segunda-feira, 28 de novembro de 2016

O SEMÁFORO


O semáforo
promove a aldeia,
dá-lhe categoria,
obriga as viaturas
a pararem em
locais onde nunca
se deteriam.
Entre o vermelho
e o verde
vai uma eternidade
e dá para ver,
que não há ruas
nem à direita
muito menos à esquerda
e que casas,
 nem sequer vê-las.
Ah! Se não houvesse
semáforos
na minha aldeia,
que triste seria
a vida
lá na terra.
E porque assim é,
que se peçam
no mínimo quatro:
Para a entrada,
saída e para a metade
equidistante,
sobrando o quarto
 para o dia
em que se lembrem,
de que faz
falta uma estrada,
para a futura casa
do autarca.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 25 de novembro de 2016

CHARLIE CARLITOS

                                                     
Charlie, ou melhor, Charlie Carlitos, anda há semanas com um humor de cão. Acalentou o sonho, durante anos, de emigrar para os “States”. Aprendeu inglês com o sotaque americano, a que nem faltava o longuíssimo “ÓHÓHÓH YÁÁÁ”.

Afeiçoou-se à coca cola, filiou-se na classe dos ruminantes da pastilha elástica, frequentou “macdonalds” e comeu as medonhas “french fries standardizadas” , de batata sensaborona.
Diga-se, de passagem, que esta ambientação foi facílima, porque, mesmo na aldeia, havia convertidos ao modo de vida do outro lado do mar.

Fez das tripas coração e, imaginem, mudou de Carlitos para Charlie para uma mais fácil integração nos “States”. Arrependeu-se a tempo da americanização do nome e amenizou a sua atitude traiçoeira para com o país amado, deixando acoplado ao Charlie o seu antigo nome, passando a ser o Charlie Carlitos.

Zangou-se com todos os que tentaram adverti-lo de que não poderia esperar que o tratassem lá, como na aldeia. Como assim? Perguntava, irritado, acelerando a sua Harley, o que impedia qualquer conversa sobre o mesmo assunto.

Como se estava em tempo de eleições na terra do Tio Sam, aconselharam-no a ouvir o que os candidatos diziam, nomeadamente o multimilionário, sobre os mexicanos, latinos e outros que tais.
Quando isto lhe diziam, a sua fúria redobrava, perguntando, raivoso, o que é que ele tinha a ver com esses indivíduos. Explicavam-lhe que os portugueses eram confundidos, de propósito ou não, com essas etnias e que até eram considerados não brancos. Torcia o nariz, fungava e dizia entre dentes: vai embarretar outro.

Certo, certo, é que passou daí em diante, a ouvir os debates com atenção e foi ficando consciente das propostas estranhas que se iam fazendo em relação aos estrangeiros …

No dia das eleições não se deitou. Desde que soube quem foi o vencedor, contraiu, ou parece ter contraído, a doença do humor de cão.

Agora, sempre que passa pela sua Harley, olha-a de lado e diz:

-Sei lá se não pertenceste ao milionário…


Jorge C. Chora

quinta-feira, 24 de novembro de 2016

AVÓS E AVÔS

Avós e Avôs

A mãe da tua mãe
é a tua querida avó,
sendo a sua respectiva mãe
a tua bisavó.
Ela, por sua vez, teve mãe,
que foi a tua trisavó,
que era filha da tua tetravó
e, por sua via,
como ninguém nasce sem mãe,
 também teve avó,
que te deu
outras tantas avós,
e que acabou por ficar com
menos antepassados do que tu,
que tiveste os que ela teve,
mais os que ela te deu.
Ainda tens de contar
com outros antepassados
tão especiais como as
avós que são os
avôs, cuja palavra usa
sempre um chapéu.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 18 de novembro de 2016

O CALHAU


Rola a pedra
na rua poeirenta,
à mercê
de quem passa
e lhe quer dar pontapés.
Cai perto de uma calçada esburacada, que a convida:

-Ó pedra, dava-me jeito que aqui ficasses…

-Não me importava…

Ainda não terminara e alguém a pontapeou.
 Tombou a dois passos de um quiosque de jornais:

-Ó pedra, que falta me fazes para segurar os jornais…

-Não me importava…

Ao terceiro pontapé, parou junto a uma loja de artesanato:

-Ó pedra, o teu formato quadrado vinha mesmo a calhar…uma pincelada
  e zás … eras uma casinha…

-Não me importava…

Logo a seguir, atiram-na contra uma vidraça que fica estilhaçada:

-Maldito calhau que não fazes cá falta nenhuma!


