quarta-feira, 29 de dezembro de 2021

COVERSAS CELESTIAIS

Júlio sentava-se à soleira da porta da traseira de sua casa e ficava a contemplar a sua horta.  O tempo estava seco e ele perscrutava o céu em busca de sinais de chuva. As alfaces bem precisavam dela, assim como os pepinos e os pimentos.

-Um pouco de água vinha mesmo a calhar… - desabafou em voz alta.

O vizinho do andar de cima, bem mais novo do que o Júlio, foi buscar um borrifador, estendeu o braço para fora da janela e pôs-se a borrifar a água bem em cima do Júlio.

- Obrigado, Senhor! Ouviste o meu pedido e vieste em meu socorro…agora pode ser que me envies uma samarra para o inverno, que bem preciso dela!

E o vizinho, de olhos arregalados, não se conteve e disse:

-Julgas que eu sou o Pai Natal?

E o velho contemplador da horta, como quem não quer a coisa e falasse para o além:

- Desceste de categoria Senhor?

- Como assim? – perguntou irritado o homem dos borrifos.

-Há bocado falava com Deus e agora passaste a Pai Natal?

-Raios partam o velho que julgava estar a falar com o Senhor…  -abespinhou-se o aguadeiro improvisado

Diz-lhe que sim, diz-lhe que sim, pensou Júlio para os seus botões, acabando por lhe dizer:

- Já que não me ofereces nada, ofereço-te eu umas barbas falsas de Pai Natal.

 

Jorge C. Chora

29/12/2021

domingo, 26 de dezembro de 2021

A ALDEIA DO EMAGRECIMENTO GARANTIDO


No trajeto entre aquela aldeia e o mar surge sempre, de supetão, um enorme cabrão. É cabrão por ser um bode grande, mas este é duas vezes cabrão pois comporta-se no sentido que lhe dão, de verdadeiro cabrão.

Não há quem não tema e não trema ao vê-lo investir, saído do sopé da montanha, como um aterrador monstro mítico.

Muitos foram e são os sustos de quem levou marradas por não terem conseguido fugir a tempo, julgando que a investida não lhes era destinada, mas para outros mais feios do que eles.

Os aldeãos, após muito refletirem sobre o destino a dar ao animal, resolveram, de modo sábio, aproveitar os ímpetos maléficos do cabrão.

Aos inimigos de algum aldeão, levam-no a passear para aquele trajeto e para o respetivo castigo: umas boas e belas marradas ao indesejável.

Mas o aproveitamento não se ficou por aqui. Decidiram, por unanimidade,

que ele deveria dar rendimento à aldeia. Mas como fazer?

Levantou-se o mais anafado dos habitantes e disse:

-Lembram-se de quantos quilos perdi quando tive o mau encontro com esse cabrão? Da corrida de 5 quilómetros até ao mar? Dos 1oo metros que tive de nadar com o estupor do bode à minha espera na praia?

Fez-se luz. A aldeia tornou-se numa estância de emagrecimento: todos os dias levavam o(os) candidato(os), ao fatídico encontro com o bode. Para não acontecer nada de mal eram acompanhados por um jipe, no caso de não conseguirem correr mais do que o cabrão!

À entrada da aldeia, passou a figurar um grande cartaz:

Emagrecimento garantido em tempo recorde

Se tiver dificuldade em emagrecer, já sabe: uma ida a esta aldeia e já está!

 

Jorge C. Chora

26/12/2021

sábado, 25 de dezembro de 2021

ESCREVER É RESPIRAR


Escrever por prazer,

e oferecer

a quem quiser ler,

momentos de lazer,

sem a ninguém obrigar

a pagar seja o que for,

a opinar sem querer,

ou a apreciar quando se detesta,

é uma liberdade sem preço.

Escrever é respirar,

um sentir difícil de ser asfixiado,

um oferecer continuado,

quer seja ou não pago.

 

      Jorge C. Chora

       25/12/2021

quinta-feira, 23 de dezembro de 2021

O PESADELO DE MARIA JOSÉ


Maria José

santa não é,

demónio também não,

mas anda furiosa

e tem pesadelos

com os maus-tratos

de alguns colegas.

Tem desejos inconfessáveis

de lhes enfiar um chouriço

pelo sim senhor.

Um amigo desaconselhou-a:

- Estragas um chouriço

e eles ainda julgam ser uma

prenda de Natal!

Recomendo-te, no mínimo,

um abacaxi!

E Maria José,

não é demónio

mas santa também não é,

pediu para sair mais cedo,

foi à mercearia e escolheu

alguns abacaxis:

- Quero os três maiores por favor!

       Jorge C. Chora

             23/12/2021


quarta-feira, 22 de dezembro de 2021

O VENDEDOR DE ARTIGOS VOADORES


O bairro era habitado por inúmeros larápios: uns roubavam por necessidade, outros por vício. A maior parte pertencia à segunda categoria, a dos viciados.

Mas era exatamente nesse local que existia um lendário comerciante, que se intitulava de vendedor de artigos voadores. Vendia fruta e pequenos tapetes, sempre no mesmo local, há tantos anos que já   tinha perdido o conto.

Era às segundas-feiras que a freguesia abundava e havia sempre algum novato a iniciar-se nas lides do alheio ou um já batido, a tentar a sua sorte na confusão.

O azar batia-lhes à porta, tão depressa e tão certeiro, que nem eles esperavam. Uma maçã, laranja ou a fruta que ele estivesse a vender, era arremessada com tal precisão que se esborrachava nas suas cabeças ouvindo-se quase em simultâneo dois gritos:

- Ora toma -gritava o vendedor enquanto atirava.

