora, ficara sem nada, nem meias nem namorado.

Encheu-se de coragem e foi cantar. O que vale é que estava depilada,

mas a sua brancura imaculada, não se coadunava com o xaile e roupa clara.

Na primeira mesa sentava-se um homem grande, de bigode farfalhudo,

e ar de poucos amigos. À medida que cantava, o rosto do homem iluminava-se e via-se à légua que de tudo gostava: da cantora e do que ela cantava.

Elsa reparou no gigante e achou-o invulgar e simpático.

Quando acabou a atuação, ele convidou-a a vir para a sua mesa, beijou-lhe a mão e como havia um mar de gente, entre eles e a mesa, levou-a ao colo como se fosse uma pena e disse-lhe:

-De ao pé de mim já não sai.

Elsa achou-lhe graça e não é que nunca mais saiu!

Todas as noites que quis, cantou. O grandalhão era sócio da casa de fados

e antes de cada atuação, com a condição de nunca mais usar meias de seda bordada, beijava as alvas pernas e os pés à mulher que amava e com quem casara.

Jorge C. Chora

5/7/2023

domingo, 2 de julho de 2023

MULTIDÃO

 

Fujo da multidão,

pois um empurrão

pode dar confusão,

por vezes agressão.

Uma simples discussão,

seguida da acusação:

vê-se que és do F.C.P,

ou do Benfica…

pode dar chapada,

cabeça rachada,

uma caldeirada,

seguida de cacetada,

garrafada,

só terminada com a chegada

 e sérias bastonadas,

terminando tudo na esquadra,

com dezenas ou centenas

de patós, sem saber de nada,

menos os dois que começaram

o arraial de porrada!

Multidões? vão os senhores!

Jorge C. Chora

2/7/2023

sábado, 1 de julho de 2023

PARTE I E PARTE II


São partes de um só,

têm no pulso,

uma fita atada,

que a negro tem escrito,

na metade de cada lado:

Parte I; Parte II,

se nos acharem separados,

Juntem-nos à outra metade.

 

Jorge C. Chora

   1/7/2023