Jorge C. Chora

quarta-feira, 16 de novembro de 2016

ESTRELA-DO-MAR



A estrela-do-mar
viu peixes a voar
e quis asas;
Caranguejos a andar
e quis pernas;
Cardumes a nadar
e quis barbatanas;
Só não sabe
que todos os que têm
o que ela não tem,
também querem
ser estrelas como ela.


Jorge C. Chora

domingo, 13 de novembro de 2016

A ILHA PARAÍSO OU O REMÉDIO SANTO

                                                  

Um navio negreiro afundou-se perto de uma ilha. Salvaram-se, a muito custo, três homens, que chegaram exaustos à praia. Dois desses náufragos, eram negros que, tinham sido capturados na costa africana. O terceiro era o dono do negócio que tinha embarcado no navio, comandado por um capitão seu amigo, e assim mataria dois coelhos de uma vez:
Primeiro faria a viagem para o Brasil para vender pessoalmente os escravos e, em segundo, escolheria pessoalmente a ”mercadoria”.

O negreiro foi o último a chegar à praia. Estafado pôs-se a gritar por ajuda. Os dois homens que lá estavam puxaram-no para terra e de imediato, colocaram-lhe em torno do pescoço uma liana e prenderam-lhe os pulsos com outra. Um pouco mais tarde, quase a morrer, surgiu outro naufrago, que era o contramestre da embarcação. Embora estivesse quase moribundo, prenderam-no, tal qual como tinham feito ao negociante negreiro.

No dia seguinte, os antigos cativos, ambos guerreiros capturados por um inimigo que os vendera aos negreiros, ordenaram aos seus novos escravos, por sinais, que se levantassem.

O contramestre e o negreiro não perceberam os que eles queriam. Os guerreiros arquearam o sobreolho e comentaram entre si:

-Estas bestas não percebem o que se lhes ordena! -E acto contínuo, bateram-lhes com uma liana que tinham entrelaçado, até eles se colocarem de pé.

Arrastaram-nos até umas árvores e entregaram-lhes uns machados toscos que tinham fabricado com umas pedras afiadas, atadas por lianas a uns paus. Ensinaram-lhes a cortar, empilhar e aparelhar a madeira. Descobriram que os escravos brancos nada sabiam sobre construção de casas, caça, pesca, cozinha e nada de nada. À custa de bofetões e chibatadas foram aprendendo a realizar as tarefas básicas que os seus amos guerreiros necessitavam.

O pior estava para vir. Na ilha não havia mulheres e os guerreiros fizeram deles as suas “parceiras”.
O negreiro e o contramestre tentaram a fuga por diversas vezes, mas logo eram apanhados e agredidos durante vários dias.

Depressa aprenderam a colocarem-se à disposição dos seus amos e a utilizarem um óleo de peixe que aplicavam nos sítios corporais mais adequados, de modo a suportarem a concupiscência dos guerreiros.

Um dia, aproximou-se da ilha uma embarcação e os dois escravos conseguiram chamar-lhes a atenção, nadar até ela e serem recolhidos. Estavam tão queimados do sol que a tripulação quis acorrentá-los junto aos cativos negros e só desistiram de o fazer porque eles falavam o português do reino e acabaram por ser identificados como reinóis.

