quinta-feira, 30 de março de 2023

A INFELICIDADE

 

A sua infelicidade,

a outro queria

impingir,

mas ninguém

a desejava escutar:

tinham-na já a dobrar.

No fim de o ouvirem,

sentiram-se no direito

de lhe pedirem:

Tem dez euros que me dê?

   Jorge C. Chora

         30/3/23

terça-feira, 28 de março de 2023

MORANGOS E CHANTILLY

Numa manhã de calor e mar convidativo, chegou à praia, uma verdadeira ninfa. Tirou a blusa, libertou os seios, enrolou uma toalha às jeans e foi-as

tirando, muito devagar, seguindo-se-lhe as restantes peças de vestuário.

Sem aviso prévio, a toalha, embora ela tivesse fingido segurá-la, caiu.

Ficou como veio ao mundo e os olhos dos vizinhos colaram-se-lhe literalmente àquele corpo divinal.

 Aparecia naquele sedoso púbis, um delicioso moranguinho,

pequeno e vermelhinho, mesmo a pedir uma colher de chantilly, a ser degustado à boca ou à colher, em qualquer estação ou apeadeiro, às claras ou às escuras, de manhã à tarde ou à noite, desde que regado a chantilly!

Deixou-se estar como estava e nos casais que a rodeavam, deu-se um fenómeno curioso: todas elas despiram a parte debaixo do fato de banho,

e deitaram um olho de soslaio aos companheiros e recordaram-nos:

-Antes d’ irmos para o hotel. vamos passar pelo supermercado para comprarem um chantilly do vosso agrado!

 

Jorge C. Chora

28/3/2023

 

domingo, 26 de março de 2023

IR PARA O PINTASSILGO


António Carrocho, alentejano morador na Brandoa, enquanto petiscava apressadamente, num café da Mina, contou-me que quando alguém lá para as bandas de S. Domingos, Alentejo, não se encontrava de boa saúde,  era costume dizer-se: não tarda vai para o pintassilgo.

O pintassilgo é como é designado o cemitério local, porque parece que o primeiro a ser lá enterrado foi um pintassilgo, não me tendo explicado, por falta de tempo, se era um pássaro ou alguém com esse nome, que fora lá primeiramente sepultado. Acredito que foi um pássaro, tão poética foi a designação dada à última morada.

Nem todos naquele local são ou eram sepultados no pintassilgo. Os ingleses que eram donos ou que lá trabalhavam nas minas, tinham o privilégio de não ir lá parar: iam para o cemitério próprio dos ingleses onde a terra nem sequer era portuguesa.

Escavaram a terra, e encheram-no de terra mandada vir terra de Inglaterra. Era nesse local que sepultavam os ingleses que por ali faleciam.

Era um privilégio e uma espécie de consolo, ser enterrado em solo da mãe pátria. Não sei se por lá deram sepultura, por exemplo. aos escoceses ou a outro tipo de nascidos na Grã-Bretanha, pois será, em vez de um consolo, uma punição ad eterno, ter em cima, o peso de uma terra inglesa, mesmo depois de morto, em vez da do reino onde pertenciam!

O certo é que eles não se queixam.

Jorge C. Chora

26/3/23

quarta-feira, 22 de março de 2023

O TERRAMOTO

 Gilda e António tinham fama de serem autênticos terramotos no que diz respeito ao amor.

Um dia foram apresentados e, curiosamente, ambos sabiam das credências um do outro. A atração foi mútua. Daí até a um encontro foi um fósforo.

Enquanto ela tomava banho e ele já a esperava ansiosamente, a terra começou a tremer.

Quer ele quer ela, entraram em pânico. Afinal a fama de terramoto era verdadeira? pensaram um do outro.

Ela saiu do banho, envolveu-se numa toalha, e fugiu pela janela. Ele embrulhou-se num lençol e saiu espavorido a correr.

No dia seguinte, o jornal do burgo, noticiava em grandes parangonas:

         TRÊS  ACONTECIMENTOS EXCECIONAIS OCORRERAM ONTEM

E de seguida explicava-os: Num camião que transportava gado para o matadouro,  as portas abriram-se e gerou-se a debandada de touros e vacas por essas ruas fora: até parecia um terramoto!

Na rua principal, foi vista a correr uma mulher nua, envolta numa toalha de banho. Estranha forma de praticar desporto!

Na ponte que separa o nosso concelho do concelho vizinho, foi visto um homem nu, embrulhado num lençol, talvez acabado de tomar banho no rio.

Há vinte anos que já não se viam casos assim, desde que o vereador dos espaços verdes, foi apanhado a urinar no jardim público, por quatro idosas escondidas atrás dos plátanos.

Jorge C. Chora

22/3/2023

terça-feira, 21 de março de 2023

OS DIAS NÃO


Quero ver-te

todos os dias

e não, dia sim

dia não!

Já me chegam os dias,

em que por isto

ou por aquilo,

me calham dias não!                      

Já não suporto,

nem quero perder,

sequer mais um

dia, por ser dia não!

Quero ver-te, mas

por favor, esquece

 uma vez por todas,

 os dias sim, dias não!

