domingo, 28 de novembro de 2021

MARILU RONCA/ A PRINCESA DA ARREBENTA - SOBREIRO


Marilu Ronca tem vida de princesa. É mimada, come, dorme e não trabalha, porque não precisa. Tem quem cuide dela todos os dias, a afague e lhe fale com toda a doçura. Faz parte do seu crescimento harmonioso.

É avaliada todos os dias, sem falta, não vá adoecer e ninguém dar por isso. É guardada por dois enormes defensores caninos, que ao menor perigo desencadeiam violentos alarmes sonoros. Não há quem se atreva sequer em pensar causar-lhe danos de qualquer espécie.

A sua habitação é varrida, escovada e lavada amiúde. Na parede existe ou vai existir, uma marcação rigorosa em metros e centímetros, que possibilitam a identificação da sua altura ao longo das semanas e dos meses.

De facto, Marilu Ronca é uma princesa, criada por dois amigos nossos, meus e da minha mulher, que lhe prodigalizam os cuidados que tenho vindo a mencionar.

O que ainda não disse é que Marilu é uma porca numa casa em que os seus proprietários não são nem têm nada de vegetarianos. Não sabe e duvido que Marilu queira saber que os cuidados que recebe, não são desinteressados e que as festas fazem parte de um processo de avaliação das suas carnes.

Até ao dia fatal, Marilu Ronca faz jus ao seu apelido e vai roncando de manhã à noite, na sua prepotência de princesa, usufruindo do seu estatuto real.

 

Jorge C. Chora

28/11/2021

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

O PECADO DE ISIS

Padre António foi chamado ao hospital, a pedido de Isis, uma amiga e paroquiana de longa data.

Isis queria comungar, para surpresa de António.

-Sei que está surpreendido, porque nunca comunguei. E nunca o fiz porque vivi sempre em pecado e nunca o confessei, logo não podia comungar!

António percebeu que a amiga estava a despedir-se da vida. Estava a confessar-se.

-Amei uma mulher, uma amiga, toda a vida. Um pecado que agora confesso e que nunca confessei a quem amei, embora tenha estado toda a vida ao lado dela.

António soube de imediato de quem se tratava: era de Helena, que nem sonhava que era amada por Isis. Ouviu a confissão e absolveu-a:

-Amar não é pecado- disse-lhe António, beijando a mão da amiga.

Ao sair do quarto, encontrou Helena que esperava a sua vez de visitar Isis. Olhou-a nos olhos e disse-lhe:

-Amiga Helena, só te posso pedir que te despeças de Isis, como se fosses a sua namorada…

Helena arrepiou-se, ao perceber, de súbito, o amor que Isis lhe tinha tido sempre. Quanto sofrimento lhe causara ao saltitar de namorado em namorado e ela ao seu lado a ver tudo! As férias de que ela prescindira para estar consigo! Os sacrifícios que ela fizera por si!

Entrou no quarto e olhou a sua amiga. Estava magra, cheia de olheiras, com os braços todos espicaçados e com um sorriso de felicidade ao vê-la entrar.

Beijou-lhe as mãos e os braços cheios de nódoas.

Isis morreu nesse mesmo dia e ninguém conseguiu entender o sorriso que tinha.

Hoje, Helena tem uma fotografia de Isis na sua casa, num lugar de destaque, porque sabe que ela, esteja onde estiver, está a velar por si, o seu amor de sempre.

 

Jorge C. Chora

25/11/2021

domingo, 21 de novembro de 2021

BEATRIX E ALBERTUS


Acordou tarde e sobressaltado. Tinha de ir buscar o João ao aeroporto e se não se apressasse não chegaria a horas. Engoliu um café, não fez a barba, vestiu-se e saiu.

Chegou 5 minutos após a hora marcada. Estacionou o carro às três pancadas e correu para as chegadas.

Havia um atraso de 20 minutos. O dia não lhe estava a correr de feição, mas nem tudo era mau pois tinha chegado ainda a tempo de receber o filho João. Ele vinha passar as férias consigo. Tinha ficado com a mãe, depois do divórcio, vivia e estudava em Amesterdão. Após o falecimento da mãe, num acidente de viação, passou a viver com a avó.

Após um abraço forte e prolongado, dirigiram-se ao carro onde viu, pespegado no vidro da frente uma multa de estacionamento.

Ao iniciar a marcha atrás, embateu numa viatura que estava a passar. Benzeu-se. Não devia ter saído de casa. Abriu a porta e viu ao seu lado uma senhora sardenta, a sorrir-lhe, que lhe disse:

- “Goodendag meneer” Albertus…

Mau, a coisa ia de mal a pior. Que língua era aquela, pensou, atarantado, enquanto a senhora lhe continuava a sorrir. Nunca tivera jeito para línguas, só falava inglês ou melhor, desenrascava-se.

