quinta-feira, 29 de novembro de 2018

MANUEL ARAME AO VOLANTE E DE ESFREGÃO NA MÃO



Na década de setenta, Manuel Arame, alentejano natural da Amareleja e residente na Amadora, comprou uma Renault 4L. Comprou-a em 2ª mão, na rua José Franco desta cidade.

Resolveu ir à Amareleja. A partida coincidiu com um dia de chuva intensa.  Como ainda não conhecia a viatura, desconhecia como se ligava o limpa-brisas, ou mesmo se ele se encontrava avariado, decidiu não adiar a viagem e resolver o problema da melhor maneira possível. Comprou uma esfregona e serviu-se dela para ir limpando o vidro: de braço de fora, de esfregona na mão, ia-se livrando do incómodo causado pela chuva, à medida que ia conduzindo.

O dono do café, onde eu ouvi esta história do próprio Manuel Arame, concluiu a narrativa dizendo:

-E levou quatro dias a chegar à Amareleja…

Manuel Arame sorri e não diz que sim ou que não, talvez ocultando o ainda maior número de dias que o trajeto levou a realizar, de braço fora e esfregona na mão.
E à laia de conclusão, Manuel Arame diz:

-E a 4L serviu-me durante seis anos, vendia-a por 140 mil escudos, e ela tinha-me custado 120!

Embalado na conversa, contou o amarelejense, episódios de um conterrâneo que dava pelo nome de “Travessa”. Perguntei-lhe se a alcunha se devia ao facto de ser travesso mas o meu interlocutor desconhecia o motivo pelo qual o tinham chamado assim. Adiante.

Um dia, um guarda abordou o “Travessa” porque o seu cão não tinha licença.

-O cão não é meu! - respondeu o “Travessa”.

-Então ele está debaixo da sua carroça e não é seu?

-O sr. Guarda também está ao pé de mim e não é meu! -respondeu-lhe de imediato o “Travessa”
.
No dia em que morreu, a viúva contratou homens para transportarem, a pé, o seu caixão, prometendo-lhes cem escudos. Como o cemitério ainda era longe, eles foram auxiliados por uns amigos.
Na altura de receberem, a viúva reduziu para cinquenta escudos o pagamento, alegando que eles tinham sido auxiliados.

-Ah é? Então vamos tornar a colocar o “Travessa” à sua porta…

E antes que o “Travessa” regressasse, foi-lhes pago o devido.

Jorge C. Chora
29/11/18

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

A MINHA BALANÇA BIPOLAR




Tenho uma balança que ora é amiga e logo a seguir inimiga. É dotada, ou pelo menos parece, de vontade própria: nem sempre é fiel e constante, pois muda num ápice do oito para o oitenta, da noite para o dia. Se ela fosse humana, às vezes julgo que é, esta oscilação de humor classificá-la-ia como uma doente bipolar.

Vem isto a propósito de uma balança que habita em minha casa, tão linda quanto imprestável, uma verdadeira doninha fedorenta. Tanto marca 90 quilos como segundos depois, menos trinta ou quarenta. Quando ela regista um peso pluma, tudo certo, é aceitável; ao registar pesos de hipopótamo, não consigo tolerar semelhante comportamento.

O pior é que deitei fora a balança que tinha antes, por não ser nova, moderna e apresentável, cuja fealdade era insuportável, quando comparada à mais recente, transparente e electrónica! Mal sonhava eu, que adquiria uma balança bipolar!

Só não a deito fora por motivos diplomáticos: quando as visitas se pesam e ela decide retirar-lhes vários quilos, dá-me a oportunidade de elogiar as dietas de sucesso. Se ela lhes atribui maior peso, digo-lhes que ela está avariada, o que não deixa de ser verdade.

E é deste modo, que a minha balança bipolar, sobrevive à expulsão, que a acontecer seria mais do que justa, e só peca por tardia.