 

JORGE C. CHORA

21/3/23

segunda-feira, 20 de março de 2023

A LIÇÃO DOS PÁSSAROS

 

Não debicam fruta verde,

nem limões, que são azedos,

esperam para mais tarde.

Querem-nas menos amargas,

mais saborosas e maduras,

menos jovens e mais doces,

próprias para serem debicadas.

Como são sábios os pássaros:                                                             

só comem as frutas no ponto,

quando elas estiverem prontas.

Gostam das doces e maduras

em vez das verdes e amargas.

Que lição nos dão os pássaros!

       Jorge C. Chora

          20/3/2023

 

sexta-feira, 17 de março de 2023

SER MARINHEIRO

 Quem me dera ser marinheiro,

ajustar-me ao balancear das tuas ancas,

envolto na segurança das tuas pernas

e na maciez dos teus sedosos pelos.

Adorava fazer uma viagem de circum-navegação,

interminável, sem destino ou fim à vista,

ao sabor do crescendo das ondas

e dos nossos celestiais estremeções!

Ah! Como eu gostava de ser marinheiro!

 

               Jorge C. Chora

                     17/3/23

quarta-feira, 15 de março de 2023

MESMO A TEMPO


Mal a vi

logo decidi

escrever-lhe um poema.

Ao revê-la, percebi,

e não me arrependi,

de nem um verso

lhe ter ainda escrito.

Ao longe era uma visão,

ao perto, era só um vison!

     Jorge C. Chora

       15/3/2023

 

terça-feira, 14 de março de 2023

SEM CARTA NEM SEGURO

 

Sem carta

e sem seguro,

choquei de frente

com o amor,

numa esquina

que ainda hoje,

sei bem qual é!

Continuo a não precisar

nem de carta,

nem de seguro,

para todos os dias,

chocar de novo,

nessa e noutras esquinas,

com o amor com que

primeiro choquei!

 

   Jorge C. Chora

       14/3/2023

segunda-feira, 13 de março de 2023

OAS AMORES DE IDALÉCIO


Numa casa de má fama

Idalécio conheceu Irma.

Tantas vezes ela lhe sorriu

que seu coração se abriu.

Deu-lhe vestidos e perfumes,

e acabou deitado a seus pés.

Em troca recebeu a troça

e a suprema desfaçatez,

de ter de esperar pela sua vez.


    JORGE C. CHORA

        13/3/2023

domingo, 12 de março de 2023

DOCES PECADOS

 

Os teus lábios entreabertos

são um convite à oração;

peço antecipadamente perdão,

pelos desejos mais que certos,

de cometer doces pecados,

sem sombra de arrependimento

e de culpas, ficar desde já liberto.

 

       JORGE C. CHORA

          12/3/2023

sábado, 11 de março de 2023

AS LÁGRIMAS


As lágrimas são pérolas salgadas

tão doces, tristes ou tão amargas

quanto o estado em que estás.

O ser que te ama, prová-las-á,

e o que está a passar sentirá!

 Depressa tudo, mas tudo fará

para as transformar em doces,

se forem amargas, em alegres,

ainda que sejam muito tristes,

porque as lágrimas são pérolas

que mudam conforme te sentes.

        Jorge C. Chora

          11/3/23

 

 

 

quarta-feira, 8 de março de 2023

MULHER

Quando não estás, desatino,

perco o tino,

ando sem destino,

em nada atino,

torno-me um menino.

Só te desvaloriza um girino!

 

       Jorge C. Chora

             8/3/2023

domingo, 5 de março de 2023

A MENINA E O MANEQUIM

Ontem, ao passar por uma loja que tinha um manequim masculino à porta, vi uma garota, com cerca de nove anos, se tanto, rondando-o.

Levantou-lhe a camisa, passou-lhe as mãos pelo peito, afastou-se um bocado e voltou a aproximar-se.

Afastou-lhe um pouco as calças na cintura, espreitou e comentou desiludida:

­-Podias estar mais completo!

A uns metros de distância, a mãe conversava, distraída, com algumas amigas, enquanto a petiza ia fazendo festas ao manequim e dizendo:

- Mais completo e verdadeiro é que era!

A mãe, sem olhar para a filha, às tantas, disse-lhe:

-Espera só mais num pouco filha, vamos já comprar-te as gomas…

Era mesmo em gomas que a precoce gaiata pensava!

Jorge C. Chora

5/3/2023


sexta-feira, 3 de março de 2023

SEM-ABRIGO

 Faz um frio de rachar,

não tem onde se abrigar,

já foi gente, e hoje não tem

onde estar, nem onde ficar.

Faz um frio de rachar,

não sabe se está vivo

ou se está morto;

tanto lhe faz, mas,

se tem frio é porque

ainda vive e treme,

como nunca tremeu.

Perdeu tudo e agora

nem sequer se recorda

do nome que um dia teve

e agora não tem,

embora ainda saiba

quando se lhe dirigem:

-Ó tu aí, vai-te embora daqui!

     Jorge C. Chora

      3/3/2023