E perante os seus olhos, viu o João dirigir-se à viatura que ele abalroara, abrir a porta e beijar uma rapariga ainda mais sardenta do que a senhora a seu lado.

-Ó pai apresento-te a minha namorada. Viajámos juntos. Ainda não tive tempo de te explicar que somos colegas no colégio e só há uma semana começámos a namorar. Chama-se Anouk e a mãe, que está aí contigo, é a Beatrix…

-Mas como é que a senhora sabe o meu nome?

-Olha pai, ela não é bruxa. Mostrei uma fotografia nossa à Anouk, ela digitalizou-a e enviou-a à mãe…

-Mas a Beatrix vive em Lisboa? Sim, vive e trabalha numa multinacional. Está divorciada e a Anouk vive com o pai em Amesterdão. Ela vem de férias, viemos no mesmo avião, mas eu não tinha tido tempo para te explicar nada.

O acidente deixou de ter qualquer importância.

Ao fim de cinco anos, Alberto e Beatrix, esperam juntos e de mãos dadas, no aeroporto, em Lisboa, a chegado dos filhos e do neto de ambos, para as férias anuais.

E é só porque Beatrix já não tem idade para ser mãe é que não apresenta todos os anos, um novo filho, mais novo que os netos, pois ela e "Albertus" não se largam por nada deste mundo.

 

Jorge C. Chora

21/11/2021

 

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

AMÉLIA E HÉLIO

Amélia mal entrou ao serviço foi recebida com um sorriso aberto pelo seu amigo e colega Hélio:

- A tarde correu-te bem…

- Por que dizes isso Hélio?

-Olha, porque os teus olhos não mentem. Tens as pupilas dilatadas…

- De facto tens razão…- e nada mais adiantou

Nem precisava de contar mais nada. Ele sabia que a amiga tinha um novo namorado porque estava a usar o perfume que ela gostava só para aquelas ocasiões. O olfato de Hélio raramente o enganava.

Amélia e Hélio eram amigos desde os bancos da pré-primária. Sabiam tudo um do outro. Partilhavam as alegrias e as tristezas também.

Hélio não gostava de que a sua amiga fosse apanhada em falso pelos diretores e engendrava as mais mirabolantes desculpas. Amélia, por sua vez, gostava de manter as suas conquistas em segredo e em relação a isso nada contava.

Dois dias depois, Amélia repetiu a ausência e Hélio reparou que ela tinha tido o cuidado de entrar de costas, fingindo estar a acenar a alguém. Hélio nada lhe disse, mas ficou descansado em virtude de ninguém ter notado a sua falta.

Na semana seguinte, Amélia, à hora previamente combinada, saiu sem ninguém ter dado por ela, exceto o seu amigo Hélio. Desta vez demorou horas a regressar. Hélio ficou em cuidado. Quando finalmente se decidiu a telefonar-lhe, viu-a entrar sorridente, de óculos escuros, vindo diretamente ter com ele.

- Tens novidades e das grandes, Amélia … não me digas que há outro mouro na costa…

- Digo, meu amigo.  Nem advinhas quem…

Hélio juntou os pauzinhos. Tantas horas fora do serviço e nada de repreensões? Hum… Tinha de ser um dos grandes… Talvez o diretor… - e arriscou- O diretor?

-Não se pode esconder nada de ti meu querido amigo! E venho pedir-te…

E não foi preciso completar a frase:

- E pediu-te em casamento e vens convidar-me para padrinho!

-Isso mesmo! Como é que sabes?

- Tens as pupilas tão dilatadas, só podia ser algo assim…

E Amélia, transbordando de felicidade, pendura-se-lhe ao pescoço, tresandando ao perfume daquelas ocasiões, enchendo-o de beijos e apertos asfixiantes.

Jorge C. Chora

18/11/2021

domingo, 14 de novembro de 2021

UM AMOR RETOMADO


Era sexta-feira, dia de ir ao mercado, aproveitando a sua hora de almoço. Apetecia-lhe berbigão. Quando se dirigia para as bancas do peixe teve uma sensação estranha. Viu do outro lado, nas filas paralelas, alguém a caminhar e a coçar a cabeça, de modo muito familiar. Olhou melhor e a sensação agudizou-se.

Tinha de averiguar o que se estava a passar. Foi seguindo com o olhar a pessoa, mas nada conseguiu apurar. Tinha quase a certeza, sentia que a conhecia, mas desconhecia quem era. Estava a confundi-la decerto!

Comprou o berbigão e dirigiu-se para a saída do mercado. Quando passava pela banca dos vegetais ouviu uma voz a perguntar quanto custava o molho de nabos. Teve a certeza de que aquela voz não lhe era nada estranha. Parou e deu de caras com a pessoa que seguira com o olhar.

