quarta-feira, 14 de março de 2012

As manhas de "Vou Tar" e "Cointreau"

Chegaram à velhice sem cheta. Em abono da verdade nunca a tiveram. Melhor dizendo, iam tendo mas por pouco tempo, pois derretiam-na em farras.

Com um cadastro recheado de malfeitorias, o tempo que passaram engavetados foi encarado por “Vou Tar” e” Cointreau” como uma espécie de retiro espiritual entre iguais, uma oportunidade para aprender novas patifarias.

“Vou Tar” e” Cointreau” eram alcunhas atribuídas pelas práticas de cada um. O primeiro nunca dissera” vou estar aqui ou acolá”, limitando-se a abreviar; o segundo, desde que provara, numa festa de casamento, onde fora sem ser convidado, um cálice de cointreau, nunca mais quisera outra bebida senão essa.

Ambos eram dados a infindáveis discussões sobre o que se devia fazer ao dinheiro dos outros:

- Agora que estamos em crise, todos os que têm dinheiro a prazo, devem levantá-lo e distribuí-lo equitativamente por quem, como nós, nada tem. Ao governo deve competir assegurar que esse dinheiro chegue aos nossos bolsos.

-Não está mal visto não… -Junto tostões há quarenta anos e agora tinha de vos sustentar -insurgiu-se o”Labuta”.

-Ainda ficas com a tua casa e aquelas territas na aldeia. Bem podes pagar mais uns impostos… -alvitraram os dois sanguessugas.

-Mais ainda? Se calhar também querem que volte a comprar o que é já meu e me custou tanto sacrifício… - revoltou-se.

-Não era má ideia! Era uma forma de partilhar … - concordaram entusiasmados, antecipando o prazer da posse do que não lhes pertencia.

-E se vocês fossem atrás das fortunas duvidosas ou dos que são mesmo muito ricos! - desabafou o “Labuta”.

-Julgas que somos parvos? Com esses nada conseguimos! Ainda éramos capazes de ficar sem o pouco que arranjámos à custa de papalvos como tu! -exclamaram, um tanto fartos da ingenuidade do aforrador.

“Labuta” calou-se. Não estava para se aborrecer ainda mais. Um berro enorme assustou--o:

-Então esse cointreau nunca mais vem?

-E ponho na conta de quem? – gritou o dono no interior do estabelecimento.

-Na do “Labuta” claro!- berraram “Vou Tar” e” Cointreau”.

Jorge C. Chora

quarta-feira, 7 de março de 2012

A Praça dos amores

Na praça do” sou todo teu”,
cachos de beijos
subiram ao céu,
entre sussurros de
sou toda tua,
serás todo meu.

Nessa praça tiveram lugar,
os amores de Bela,
os aís de Catarina,
as promessas e os desejos de Isabel:
Sou toda tua,
serás todo meu.

Cachos de beijos
sobem ao céu,
entre sussurros
de amor, promessas
que se ouvem,
e se renovam:
Sou toda tua, sou todo teu.
Ainda é a praça do” sou todo teu”.

Jorge C. Chora

domingo, 4 de março de 2012

A ranhosa

No meio da praça a menina estremecia. As lágrimas corriam-lhe por ambas as faces. Ao princípio ela ainda as tentou limpar mas depois desistiu. As pessoas pararam.

-O que te aconteceu Isabel?

E a menina redobrou as lágrimas e o choro. Uma aflição contagiante começou a apoderar-se dos que presenciavam o sofrimento da gaiata.

-O que tens Isabel? Diz-nos, por favor…

-Perdi o dinheiro que os meus pais me deram para o leite. Coloquei-o em cima da cadeira enquanto me assoava. Quando acabei já lá não estava! Eram dois euros. Agora não posso levar-lhes o leite e fiquei sem o dinheiro. A culpa é minha… como é que isto me aconteceu? Eles não vão confiar mais em mim!

E na praça, os avôs e as avós que viram confiscadas partes significativas das suas reformas, que percebiam perfeitamente a sensação de perda e de revolta,
exclamam comovidos:

-Ah como era bom que os grandes tivessem a responsabilidade das crianças!

Num canto da taberna, uma velha ébria retira os dois euros que escondera no bolso e ordena:

-Mais um copito de aguardente e isso depressa, que o dinheirinho não abunda …donde este veio não virá mais nenhum… - e vira-se para a criança que entretanto se aproximara e choramingava ao pé de si – desanda daqui ranhozita… o prejuízo duns é o lucro doutros…

Jorge C. chora