domingo, 10 de fevereiro de 2013

A ripa do estore


Durante meses o estore funcionou mal. Um dia avariou-se. Partiram-se três ripas. O proprietário desmontou-o e saiu para as comprar.
Ao chegar à primeira loja surpreendeu-se com a resposta que lhe deram:

-Ó amigo… esta ripa é do tempo da cachucha …isto já não se usa…

Percorreu todas as boas lojas e o que lhe disseram pouco variou: 
                                                
-Não se fabrica…

-Só um estore novo…

-É um modelo que deixou de se fazer…

 E em todas ouviu a mesma proposta:

-O melhor é comprar um moderno…

Quanto ao preço foram unânimes:

 -Com mil euritos, ou ainda menos, faz a obra. Olhe que é um preço para amigo….

Fez e refez as contas e tomou a única decisão que estava ao alcance da sua bolsa, ou seja, deixar tudo como estava. A caminho de casa quase chocou com um senhor que saía de uma loja e transportava um estore igual ao seu.

-Peço-lhe desculpa…o estore que aí traz…

-É para deitar ao lixo… – e olhando para a ripa que o transeunte transportava, ofereceu-se para a deitar também fora, já que ia desfazer-se da sua.

-Agradeço-lhe mas depois fico sem uma amostra…- desculpou-se.

-Não seja por isso…eu vendo desses estores e também os monto. Se quiser vendo-lhes as que necessitar.
-E quanto é que isso me vai custar? - perguntou a medo.

-Um euro e pouco cada uma e, se precisar, caso more perto, vou-lhe lá montar agora mesmo …

O dono do estore emudeceu. O senhor da loja, ao ver a reacção do potencial cliente, receoso de o perder apressou-se a negociar:

-Se acha muito, posso fazer-lhe um pequeno desconto…

-Não…pelo contrário… - e resolveu contar-lhe as suas andanças.

-Quatro desses senhores são meus clientes. Levo-lhes exactamente o que lhe cobro a si …ontem tive de baixar 10 cêntimos ao meu orçamento… - respondeu-lhe o pequeno lojista -  parece-me que ainda os estou a ouvir:”Um cêntimo é um cêntimo. A crise não existe só para si.”

Uf!

Jorge C. Chora



domingo, 3 de fevereiro de 2013

O solho


À volta de uma mesa, os pescadores do clube discutiam quem tinha apanhado o maior peixe no Tejo.

-Fui eu!- gritaram em uníssono os três amadores.

Esmiuçada a questão, cada um deles enunciou as características do peixe que, segundo eles, era maior e mais pesado do que o dos outros:

-O meu tinha uns dez quilos e um metro e meio de comprimento! – garantiu o “Truta”.

-Logo vi…isso não é nada ao pé do que eu pesquei…tinha uns vinte quilos e para aí uns dois metros… - afiançou o “Barbo”.

-Isso é que vocês são uns convencidos! O que eu pesquei, juro a pés juntos, pesava quase a soma dos vossos e, em comprimento, não sei se não teria  também a soma de ambos… - assegurou o “Achigã”.

A neta do “Boga”, que por acaso estava presente e assistiu à discussão, pediu desculpa e disse:

-As vossas proezas são decerto verdadeiras, mas sei de uma pescaria que ficou nos anais da História. Um só peixe era do dobro do tamanho da soma dos maiores peixes que os senhores alguma vez pescaram.

-Não percebemos nada do que estás para aí a dizer. Se não te importas explica lá isso bem explicado. Estás a dizer-nos que os nossos maiores peixes, todos somados, não chegam a ser metade de um?

-Exactamente! – assentiu a neta do “Boga”- Querem apostar?

-Tudo o que queiras! – berraram ofendidos os pescadores.

-Quero pouca coisa…bastam-me os peixes que pescaram hoje.

-Apostado! E se perderes, pagas e  grelhas os peixes que aqui temos, para todos os sócios. – desafiaram os pescadores.

-De acordo. Mais do que isso, se ganhar, também ofereço o peixe a todos os presentes mas são vocês a grelhá-lo.

A neta do “Boga” abre a pasta que trazia, retira muito devagar um livrinho preto e pede aos apostadores:

-Abram-no na página 15, sentem-se e leiam-na calmamente.

Assim fizeram.
Entretanto, dezenas de sócios tinham cercado o grupo e esperavam para saber quem a ganharia a aposta.

- Leiam-na alto, se não se importam, uma vez que temos aqui muitos interessados na disputa. – propôs a jovem.

À medida que liam, iam ficando vermelhos e chegaram a uma altura que ficaram roxos ao lerem que “D. Guedelha, rabi-mor dos judeus, apresentou ao monarca um solho vivo apanhado no Tejo, que surpreendeu tudo e todos pela suas descomunais proporções, pois o peixe …media17 palmos “de largo” e sete “de grosso”, pesando 17,5 arrobas”pelos pesos de Santarém”.

-E tudo aconteceu no dia 5 de Fevereiro de 1321,uma quinta-feira, dia de Santa Águeda, tal como reza o livro “Documentos de D. Dinis na Torre do Tombo”… - concluiu Marta, com um sorriso de vitória.

Ainda não tinham deglutido a perda da aposta e já ouviam o convite das testemunhas presentes:

-Toca a assar os peixinhos, que a fome aperta e são horas do almoço!

Jorge C. Chora