-Desculpem lá, iam ficar perto desses brutos…são uns animais de carga que nada sabem fazer…

-Pois…pois… - engasgaram-se os ex-escravos reinóis, murmurando para si próprios  - “mal sabem vocês o quão brutos eles são e o que têm para vos ensinar…”

Já no reino nunca mais ninguém os ouviu depreciar os negros e os escravos. Por vezes estranhavam os seus amigos, o facto de prepararem um certo óleo de peixe e frequentarem as imediações da igreja de S. Domingos, sede do culto de Nª Srª do Rosário, frequentado por uma confraria de homens negros…

Quando ouviam e viam alguém a maltratar escravos, só lhe diziam: pode ser que algum dia naufragues numa certa ilha…


Jorge C. Chora

domingo, 6 de novembro de 2016

O INESQUECÍVEL MISTER GEORGE/BEIRA,ANOS 50 E 60

                                             
Os empregados mais novos, assim como os jovens que o visitavam, tratavam-no com respeito, envolvendo-o na designação afectuosa de mister George.

Mister George não era treinador de futebol de equipas adolescentes e, muito menos das seniores: era um velho cozinheiro. Os seus cabelos brancos e os movimentos lentos, assim como a fala pausada e um tanto ou quanto entaramelada, salpicada por um copito agora e outro depois, enquanto confeccionava os seus lauto e requintados repastos, compõem um retrato à la minuta de alguém que, lá em casa, era considerado um “Grand Chef avant garde”.

Mister George, como artista que era, tinha algumas grandes “pancas”. Quando os meus pais chegavam a casa e lhe perguntavam o que havia para jantar, nem sequer se dignava responder-lhes:

-Ele já está feito…é surpresa…depois levo….- E dali não arredava pé.

E de facto, uma banal refeição era metamorfoseada num ágape, com entradas, apresentação e sabores que ainda consigo recordar, passados 50 anos!

Nem tudo eram rosas. Não eram raros os dias em que ao chegarmos para jantarmos, nos apercebíamos de algo estranho, pois só havia bifes e batatas fritas e o cozinheiro tinha-se evaporado. O que acontecera? Mister George tinha, como habitualmente, feito a refeição, mas abrira uma ou mais garrafas de espumante, previamente refrigeradas, e comera repimpadamente a sua obra-prima.

Talvez por estas e por outras é que mister George, cobiçado nas redondezas, fazia orelhas moucas aos convites que recebia. Lá em casa era um artista e nas outras, quiçá, ao fazer algumas das suas, um cozinheiro insubordinado.

Nos dias que se seguiam às libações báquicas, mister George penitenciava-se e até se permitia, de modo magnânimo, levantar o véu sobre o que iria ser servido:

-Hoje é uma entrada de marisco…

-E…

A concessão estava feita. Mister George nada mais diria.

-Está quase a sair…

E foi assim que tivemos um fabuloso cozinheiro, que se fartara de andar pela ”estranja”, trabalhara em hotéis e resolvera pousar  lá por casa.

Ainda hoje sonho com o euromilhões, não para comprar um palácio, um maserati ou um rolls (um bentleyzinho talvez…) mas para ter a possibilidade de contratar um mister George ou alguém que a ele se assemelhasse, nem que fosse uma bigoduda com metade dos seus dotes e com o dobro das suas manias!

Hellas! Sonhos de pobre são o diabo!


Jorge C. Chora

sexta-feira, 4 de novembro de 2016

BEIRA NOS ANOS 6O/LADY,A CADELA SALVA-VIDAS E A CARRIÇA VAI-COM-TODOS

            
Tivemos na Beira, eu e o meu irmão, duas cadelas, uma chamada Carriça e a outra Lady. A primeira, foi um primo nosso, o Viriato, que a trouxe. Viu-a no mato e apaixonou-se por ela. O focinho preto denunciava uma boxer, jurava ele a pés juntos, assumindo o estatuto indiscutível de “grand connaisseur”. Comprou-a por 15 escudos, o que na época, convenhamos, não era nenhuma pechincha, tratando-se de um miúdo. O dono também lhe poderia, eventualmente, ter assegurado que a Carriça, assim se viria a chamar a cadela, era uma boxer puro sangue, prontificando-se a atestar a sua linhagem, por escrito, caso soubesse escrever, ou por impressão digital no notário, se preciso fosse e para tal tivesse dinheiro.