Jorge C. Chora
26/11/18


sábado, 24 de novembro de 2018

VERSOS SÃO CAMINHOS



Versos são caminhos
por onde circulam,
num vai e vem ininterrupto,
sentimentos que oscilam entre
 a doçura e o ódio,
a indiferença ou a ternura,
 ou tudo de que nos esquecemos,
quando nos fixamos,
 no amor e na namorada.

Jorge C. Chora
24/11/18

quarta-feira, 21 de novembro de 2018

O ENGANO DAS CUSCAS




Joana foi agraciada pelo seu bom feitio, com uma benesse invulgar: subir ao céu, sempre que ela e o seu marido se amavam.
Como pessoa crente e educada, Joana nunca deixou de expressar o seu agradecimento pelo benefício recebido: todos os dias ia à igreja.
Sendo Joana uma mulher de belo íntimo, mas não tão bela de aspecto, as más-línguas do bairro comentavam:

-Coitada …tão feia que ela é! Vai pedir ao Senhor, qualquer coisa que Ele se esqueceu de lhe conceder…

E Joana, tão educada e agradecida, raro era o dia em que não subia o céu e tinha motivos para agradecer, a benesse que recebera.

Jorge C. Chora

21/11/18

terça-feira, 20 de novembro de 2018

O SEGREDO DA CAIXA DOS AVÓS


                                         
 Após a morte da mãe, o irmão mais velho convocou os mais novos para uma reunião, referindo tratar-se de um assunto da máxima importância.
À hora aprazada, com todos presentes, iniciou a reunião:

-A mãe pediu-me, antes de falecer, que vos comunicasse e mostrasse algo de suma importância para a família.

Os irmãos entreolharam-se e pediram-lhe:

-Diz-nos, sem demora, do que se trata. Não nos mates de curiosidade.

-Vou ser breve - e logo a seguir, mostrou um cofre de couro, informando que pertencia à família há várias gerações  - ele contém a riqueza suficiente para resolver, em caso de urgência e só mesmo nessa situação, uma aflição familiar. Nenhum dos antepassados nem a mãe precisaram. Ela encarregou-me de vos pedir que só se servissem dela, sublinho, em último recurso e com o consentimento de todos.

Sessenta anos depois, por ocasião de uma festa familiar, um dos bisnetos, na brincadeira, deitou a mão à prateleira e deitou o cofre de couro ao chão.
Pararam as conversas e um silêncio pesado impôs-se.
A família aproximou-se, curiosa. Olharam surpresos para a caixa que se tinha aberto: estava vazia. Não continha absolutamente nada.
Desconfiados, olharam para o irmão mais velho e ele esclareceu:

-Este cofre, é mais do que certo, nunca conteve nenhuma riqueza. Nem os avós, nem os pais, e muito menos nós, precisámos dela. Serviu só de segurança hipotética.

-E tu sabias?

-Claro que não! Duvido que algum dos nossos antepassados, incluindo a mãe soubessem!

Os  que viveram antes de nós, legaram-nos uma visão de família…

-Que visão mano velho?

E o mano velho questionou-os:

- Acham que a riqueza da nossa família, alguma vez cabia neste pobre cofre? A riqueza são vocês, somos nós meus irmãos, e a nossa união.

-Ai da família cuja riqueza cabe num cofre… - acabaram por concordar os irmãos.

E a festa continuou, tão alegre como dantes.

Jorge C. Chora
20/11/2018


sexta-feira, 16 de novembro de 2018

O TRIPLO PRAZER



Dar a quem amamos
é garantir um triplo prazer:
o prazer de oferecer,
acrescido do gosto de a ver
prazer ter,
e o prazer que ela tem.
Dar é tão bom como receber,
é garantir um triplo prazer.