-Ai – queixava-se o abafador, após apanhar com a fruta.

Tratando-se do tal bairro especial, recorde-se de que abundavam os viciados no roubo, depressa engendraram uma forma mais adequada de se apossarem do que não era deles.

Os roubos passaram a ser executados por dois meliantes. Um fazia a vezes de avançado e o outro de guarda-redes. Roubavam e ainda tinham o bónus da fruta que o vendedor atirava e o especialista encaixava.

O vendedor depressa engendrou o contra-ataque. Trouxe o boxer que tinha em casa e à ordem de avançar, mordia o que os ladrões tinham pendurado no meio das pernas. Com a atrapalhação, não apanhavam a fruta a tempo e levavam em cheio com ela.

Como a necessidade aguça o engenho, os viciados rapinaram coquilhas numa loja de desporto, e lançavam-se à fruta, com todo o à-vontade.

As ordens para o boxer mudaram:

- Morde o rabo!

E as reuniões dos meliantes, passaram a ser feitas de pé, numa praça, à vista de todos, uma vez que não conseguiam sentar-se.

 

Jorge C. Chora

22/12/2021

sábado, 18 de dezembro de 2021

DIZEM QUE DISSE


Dizem ter dito

e eu não disse,

nada do que disseram.

Afinal quem disse

o que eu não disse?

Alguém disse

que tu disseste

aquilo que agora dizes

não ter dito

e na altura disseste!

Mau, já vos disse

não ter dito,

o que disseram

que eu disse!

Entendido, não disseste

o que disseste,

dás o dito por não dito.

Não! quem disse que eu

disse o que não disse,

não conseguiu que eu dissesse

o que eu nunca disse!

Será que disse? Já nem sei

o que disse, de tanto

dizerem que disse

o que não disse!

 

Jorge c. Chora

18/12/2021

quarta-feira, 15 de dezembro de 2021

CONSELHO NUPCIAL


Se delicado(a) não for,

os seus dependentes

não souber acarinhar,

e no lugar do outro

evitar colocar-se,

recuse-o(a) como amigo(a),

como namorado(a),

e muito menos,

isso nem pensar,

como esposa ou marido!

 

Jorge C. Chora

15/12/2021

domingo, 12 de dezembro de 2021

A MATA-SETE

 


Ela só calça louboutins,

saltam-lhe as notas

dos bolsos,

e cada passo dado

é ritmado pelo tilintar

de muitas moedas.

Interiormente,

é feia como o diabo,

mas recusa todos os dias

um cabaz de namorados,

desejosos de com ela casar,

não sem antes

tirar as medidas a todos os recusados.

Os interessados interesseiros,

como dela casamento não conseguiram,

alcunharam-na de Mata-Sete,

e ela acha graça,

pois tendo matado mais de vinte,

quase se sente uma menina,

 com a fama de no papo ter só sete.

 

Jorge C. Chora

12/12/2021

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

A MINHA TIA- AVÓ


A minha tia-avó Ivana, há muito falecida, era pequena e leve como uma pena. O vento só não a levava porque ela não gostava de voar e tinha decidido ficar em terra, custasse o que custasse.

Para além da sua estatura, tinha um sinal no nariz, que lhe dava um ar travesso, talvez, como direi, um aspeto de pequena bruxa boa. Era dotada de um feitio especial e nunca se irritava: resolvia tudo a bem e o que não tinha remédio, remediado estava.

Adorava a criançada e nunca ralhava, aliás, como já disse, mas reforçar este aspeto, no caso dela, não é demais, como fica comprovado no episódio que vou contar e que me contou o meu pai, também há muito falecido.

Um dia a minha tia Ivana, não sei por que razão, teve de dar almoço a uma caterva de netos, sobrinhos e alguns dos seus amigos.

Sabia por experiência própria que a gaiatada adorava bifes, com batatas fritas e ovos estrelados.

À medida que fritava as batatas e as ia colocando numa enorme travessa, os miúdos entravam à vez na cozinha, iam comendo e saindo à socapa ou pelos assim achavam eles.

À hora da refeição, vieram os bifes, os ovos estrelados e a grande travessa de batatas fritas. Ficaram todos a olhar para a travessa: ela só tinha meia dúzia de batatas.

-Só isso? Tão poucas para tantos?

Impávida, a tia Ivana, contrapôs:

-Fritei tantas batatas quantas cabiam na travessa! Os meninos já as comeram na cozinha!

E a miudagem desencadeou um rol de críticas e acusações mútuas:

-Tu é que comeste mais…

-Eu? Só fui três vezes à cozinha…

-O que interessa não são as vezes que foste, mas a quantidade que comeste…

E a discussão ia já longa, quando a tia resolveu intervir:

-O que não tem solução solucionado…

-Solucionado está! - completaram em uníssono os comilões.

Então, para o futuro, para que o problema não se repita, o que é preciso fazer?

-Ninguém entra na cozinha para comer o almoço, antes deste ir para a mesa.

E nunca mais faltaram batatas fritas, nos dias dos bifes, batatas fritas e ovos estrelados.

A sapiência dos antigos era assim.

 

Jorge C. Chora

8/12/2021

domingo, 5 de dezembro de 2021

GRATIA PLENA

O café estava localizado a um passo da igreja.  Abrira recentemente e pretendia homenagear a Virgem Santa, da qual o proprietário era devoto. Podia ter-lhe dado o nome de “CHEIA DE GRAÇA”, mas achou que era mais fino intitulá-lo, em latim, de “GRATIA PLENA” e assim ficou.

Cada cliente que de lá saía, vinha cabisbaixo e a murmurar algo impercetível.

