Quando nasceu, todos os familiares se surpreenderam com o
tamanho das suas orelhas. Era natural que um elefante nascesse com essa característica,
mas assim tão grandes é que ninguém se recordava.
À medida que o tempo passava, o mais letrado da manada,
sossegava os restantes, contando-lhes a história de Dumbo, o elefante voador, e
concluía:
-Quem sabe se não temos um segundo como ele…
Os ouvintes torciam a tromba, fingindo acreditar na
possibilidade remota e um tanto idiota.
O pequeno orelhudo tinha uma vida difícil e a todos os
momentos se recordava das suas especiais características anatómicas, porque
passava a vida a tropeçar nelas. A mãe tinha de levantá-lo e fazia-o,
enlaçando-o com a tromba de um modo suave. Sempre que isso acontecia, ela
lançava uns olhares intimidativos ao seu redor e ninguém se atrevia a troçar
do que sucedera.
Numa das deslocações da manada, em busca de melhores pastos,
o elefante parou, obrigando a sua progenitora a fazê-lo também. Pós-se à
escuta. Todos o imitaram durante um certo tempo. Ninguém ouviu nada.
-O que estás a ouvir? - perguntaram-lhe, impacientes, os
restantes, cansados de nada escutarem.
-Ouço sons ao longe…uma espécie de correria de uma manada…
-Tem paciência, mas só tu é que escutas esse som… -E
retomaram a sua pachorrenta marcha.
Percorridos uns bons quilómetros, aí sim, todos sentiram a
terra tremer e, pouco depois, assistiram a uma manada de búfalos em debandada,
perseguida por uma matilha esfomeada de leões.
Três dias depois, o pequeno parou e pôs-se de novo à escuta.
-O que foi agora?
-Sons estranhos. Parecem-me pequenos trovões. Não sei do que
se trata…
Três horas após terem recomeçado a andar, cruzaram-se com um
grupo de caçadores furtivos. Eles mataram um dos elementos mais velhos da
manada para lhe tirarem os dentes.
A partir desse dia, sempre que o grupo o via parar e
colocar-se à escuta, todos se imobilizavam. Só as moscas se atreviam a zumbir à
sua volta. Evitaram deste modo muitos maus encontros.
Agora, todos o respeitam no grupo. Ao caminhar, tem sempre
dois amigos, de ambos os lados, que o ajudam a amparar as suas duas preciosas
orelhas. Ao longe, parecem trigémeos inseparáveis.
E tu, já descobriste o dom especial daquele teu colega que
te parece estranho?
Jorge C. Chora