Observou-a de modo rápido e teve a certeza de que a conhecia muito bem. Rebuscou na memória e a pessoa identificada, não correspondia, a todos os pormenores a quem ele se parecia. Olhou-a fixamente e quando ia pedir perdão por achar que a conhecia, mas não estava a ver quem era, ela reconheceu-o de imediato:

- Meu querido Sebastião – E abraçou-o de modo efusivo.

Sebastião não acreditou no que via. Tinha à sua frente a sua amada Joana com quem vivera dois anos. Ela fora especializar-se para França e não voltara.

À sua frente estava um homem, com o mesmo olhar doce da sua Joana, com uma pequena barbicha. Sebastião não estava a acreditar. Joana fora a única mulher que ele amara.

-Chamo-me agora João -informou-o, não lhe largando o braço e envolvendo-o pela cintura- enquanto lhe explicava que nunca o esquecera e continuava a gostar de homens.

Ao fim de uma semana, Sebastião só conseguia ver os lábios, o olhar, a doçura musculada de Joana e não resistiu: beijou-o com todo o seu amor, no que foi correspondido.

- Que nojo… -exclamaram dois jovens que passavam ao verem o beijo apaixonado.

João -Joana e Sebastião vivem juntos e a única concessão feita a Sebastião, foi tirar a barbicha porque ele nela se picava.

Jorge C. Chora

14/11/2021

quarta-feira, 10 de novembro de 2021

O QUERUBIM

Seis amigas, à beira dos trinta anos, trocavam impressões após alguns anos sem se verem. Saltitando de assunto em assunto, de memória em memória, caíram na temática dos namoros.

Entre risotas bem-dispostas, abordaram as caraterísticas dos “pavios “de que mais tinham gostado e chegaram à conclusão de que eram medianos ou mesmo pequenos, mas gordos.

E foi nesta fase que um jovem, cerca de dez anos mais novo, que estava ao lado na esplanada, percebeu do que falavam e lhes disse, interrompendo com ar atrevido a conversa:

-Agora percebo porque atraio tantas mulheres! -e com um gesto, mostrava a falange do seu dedo indicador.

Elas entreolharam-se, deram uma grande gargalhada e a que estava mais próxima dele, franzindo o sobrolho, perguntou-lhe:

-O jovem é muito religioso, não é?

-Mas porque pergunta isso?

E em uníssono, as seis amigas, responderam-lhe:

- Só pode ser, se acredita em milagres! Ou então é um querubim, com tanto poder num pavio tão pequeno!

E o jovem, repreendendo-se, pensou: estás a ver no que dá exagerar as tuas qualidades? Ninguém acreditou!

E ainda mais surpreso ficou, quando a caminho da paragem do autocarro, viu parar à sua frente um carro, conduzido pela mais alta das amigas, que o convidou em voz suave e bem modulada:

-Entra Querubim!

 

Jorge C. Chora

  10/11/2021

 

sábado, 6 de novembro de 2021

A "MORCEGONA"

 Batizou-a o cusco da rua como” Morcegona”, não só devido ao seu tamanho, 1.80 m, como também pelo facto de a senhora só sair após o anoitecer, fazendo lembrar os morcegos.

Vestia-se de modo cuidado, mas sem luxos. Saía todos os dias, em direção ao seu velho, mas estimado carro, herdado do pai e entrava na viatura cinco minutos depois.

Morriam de curiosidade não só os vizinhos, mas também o cusco, como não podia deixar de ser:

- Quem é que ela é? Como se chama? O que faz?

E o cusco roía-se de desespero, por nada, mesmo nada dela conhecer, exceto a sua hora de saída.

Farto de não saber dar informações sobre a ”Morcegona”, inventou umas patranhas, nada abonatórias das virtudes da senhora.

 Um dia o cusco, alambazado como era, ao sentir-se doente, tomou um frasco de medicamentos após se ter empanturrado de comida e bebidas. Foi parar ao hospital onde lhe diagnosticaram uma intoxicação. O tratamento indicado não se fez esperar:

-Um clister, duplo para ser eficaz! e uma lavagem ao estômago….

E foi quando o cusco, pelo canto do olho, viu a médica que o estava a tratar: era a “Morcegona”.

Calou-se bem calado, rezando a todos os santinhos para que a médica não o reconhecesse e triplicasse a dose de clisteres!

Ainda hoje não sabe se foi ou não identificado, mas o certo é que nunca mais falou sobre a “Morcegona”.

 

Jorge C. Chora

6/11/2021

quinta-feira, 4 de novembro de 2021

O ABRAÇO

 


Um abraço é um aconchego,

um anda cá amigo,

deixa-me acolher-te,

sentir o teu peito,

mostrar o meu apreço por ti.

 

 

Jorge C. Chora

4/11/2021