O vendedor ambulante, cujo poiso de vendas ficava quase à porta do estabelecimento, andava intrigado: não conseguia decifrar, por mais que se esforçasse, o que eles diziam.

Um dia encheu-se de coragem e quando um homem, ainda jovem, de lá saía e murmurava misteriosamente algo, lhe perguntou:

-Peço-lhe imensa desculpa, mas estou curioso… - e explicou-lhe que todos os que de lá saíam, murmuravam palavras ou frases misteriosas- Afinal o que significam? O que se passa?

E o senhor mostrou-lhe a fatura que tinha pagado por um café e um bolo…

-O vendedor arregalou os olhos e sem querer soltou, bem alto, um palavrão que se ouviu na esquina.

-Pois é meu amigo, eu sou mais contido e roguei à Virgem que rogasse por mim!

E vinha a sair nesse momento um senhor idoso, usando um colarinho clerical, que de mãos na cabeça dizia:

“…ora pro nobis peccatoribus nunc et in hora mortis nostrae, Amen”

E o jovem, sorrindo, informou o vendedor:

- O senhor padre deve ter recebido a conta do almoço e traduziu a frase, recordando-se dos seus tempos de seminarista:

“… Rogai por nós pecadores, agora e na hora da nossa morte, ámen”

E o vendedor ambulante, a partir daí, ao ver o padecimento dos clientes,

mostrava a sua solidariedade, dizendo, convicto, após os seus murmúrios: ámen.

Jorge C. Chora

5/12/2021

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

AS PATRANHAS D'OUTRORA


O dia pedia praia e Filipe não se fez rogado. Agarrou na toalha, vestiu o fato de banho, foi buscar a bengala e, num pulo, como quem diz, estava na praia.

Ficou perto de um casal desconhecido, com um miúdo de cerca de dez anos. Mais à frente, mas perto, duas amigas, a Laura e a Isabel, bem mais novas do que ele, já se douravam ao sol, como verdadeiras nudistas que eram.

Ao verem o amigo Filipe, acenaram-lhe. Laura levantou-se e foi ter com ele, nua, tal como estava, a pedir-lhe lume para acender o cigarro.

João, assim se chamava o miúdo, como Filipe veio saber, ao ver Laura exclamou:

-Não acredito! A senhora não tem um caranguejo naquele sítio! Que mentiroso!

O pai, surpreendido, perguntou ao filho:

-Que história é essa?

- O Victor lá da escola, diz que as mulheres têm um caranguejo …! – e nem terminou a frase, tal a indignação de ter vindo a ser ludibriado.

-Não meu filho…-ensaiou o pai.

E não teve tempo para mais nenhuma explicação, pois uma gargalhada monumental atroou os ares e interrompeu a tentativa de explicação do pai.

Era o Filipe que tremia de riso e mesmo assim, conseguiu pedir desculpa:

-Vocês desculpem-me, mas também eu, há mais de cinquenta anos, tinha um colega, o Zé das Petas, que que nos contava essa patranha do caranguejo!

E o João, furioso e vermelho, antecipava o momento de reencontro com o Victor:

-Eu dou-lhe o caranguejo…

Jorge C. Chora

2/12/2021

domingo, 28 de novembro de 2021

MARILU RONCA/ A PRINCESA DA ARREBENTA - SOBREIRO


Marilu Ronca tem vida de princesa. É mimada, come, dorme e não trabalha, porque não precisa. Tem quem cuide dela todos os dias, a afague e lhe fale com toda a doçura. Faz parte do seu crescimento harmonioso.

É avaliada todos os dias, sem falta, não vá adoecer e ninguém dar por isso. É guardada por dois enormes defensores caninos, que ao menor perigo desencadeiam violentos alarmes sonoros. Não há quem se atreva sequer em pensar causar-lhe danos de qualquer espécie.

A sua habitação é varrida, escovada e lavada amiúde. Na parede existe ou vai existir, uma marcação rigorosa em metros e centímetros, que possibilitam a identificação da sua altura ao longo das semanas e dos meses.

De facto, Marilu Ronca é uma princesa, criada por dois amigos nossos, meus e da minha mulher, que lhe prodigalizam os cuidados que tenho vindo a mencionar.

O que ainda não disse é que Marilu é uma porca numa casa em que os seus proprietários não são nem têm nada de vegetarianos. Não sabe e duvido que Marilu queira saber que os cuidados que recebe, não são desinteressados e que as festas fazem parte de um processo de avaliação das suas carnes.

Até ao dia fatal, Marilu Ronca faz jus ao seu apelido e vai roncando de manhã à noite, na sua prepotência de princesa, usufruindo do seu estatuto real.

 

Jorge C. Chora

28/11/2021

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O PECADO DE ISIS

Padre António foi chamado ao hospital, a pedido de Isis, uma amiga e paroquiana de longa data.

Isis queria comungar, para surpresa de António.

-Sei que está surpreendido, porque nunca comunguei. E nunca o fiz porque vivi sempre em pecado e nunca o confessei, logo não podia comungar!

António percebeu que a amiga estava a despedir-se da vida. Estava a confessar-se.

-Amei uma mulher, uma amiga, toda a vida. Um pecado que agora confesso e que nunca confessei a quem amei, embora tenha estado toda a vida ao lado dela.

António soube de imediato de quem se tratava: era de Helena, que nem sonhava que era amada por Isis. Ouviu a confissão e absolveu-a:

-Amar não é pecado- disse-lhe António, beijando a mão da amiga.