A Carriça era, afinal, uma rafeira de perna e pêlo curto, uma meia-leca desavergonhada, sempre grávida e que paria filhos lindos, às dúzias. Embora vadia, era uma mãe extremosa e educadora ríspida, sempre pronta a arreganhar o dente quando não era obedecida e os cachorros se afastavam.
A Lady, essa foi-nos oferecida no Garuso, uma localidade próxima da fronteira da Rodésia, pelo dono de uma “farm” que criava cães. A bicha era produto de um devaneio de uma perdigueira que acasalara com um leão da rodésia. Era loura a bichana, com um porte de princesa e uma meiguice digna de nota. Trouxemo-la para nossa casa no Macúti/Beira, perto da praia.

A Lady, ao contrário da Carriça, era enorme e a sua ternura era directamente proporcional ao seu tamanho. Passava a maior parte do tempo connosco na praia. Se ocasionalmente não nos tivesse acompanhado, logo que desse pela nossa falta, ia lá ter.

Na praia, os seus instintos protectores encontravam-se em estado de alerta. Os seus olhos seguiam-nos quando jogávamos futebol, vólei ou outra coisa qualquer. Mal entrávamos na água, levantava-se e ia para a beira mar mantendo-se sempre de pé a observar-nos. À medida que nos afastávamos, ela entrava na água e ia ter connosco. Nadava à nossa volta e só sossegava quando lhe agarrávamos a cauda e ela nos trazia para a praia, ora agora um, e logo de seguida o outro, caso lá se deixasse estar.
Os seus serviços não se esgotavam com o transporte efectuado. No areal deitava-se de lado e ajeitava-se, de modo a oferecer-nos a barriga como almofada.

Já em casa agradecia-nos o banho de mangueira que lhe dávamos, lambendo-nos as mãos e não se sacudia de imediato, evitando salpicar-nos.

Enquanto vivemos na Beira, nunca conseguiu ter filhos vivos, mas cuidava dos da Carriça, quando ela não estava, e deixava-se morder, sem se defender, quando ela regressava.

Só conseguiu ter filhos, só um ou dois de cada ninhada, quando nos mudámos para LM e arranjou um pai, quase tão grande como um pónei e mais feio que o demo.

A Carriça não nos acompanhou na deslocação, pois, os rodesianos com que ela engraçava, a levaram para o seu país, de acordo com quem a viu ser “transportada” e porque deixou que a levassem já que, não tenho qualquer dúvida, ronhosa como era, ninguém a levaria contra a sua vontade.


Jorge C. Chora

quarta-feira, 2 de novembro de 2016

BEIRA NOS ANOS 6O/UM CASACO PARA INGLÊS VER E NINGUÉM BOTAR DEFEITO

                                                               

A Beira dos anos 60, mais propriamente a zona turística Macúti/Estoril, era frequentada por milhares de estrangeiros, nomeadamente rodesianos, que aí passavam as suas férias.

O parque de campismo, os hotéis e residenciais, acomodavam-nos. A proximidade da praia, as camas elásticas no areal, o andar de skis, o body board e o surf, utilizando as enormes e pesadas pranchas da época e as inúmeras diversões citadinas, atraiam os turistas. A cerveja “Manica”, os pitéus e a culinária variadíssima, também eram trunfos de grande valia.

Na época estavam na moda os casacos com listas verticais, fazendo recordar os pijamas. Trajavam os “bifes” fatos de banho durante o dia, mas no final da tarde, nas esplanadas, apresentavam-se com os ditos casacos e de calções, a maior parte das vezes.

 No Macúti, um vizinho da nossa idade, achou por bem, em questão de moda, não ficar atrás da estrangeirada. À tardinha, envergava um casaco de pijama listado, saía e ia dar uma volta até ao “camping”. Passava em frente aos hotéis e às esplanadas, bamboleando-se com um “aplomb” de causar inveja, um estilo de “portuga-bife” sui generis, como que transmitindo a mensagem “não são só vocês que sabem andar de pijama”. Regressava a casa, satisfeito com a passeata e com o “show” que dera.

Ao dar a sua voltinha diária, envergando o seu bem passado casaco, dava uma lição de moda “pijamal”, já que nesta variante, era um verdadeiro mestre.


Jorge C. Chora