Jorge C. Chora
16/!1/2018

quarta-feira, 14 de novembro de 2018

A MODA DO BAILE MANDADO




Os poetas e outros que tais,
não entendem,
sabe-se lá porquê,
que a liberdade só atrapalha a governação
de quem a quer fazer sem oposição.
Qualquer murmúrio é um grito,
um chiar alto,
uma ofensa ao direito de ser intolerante,
uma condenação a ter de conviver em liberdade.
Vá lá saber-se porquê,
os poetas e outros que tais,
não entendem,
que a liberdade só atrapalha a governação
de quem a quer fazer sem oposição.

Jorge C. Chora
14/11/2018


segunda-feira, 12 de novembro de 2018

O FRANCISCO CHORA A JOGAR/DO PONTAPÉ AO GOLO


O FRANCISCO É O MEU NETO DE OITO ANOS

Quer é jogar,
a bola é companheira,
os colegas são amigos,
passem-lhe o esférico,
ele dá-lhe o pontapé,
direcionado e certeiro,
aconchega-o nas redes
do adversário:
toma lá, vai buscar!
É o Francisco Chora a jogar,
o Francisco, o amigo
do amigo, o lutador
que só pára,
quando a equipa recebe,
com esforço e prazer,
 o resultado da jogada:
Golo!

Jorge C. Chora
11/10/2018




PRINCESA DOURADA


À MINHA NETA CAETANA DE DOIS ANOS E MEIO


Minha princesa dourada,
alva como uma amendoeira em flor,
tens o condão de um velho mouro derreter,
com a tua perspicácia e saber.
És uma ternura agridoce,
oscilas entre o querer e não querer,
envolta na nuvem
do bem- te- quero,
e exiges-me que não te lambuze,
que isso de beijinhos a toda a hora,
dizes tu:
tem dó, só me tiram o pó-de-arroz!
Sim, minha princesa, respondo-lhe eu,
beijando-lhe as bochechas
e tirando o pó-de-arroz
à princesa dourada,
alva como uma amendoeira em flor,
 nas nuvens levitando,
de forma cúmplice e sorrateira.

Jorge C. Chora
11/10/2018

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

O JOGO DO DÁ E TIRA




Pedi-lhe um beijo
mas dei-lhe dois,
um em cada mão.
Queixou-se de ter
recebido mais do
que tinha pedido,
dois em vez de um!
Tomei-lhe as mãos
entre as minhas,
voltei a beijá-las
à conta de uma reparação,
dizendo que retirava
os que lhe tinha dado,
ao que ela respondeu:
agora quero-os de novo!
E neste jogo do dá e tira,
tornei a repô-los,
tantas quantas ela
os quis de novo.

Jorge C. Chora

9/10/2018


terça-feira, 6 de novembro de 2018

A VERDADEIRA JÚLIA ROBERTS



Interessa-me
o teu sentir,
a beleza do teu querer,
o doares-te em abraços
sinceros e nunca regateados,
aos que amas
e precisam
da tua atenção,
és um hino à alegria,
eclipsaste a Julia Roberts ,
varreste-a da minha imaginação.


Jorge C. Chora
6/11/2018

domingo, 4 de novembro de 2018

A DEMOCRACIA É COMO UM CANTEIRO


A democracia é como um canteiro de amores-perfeitos:  murcha quando se insiste em pisá-lo, ainda que “jardineiros” por esse mundo fora, nos digam que isso revigora as flores.

Jorge C. Chora
3/11/2018

ABAIXO AS VILANIAS



A poesia alimenta e
perfuma o espírito,
tece e reforça
laços de amor
e amizade,
divulga a beleza
ou a fealdade,
promove ideias,
sentimentos
erotismo
e diversidade,
abre os olhos de
quem a lê,
embora feda quando
nega a liberdade,
esmague direitos,
despreze a igualdade
e se comprometa com vilanias.

Jorge C. Chora
4/11/2018


quinta-feira, 1 de novembro de 2018

A DECLARAÇÃO DE AMOR




A declarar-me,
fá-lo-ia de novo
a ti;
e de nada vale
fingires-te surpreendida
por gostar de ti,
pois sei e sinto
ser a mim,
a quem de novo
te declararias.

Jorge C. Chora
1/11/2018