Ao sair do quarto, encontrou Helena que esperava a sua vez de visitar Isis. Olhou-a nos olhos e disse-lhe:

-Amiga Helena, só te posso pedir que te despeças de Isis, como se fosses a sua namorada…

Helena arrepiou-se, ao perceber, de súbito, o amor que Isis lhe tinha tido sempre. Quanto sofrimento lhe causara ao saltitar de namorado em namorado e ela ao seu lado a ver tudo! As férias de que ela prescindira para estar consigo! Os sacrifícios que ela fizera por si!

Entrou no quarto e olhou a sua amiga. Estava magra, cheia de olheiras, com os braços todos espicaçados e com um sorriso de felicidade ao vê-la entrar.

Beijou-lhe as mãos e os braços cheios de nódoas.

Isis morreu nesse mesmo dia e ninguém conseguiu entender o sorriso que tinha.

Hoje, Helena tem uma fotografia de Isis na sua casa, num lugar de destaque, porque sabe que ela, esteja onde estiver, está a velar por si, o seu amor de sempre.

 

Jorge C. Chora

25/11/2021

domingo, 21 de novembro de 2021

BEATRIX E ALBERTUS


Acordou tarde e sobressaltado. Tinha de ir buscar o João ao aeroporto e se não se apressasse não chegaria a horas. Engoliu um café, não fez a barba, vestiu-se e saiu.

Chegou 5 minutos após a hora marcada. Estacionou o carro às três pancadas e correu para as chegadas.

Havia um atraso de 20 minutos. O dia não lhe estava a correr de feição, mas nem tudo era mau pois tinha chegado ainda a tempo de receber o filho João. Ele vinha passar as férias consigo. Tinha ficado com a mãe, depois do divórcio, vivia e estudava em Amesterdão. Após o falecimento da mãe, num acidente de viação, passou a viver com a avó.

Após um abraço forte e prolongado, dirigiram-se ao carro onde viu, pespegado no vidro da frente uma multa de estacionamento.

Ao iniciar a marcha atrás, embateu numa viatura que estava a passar. Benzeu-se. Não devia ter saído de casa. Abriu a porta e viu ao seu lado uma senhora sardenta, a sorrir-lhe, que lhe disse:

- “Goodendag meneer” Albertus…

Mau, a coisa ia de mal a pior. Que língua era aquela, pensou, atarantado, enquanto a senhora lhe continuava a sorrir. Nunca tivera jeito para línguas, só falava inglês ou melhor, desenrascava-se.

E perante os seus olhos, viu o João dirigir-se à viatura que ele abalroara, abrir a porta e beijar uma rapariga ainda mais sardenta do que a senhora a seu lado.

-Ó pai apresento-te a minha namorada. Viajámos juntos. Ainda não tive tempo de te explicar que somos colegas no colégio e só há uma semana começámos a namorar. Chama-se Anouk e a mãe, que está aí contigo, é a Beatrix…

-Mas como é que a senhora sabe o meu nome?

-Olha pai, ela não é bruxa. Mostrei uma fotografia nossa à Anouk, ela digitalizou-a e enviou-a à mãe…

-Mas a Beatrix vive em Lisboa? Sim, vive e trabalha numa multinacional. Está divorciada e a Anouk vive com o pai em Amesterdão. Ela vem de férias, viemos no mesmo avião, mas eu não tinha tido tempo para te explicar nada.

O acidente deixou de ter qualquer importância.

Ao fim de cinco anos, Alberto e Beatrix, esperam juntos e de mãos dadas, no aeroporto, em Lisboa, a chegado dos filhos e do neto de ambos, para as férias anuais.

E é só porque Beatrix já não tem idade para ser mãe é que não apresenta todos os anos, um novo filho, mais novo que os netos, pois ela e "Albertus" não se largam por nada deste mundo.

 

Jorge C. Chora

21/11/2021

 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

AMÉLIA E HÉLIO

Amélia mal entrou ao serviço foi recebida com um sorriso aberto pelo seu amigo e colega Hélio:

- A tarde correu-te bem…

- Por que dizes isso Hélio?

-Olha, porque os teus olhos não mentem. Tens as pupilas dilatadas…

- De facto tens razão…- e nada mais adiantou

Nem precisava de contar mais nada. Ele sabia que a amiga tinha um novo namorado porque estava a usar o perfume que ela gostava só para aquelas ocasiões. O olfato de Hélio raramente o enganava.

Amélia e Hélio eram amigos desde os bancos da pré-primária. Sabiam tudo um do outro. Partilhavam as alegrias e as tristezas também.

Hélio não gostava de que a sua amiga fosse apanhada em falso pelos diretores e engendrava as mais mirabolantes desculpas. Amélia, por sua vez, gostava de manter as suas conquistas em segredo e em relação a isso nada contava.

Dois dias depois, Amélia repetiu a ausência e Hélio reparou que ela tinha tido o cuidado de entrar de costas, fingindo estar a acenar a alguém. Hélio nada lhe disse, mas ficou descansado em virtude de ninguém ter notado a sua falta.

Na semana seguinte, Amélia, à hora previamente combinada, saiu sem ninguém ter dado por ela, exceto o seu amigo Hélio. Desta vez demorou horas a regressar. Hélio ficou em cuidado. Quando finalmente se decidiu a telefonar-lhe, viu-a entrar sorridente, de óculos escuros, vindo diretamente ter com ele.

- Tens novidades e das grandes, Amélia … não me digas que há outro mouro na costa…

- Digo, meu amigo.  Nem advinhas quem…

Hélio juntou os pauzinhos. Tantas horas fora do serviço e nada de repreensões? Hum… Tinha de ser um dos grandes… Talvez o diretor… - e arriscou- O diretor?

-Não se pode esconder nada de ti meu querido amigo! E venho pedir-te…

E não foi preciso completar a frase:

- E pediu-te em casamento e vens convidar-me para padrinho!

