sexta-feira, 13 de abril de 2012

A Beijoqueira

Criava cobras como passatempo. Amava-as. Eram os animais com quem mais se identificava. Notou que uma delas necessitava de cuidados veterinários. Apressada, colocou-a na mala e saiu a correr. Ao dobrar a primeira esquina sentiu algo frio na sua garganta. Era um assalto e a frialdade devia-se a uma faca encostada ao seu pescoço:

-Passa para cá o dinheiro…

-Tenho-o aqui na mala…mas estou tão nervosa que não vou conseguir encontrá-lo… - e,disfarçando um sorriso, abriu o fecho, deixando-a entreaberta.

O larápio enfiou de modo violento a mão na carteira. A rapidez com que a introduziu igualou o modo como a retirou. A cobra abocanhou-lhe a mão e ficou pendurada e quanto mais ele a sacudia mais ela se firmava. A senhora advertiu-o:

-Esteja quieto senão ela não o larga. Chame-a docemente de querida e afague-lhe a cabeça …pode ser que desista…Vou telefonar para o 112 porque a “Beijoqueira” é venenosa…

Ao chegar ao hospital, o amigo do alheio, fez questão de dizer à polícia que tinha sido alvo de um atentado e, caso sobrevivesse, iria colocar um processo à agressora.

O jovem agente de serviço, desabafou, em voz baixa:

-Que Deus não o permita…

-Olhe que eu processo-o por cumplicidade… – ameaçou-o raivoso o abocanhado.

A dona da cobra, que se dirigira ao hospital para recuperar a sua “Beijoqueira”, admoestou-o com uma voz de trovão:

-Devia aproveitar o pouco tempo que lhe resta para se arrepender e pedir perdão ao Criador… e, muito à socapa, com um ar penoso, dirigindo-se ao policial – infelizmente a cobra não é venenosa…

Jorge C. Chora

quarta-feira, 4 de abril de 2012

A fila prioritária

Fez as compras que tinha a fazer e dirigiu-se à caixa para as pagar. Quando se preparava para as colocar no pequeno balcão, ouviu atrás de si uma voz rouca:

-Peço-lhe perdão mas, se me deixasse passar à sua frente, ficava-lhe muito agradecida.

Olhou e viu uma idosa apoiada numa canadiana. Sorriu, ajudou-a a colocar os produtos e inclusive a colocá-los nos sacos. Mal acabara de praticar a sua acção cívica quando surgiu uma senhora grávida. Cedeu de imediato a passagem.

Sentiu-se ainda obrigada a ceder a primazia a mais duas pessoas: uma que transportava uma criança ao colo e a outra que trazia uma bebé no carrinho que dormia o sono dos justos.

Quando, por fim, julgou chegado o momento de ser atendida, apareceu-lhe, afogueada, uma jovem e elegante senhora que anunciou, plena de requebros
snobs:

-Estou grávida de um mês…

Ao ouvir esta declaração deu uma gargalhada sonora e disse:

-Minha querida, acabei mesmo há bocado de fazer amor e estou mesmo convicta, de que engravidei. Terá de esperar pela sua vez. Ah! Antes que me esqueça…Parabéns!

Nesse preciso momento a funcionária da caixa levanta-se, deixando ver uma barriga que denotava estar no fim do tempo e, muito aflita, interrompe o diálogo:

-Mil perdões mas tenho de ir já para a maternidade…

Jorge C. Chora