Na década de setenta, Manuel Arame, alentejano natural da
Amareleja e residente na Amadora, comprou uma Renault 4L. Comprou-a em 2ª mão,
na rua José Franco desta cidade.
Resolveu ir à Amareleja. A partida coincidiu com um dia de
chuva intensa. Como ainda não conhecia a
viatura, desconhecia como se ligava o limpa-brisas, ou mesmo se ele se
encontrava avariado, decidiu não adiar a viagem e resolver o problema da melhor
maneira possível. Comprou uma esfregona e serviu-se dela para ir limpando o
vidro: de braço de fora, de esfregona na mão, ia-se livrando do incómodo
causado pela chuva, à medida que ia conduzindo.
O dono do café, onde eu ouvi esta história do próprio Manuel
Arame, concluiu a narrativa dizendo:
-E levou quatro dias a chegar à Amareleja…
Manuel Arame sorri e não diz que sim ou que não, talvez
ocultando o ainda maior número de dias que o trajeto levou a realizar, de braço
fora e esfregona na mão.
E à laia de conclusão, Manuel Arame diz:
-E a 4L serviu-me durante seis anos, vendia-a por 140 mil
escudos, e ela tinha-me custado 120!
Embalado na conversa, contou o amarelejense, episódios de um
conterrâneo que dava pelo nome de “Travessa”. Perguntei-lhe se a alcunha se
devia ao facto de ser travesso mas o meu interlocutor desconhecia o motivo pelo
qual o tinham chamado assim. Adiante.
Um dia, um guarda abordou o “Travessa” porque o seu cão não
tinha licença.
-O cão não é meu! - respondeu o “Travessa”.
-Então ele está debaixo da sua carroça e não é seu?
-O sr. Guarda também está ao pé de mim e não é meu!
-respondeu-lhe de imediato o “Travessa”
.
No dia em que morreu, a viúva contratou homens para
transportarem, a pé, o seu caixão, prometendo-lhes cem escudos. Como o
cemitério ainda era longe, eles foram auxiliados por uns amigos.
Na altura de receberem, a viúva reduziu para cinquenta
escudos o pagamento, alegando que eles tinham sido auxiliados.
-Ah é? Então vamos tornar a colocar o “Travessa” à sua
porta…
E antes que o “Travessa” regressasse, foi-lhes pago o
devido.
Jorge C. Chora
29/11/18