-Isso mesmo! Como é que sabes?

- Tens as pupilas tão dilatadas, só podia ser algo assim…

E Amélia, transbordando de felicidade, pendura-se-lhe ao pescoço, tresandando ao perfume daquelas ocasiões, enchendo-o de beijos e apertos asfixiantes.

Jorge C. Chora

18/11/2021

domingo, 14 de novembro de 2021

UM AMOR RETOMADO


Era sexta-feira, dia de ir ao mercado, aproveitando a sua hora de almoço. Apetecia-lhe berbigão. Quando se dirigia para as bancas do peixe teve uma sensação estranha. Viu do outro lado, nas filas paralelas, alguém a caminhar e a coçar a cabeça, de modo muito familiar. Olhou melhor e a sensação agudizou-se.

Tinha de averiguar o que se estava a passar. Foi seguindo com o olhar a pessoa, mas nada conseguiu apurar. Tinha quase a certeza, sentia que a conhecia, mas desconhecia quem era. Estava a confundi-la decerto!

Comprou o berbigão e dirigiu-se para a saída do mercado. Quando passava pela banca dos vegetais ouviu uma voz a perguntar quanto custava o molho de nabos. Teve a certeza de que aquela voz não lhe era nada estranha. Parou e deu de caras com a pessoa que seguira com o olhar.

Observou-a de modo rápido e teve a certeza de que a conhecia muito bem. Rebuscou na memória e a pessoa identificada, não correspondia, a todos os pormenores a quem ele se parecia. Olhou-a fixamente e quando ia pedir perdão por achar que a conhecia, mas não estava a ver quem era, ela reconheceu-o de imediato:

- Meu querido Sebastião – E abraçou-o de modo efusivo.

Sebastião não acreditou no que via. Tinha à sua frente a sua amada Joana com quem vivera dois anos. Ela fora especializar-se para França e não voltara.

À sua frente estava um homem, com o mesmo olhar doce da sua Joana, com uma pequena barbicha. Sebastião não estava a acreditar. Joana fora a única mulher que ele amara.

-Chamo-me agora João -informou-o, não lhe largando o braço e envolvendo-o pela cintura- enquanto lhe explicava que nunca o esquecera e continuava a gostar de homens.

Ao fim de uma semana, Sebastião só conseguia ver os lábios, o olhar, a doçura musculada de Joana e não resistiu: beijou-o com todo o seu amor, no que foi correspondido.

- Que nojo… -exclamaram dois jovens que passavam ao verem o beijo apaixonado.

João -Joana e Sebastião vivem juntos e a única concessão feita a Sebastião, foi tirar a barbicha porque ele nela se picava.

Jorge C. Chora

14/11/2021

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

O QUERUBIM

Seis amigas, à beira dos trinta anos, trocavam impressões após alguns anos sem se verem. Saltitando de assunto em assunto, de memória em memória, caíram na temática dos namoros.

Entre risotas bem-dispostas, abordaram as caraterísticas dos “pavios “de que mais tinham gostado e chegaram à conclusão de que eram medianos ou mesmo pequenos, mas gordos.

E foi nesta fase que um jovem, cerca de dez anos mais novo, que estava ao lado na esplanada, percebeu do que falavam e lhes disse, interrompendo com ar atrevido a conversa:

-Agora percebo porque atraio tantas mulheres! -e com um gesto, mostrava a falange do seu dedo indicador.

Elas entreolharam-se, deram uma grande gargalhada e a que estava mais próxima dele, franzindo o sobrolho, perguntou-lhe:

-O jovem é muito religioso, não é?

-Mas porque pergunta isso?

E em uníssono, as seis amigas, responderam-lhe:

- Só pode ser, se acredita em milagres! Ou então é um querubim, com tanto poder num pavio tão pequeno!

E o jovem, repreendendo-se, pensou: estás a ver no que dá exagerar as tuas qualidades? Ninguém acreditou!

E ainda mais surpreso ficou, quando a caminho da paragem do autocarro, viu parar à sua frente um carro, conduzido pela mais alta das amigas, que o convidou em voz suave e bem modulada:

-Entra Querubim!

 

Jorge C. Chora

  10/11/2021

 

sábado, 6 de novembro de 2021

A "MORCEGONA"

 Batizou-a o cusco da rua como” Morcegona”, não só devido ao seu tamanho, 1.80 m, como também pelo facto de a senhora só sair após o anoitecer, fazendo lembrar os morcegos.

Vestia-se de modo cuidado, mas sem luxos. Saía todos os dias, em direção ao seu velho, mas estimado carro, herdado do pai e entrava na viatura cinco minutos depois.

Morriam de curiosidade não só os vizinhos, mas também o cusco, como não podia deixar de ser:

- Quem é que ela é? Como se chama? O que faz?

E o cusco roía-se de desespero, por nada, mesmo nada dela conhecer, exceto a sua hora de saída.

Farto de não saber dar informações sobre a ”Morcegona”, inventou umas patranhas, nada abonatórias das virtudes da senhora.

 Um dia o cusco, alambazado como era, ao sentir-se doente, tomou um frasco de medicamentos após se ter empanturrado de comida e bebidas. Foi parar ao hospital onde lhe diagnosticaram uma intoxicação. O tratamento indicado não se fez esperar:

-Um clister, duplo para ser eficaz! e uma lavagem ao estômago….

E foi quando o cusco, pelo canto do olho, viu a médica que o estava a tratar: era a “Morcegona”.

Calou-se bem calado, rezando a todos os santinhos para que a médica não o reconhecesse e triplicasse a dose de clisteres!

Ainda hoje não sabe se foi ou não identificado, mas o certo é que nunca mais falou sobre a “Morcegona”.

 

Jorge C. Chora

6/11/2021

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O ABRAÇO

 


Um abraço é um aconchego,

um anda cá amigo,

deixa-me acolher-te,

sentir o teu peito,

mostrar o meu apreço por ti.

 

 

Jorge C. Chora

4/11/2021

domingo, 31 de outubro de 2021

O CADEIRÃO/ UM QUADRO DE REVISTA DO PARQUE MAYER


Saltaram-lhe os olhos das órbitas, ao ver o cadeirão com que sempre tinha sonhado.

 Cadeirão de boa madeira, revestido a couro, com sinais de uso, com aquele toque de classe. Um verdadeiro achado.

Travou de imediato conversa com o cavalheiro que tinha um braço em cima dele:

-Fez uma bela compra!

-Engana- se meu amigo. Não o comprei agora. Estou farto dele e vou vendê-lo!

- Não me diga! Quanto quer por ele?

-Só trezentos euros…

O negócio concretizou-se num ápice.

Quando o comprador se preparava para o levar, surgiu-lhe outro homem a exigir-lhe o pagamento:

-O cadeirão ainda não está pago! Um senhor de fato azul disse-me que ia ao carro e desapareceu.

-E quanto lhe ficou ele a dever?

-Cento e oitenta euros…

E o comprador pagou o que lhe pediram.

Respirou fundo, levantou o cadeirão e mal iniciara a marcha, surgiu-lhe uma senhora, que furibunda e aos gritos o interpelou:

-Para onde vai levar o meu cadeirão? Estou a mudar-me para aqui, deixo-o no passeio porque não consigo carregar tudo ao mesmo tempo e o senhor vai levar-mo?

Já sem dinheiro para comprar o objeto pela terceira vez, só lhe restou uma saída:

- Perdão minha senhora. Não sabia que era seu. Eu ajudo-a a carregar o cadeirão para o seu andar.

Dito e feito. Carregou o cadeirão até ao quinto andar, sem elevador, desejou felicidades à senhora e desceu com muito sacrifício.

Já na rua, uns cinquenta metros andados, um idoso apoiado na neta dizia:

-Vês minha querida, eu não te disse que em dez minutos o cadeirão que eu deitei ao lixo desapareceria!

 

Jorge C. Chora

31/10/2021

-

 

 

 

 

 

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

O ARREPIO DO SANTINHO


Para santinho nem a aureola lhe faltava: a queda precoce de cabelo fazia-o assemelhar-se ao Stº. António. Quanto ao comportamento, era considerado exemplar quer no bairro quer na escola.

Ao acordar naquela manhã, ninguém diria tratar-se da mesma pessoa. Deu-lhe a louca, como diria a sua amiga Olga. Pura e simplesmente decidiu faltar às aulas, mas não podia permanecer em casa.

Vestiu-se, agarrou na pasta com os livros e foi apanhar o autocarro. A viagem ainda durava cerca de 30 minutos pois vivia numa localidade ainda distante da escola.

Cirandou pela cidade, ocupou o tempo a ver lojas e no café. Na hora de regressar, encaminhou-se para a paragem. Mal lá chegou viu um carro parar mesmo à sua frente.

-  Anda …   dou-te boleia. Hoje tenho de ir para o sítio onde moras…

João sentiu-se gelar. À sua frente tinha o professor a quem faltara às aulas.

- Vamos embora, não tenho o dia todo…

Ainda pensou dar uma desculpa e não aceitar a boleia. Desistiu da ideia. Tinha de saber o que ele diria aos seus pais. Eles até eram conhecidos…

Durante a viagem João observou de modo atento o professor. O que estaria ele a pensar? Aquele franzir da testa significaria o quê? Porque não lhe daria ele o raspanete que ele merecia?

A viagem foi um tormento. João já estava por tudo. Se o professor não dissesse aos pais nada, ele próprio confessaria a sua falta. Elaborou mentalmente o discurso de desculpas e a promessa de não voltar a cometer a falta.

Chegados ao destino, João ensaiou as suas desculpas:

- Sr. Professor peço-lhe desculpas…

- Desculpas, peço-te eu por não ter tido tempo de vos avisar que tinha de faltar…

João já não ouviu nem quis ouvir o resto.

- As suas melhoras…

E o professor ainda tentou dizer-lhe que não estava doente …

 

Jorge C. Chora

  28/10/2021

domingo, 24 de outubro de 2021

UMA QUESTÃO DE HÁBITO

O seu perfume acabara há duas semanas. O António, todos os dias, à mesma hora, ia buscá-lo à prateleira, desenroscava a tampa e borrifava-o na sua direção. Nenhuma gota de lá saia porque simplesmente, continuava vazio.

A sua mulher, ao fim da segunda semana, farta de o ver repetir este gesto sem qualquer sentido, um tanto agastada, interpelou-o:

-O que se passa contigo? Não vês que já não tens perfume há semanas?

- Eu sei disso!

-Então se sabes porque repetes o gesto como se fosses um maluquinho?

-Para não perder o hábito de me perfumar todas as manhãs…

-Então porque não compras outro frasco?

-Olha …tenho-me esquecido… e por isso, antes que perca o hábito, continuo a” perfumar-me” todas as manhãs!

 Era mesmo assim o seu marido. Decidiu não intervir até que ele se lembrasse de o comprar.

Ao fim de dez dias, não conseguiu aguentar-se, comprou o perfume ao marido e colocou-o na prateleira.

No dia seguinte espreitou o cônjuge. Ele pegou no frasco de perfume cheio, mirou-o, remirou-o em voz alta, questionou-se:

- Não me lembro de o ter comprado! Deve ser do meu filho…

E colocou de novo o perfume onde estava, foi buscar o frasco vazio e “perfumou-se” para não perder o hábito.

 

Jorge C. Chora

24/10/2021

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

AS JURAS


Seja eu cego minha mãe,

se demoro algum tempo

a ir buscar os ovos à loja do Manel!

Vou num pé e venho noutro.

 

Ir num pé e vir noutro

para ti, é coisa difícil meu filho!

Seja eu surdo se não é fácil

ir num pé e vir noutro.

 

Não prometas meu filho

pois ir num pé e noutro vir

é coisa de que não és capaz.

Seja mudo se para isso não sou rapaz!

 

Foi num pé e noutro não veio.

Conversou com a Fernanda

deu à Madalena ajuda,

elogiou a saia garrida da Joana

e quando se recordou da demanda,

estava na praia com a amada.

 

À noite, quando a casa chegou

não trazia nem a cesta que levou.

Quanto a ovos, absolutamente nada,

mas trazia, todo contente, a namorada!

             Jorge C. Chora

             21/10/2021

domingo, 17 de outubro de 2021

PRIORIDADES DE UM AMIGO DA ONÇA

Na sua rua, conhecidos,

já morreram quarenta e um.

Quando chegar a sua vez,

serão pelo menos estes

e mais alguns, os faltosos

às suas despedidas.

Quanto aos conhecidos ainda vivos,

por uma questão de educação,

deu-lhes, de bom grado, prioridade,

prometendo-lhes ir ao funeral,

dispensando-os, assim, do incómodo de irem ao seu.

Quanto aos seus inimigos,

dispensou-os de falsidades,

embora espere saber do deles,

sem eles virem a saber do seu.

Tudo isto também poupa aos outros,

na sua visão, o sofrimento de assistir ao dele.

A prioridade de quem é a bondade em pessoa.

 

       Jorge C. Chora

        17/10/ 2021

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

ÀS MARIAS

Sinto-as eu,

tu e o mar também,

os encantos das nossas Marias,

entre os quais  ouvi-las falar.

Escutar as suas vozes

e os seus bem-quereres,

rendendo-nos às suas

sabedorias,

perfumadas pela maresia,

ouvidas por deliciados cardumes,

por quem até as ondas

se calam para as podermos escutar

é render-nos às nossas Marias.

 

Jorge C. Chora

  13/10/2021

domingo, 10 de outubro de 2021

O DESEJO

Nem o brilho do ouro

desperta tanto o desejo,

como um seio dourado

e o fino rendado

a tapar o tesouro cobiçado,

por todos sonhado,

abaixo do umbigo localizado.

Oh! vento, sê amigo,

destapa a delícia escondida

e serás abençoado

e não te esqueças delas

pois também gostam de peito,

talvez musculado,

e sem rendas, em relação

ao abaixo sediado.


 Jorge C. Chora

   10/10/2021

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

A DISCUSSÃO

 Enquanto um cliente refila,

outro grita,

o terceiro apita,

o quarto agita,

o quinto não vai na fita,

puxa do "guito"

e compra o melão.

Continuam os quatro na discussão,

sem lá estar o melão

e quando chegam à conclusão

de quanto dar pelo melão,

o novo dono pediu pela operação

o dobro do preço pelo maldito melão.


Jorge C. Chora

 7/10/2021

terça-feira, 5 de outubro de 2021

A DANÇA DAS ABETARDAS

Tarde ou cedo todas

as pessoas merecem,

uma atenção semelhante

à que as abetardas

dedicam às suas companheiras.

Uma sedução delicada e bela,

dançada e colorida,

podendo ou não ser aceite,

porque é oferecida e não imposta.

Nos humanos, tal oferta

não tem género,

só a vontade de se darem,

a quem acham merecer a sua atenção.


Jorge C. Chora

5/10/2021



sábado, 2 de outubro de 2021

GENTE AZEDA

 Há gente azeda,

tudo os desgosta,

é gente ácida,

nada presta,

nada lhes agrada

tudo os farta,

tudo é gente suada

e a vida desagrada.

Abaixo gente assim,

à vida, diz-se sim!


Jorge C. Chora

2/10/2021

terça-feira, 28 de setembro de 2021

A MULHER É UM POEMA

A mulher é um poema,

tem forma e conteúdo pensante,

falante e por vezes exuberante.

Tem sabor doce ou agridoce

de maçã, pêra ou limão,

dependendo da ocasião.

Tem o poder da sedução,

domina-te quando lhe apetece

põe-te de joelhos e acontece,

teres prazer em dar-lhe a lua

o sol e tudo o que merece.

     

       Jorge C. Chora

          28/09/2021

sábado, 25 de setembro de 2021

CUIDADO

Se a inteligência é diminuta

não finja ter muita,

corre o risco de mostrar

o que quer ocultar.


Jorge C. Chora

25/09/2021

quarta-feira, 22 de setembro de 2021

A CHAVE

 Dois são os pedidos

de quem dinheiro não tem

e na vida quer singrar e ser alguém:

a lábia do poeta e o vigor do camponês!


Jorge C. Chora


22/09/2021


sexta-feira, 17 de setembro de 2021

O FIM DA MÁSCARA


Desejar ver

e não poder,

estar perto

e não tocar,

falar sem destapar

a boca e os lábios mostrar,

almejar beijar

e ser beijado,

estar perto e não poder tocar,

ó Senhor, foi castigar

a carne, o espírito, a vontade,

roubar o doce à criança,

tê-lo perto sem o mostrar,

sabendo-o à mão sem os poder provar.

Que tormento Senhor!

Agora, destapados os lábios,

é tempo de os apreciarmos,

com conta, peso e medida,

se pudermos, claro está!

E caso não possamos,

não percamos tempo a falar,

isso fica para depois…


JORGE C. CHORA

17/09/2021




segunda-feira, 13 de setembro de 2021

CONSULTA PÚBLICA

 


Há dias uma amiga contou-me uma ida sua a uma ervanária, em tempos que já lá vão.

Ao entrar no espaço, este encontrava-se repleto de clientes. No balcão estavam duas mui veneráveis senhoras que bichanavam as suas queixas em busca dos chás adequados. Não conseguindo perceber a natureza das maleitas das clientes, o empregado esforçou-se para que as senhoras explicitassem de um modo mais claro, de que tipo eram as dores de que procuravam alívio. Não conseguindo ajudá-las de modo adequado, consultou em voz alta o seu chefe. Este, empoleirado num escadote para ter acesso a uma prateleira no fundo da loja, quis certificar-se das maleitas das idosas e berrou lá do alto:

-Afinal de que males da barriga se queixam ao certo? Comem e não cagam?


Jorge C. Chora


13/09/2021

quinta-feira, 9 de setembro de 2021

O SEGREDO DA ROSEIRA

Ao chegar ao seu apartamento, no 4º andar sem elevador, Isaura ia estafada. Mesmo à sua frente,

aos pulinhos, encontrava-se Helena, a sua recente e jovem vizinha.

-Ai..ai… que vou fazer... ai...ai… - e Helena não conseguia abrir a porta – até que parou com os saltos – e já fiz!

E o xixi corria-lhe pelas pernas a abaixo. Olhou envergonhada para a sua idosa vizinha.

-Ai que vergonha…

Isaura não lhe deu tempo para dizer mais nada. Beijou-lhe a testa enquanto lhe fazia uma festa no braço e lhe dizia:

- Acontece minha pequena. Tens de ter atenção, não fiques muito tempo sem ir à casa de banho até porque isso não te faz bem…

- Estou todo o dia a atender os clientes e mal tenho tempo para ir… À saída, quero é chegar a casa o mais depressa e depois…

-Não te preocupes. Vamos combinar uma coisa. Na entrada do prédio, no jardim, há um balde que fica do lado direito, atrás do arbusto. A esta hora não entra ninguém. Se te vires aflita, já sabes… Ah! só te peço o favor, de lhe acrescentares um pouco de água da torneira que lá está ao lado e despejares na roseira.

- Helena agradeceu e Isaura deu-lhe um abraço apertado.

A partir desse dia, Helena nunca mais teve necessidade de saltar. Quem passa na rua, admira-se ao ver uma imponente e bela roseira:

-Quem será o jardineiro que a trata? Que adubo usará? Qual será o segredo?

Jorge C. Chora

9/09/2021

domingo, 5 de setembro de 2021

MANO VELHO



Nina e Bernardo eram irmãos, sendo ele mais velho do que ela. Quando eram ainda meninos, tratavam-se por manos. À medida que foram crescendo, embora ele tivesse só três anos a mais, ela habituou-se a tratá-lo por Mano Velho.

Nina era extrovertida e vivia rodeada de amigas. Bernardo não lhes achava graça, não conseguia simpatizar por aí além com nenhuma em particular. Era delicado com todas e nunca deixou transparecer nenhuma animosidade, fosse com quem fosse, até ao dia em que conheceu Luísa e ficou encantado. Ela tinha menos um ano do que ele e mais dois em relação à sua irmã.

A sua simpatia, a delicadeza e os seus interesses diversificados atraíram-no.

Quando Luísa se tornou a melhor amiga de Nina, Bernardo respirou fundo e agradeceu a Deus a oportunidade de a ver amiúde.

Numas férias de verão, Nina convidou Luísa a passá-las no velho casarão, na quinta da família.

Bernardo deu, interiormente, pulos de contentamento.

Há muito que Nina percebera o amor que o irmão nutria pela sua amiga. Achava estranho que o Mano Velho nada dissesse à Luísa. Podia ser que agora Bernardo se declarasse finalmente, até porque sabia o que ela sentia pelo irmão: por mero acaso lera um poema que ela lhe escrevera para um dia lhe dar e Luísa se esquecera de esconder.

Resolveu apressar o encontro pois sabia que o Mano Velho, devido à sua timidez, nunca conseguiria tomar a iniciativa. Falou à Luísa, que se mostrou muito colaborante e lhe confessou, claramente, o que sentia pelo Bernardo.

Na manhã seguinte, à hora do banho, comunicou ao irmão que ia à vila comprar pão. Antes de sair, fechou a água e passado um bocado, Luísa gritava:



- Não há água… não vejo nada e estou toda ensaboada… Luísa traz-me água do poço…

E Bernardo, atrapalhado respondia:

- A Luísa não está…

- Então vai tu Bernardo...por favor…

E passado um bocado, atrapalhado, batia à porta e ouvia :

- Entra Bernardo, não consigo ver nada…

E o mano velho entrou. O que viu, nunca mais esqueceu: a mulher mais bela do mundo.

Ao regressar da vila, Nina viu o que estava à espera: sentados lado a lado, de mão dada, estavam a Luísa e o irmão.

- Afinal, decidiram namorar?

- Pedi o teu irmão em namoro e ele aceitou.

-É verdade… - disse todo ruborizado o Mano Velho.

Passados trinta anos, quando algum deles amua, Nina ordena:

- Vai desligar a água e aproveitar para lhe tirar o sabão…

E tem resultado.

Jorge C. Chora

5/09/2021