quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A máquina que adorava ser "mademoiselle"

Com maus modos abriu a carteira. Retirou algum dinheiro com uma violência fora de vulgar. Aproximou-se da máquina de tabaco e introduziu uma, duas, três moedas e à quarta, quando atingiu o preço do maço pretendido, carregou no respectivo botão. A máquina não deu qualquer sinal. Repetiu o gesto e nada. Furioso, gritou em direcção ao balcão:

-A máquina está ligada?

-Estar está… ela talvez não goste das moedas que está a utilizar…não serão, quiçá, as que ela está habituada… - respondeu-lhe o proprietário do café.

-Está a insinuar, por acaso, que o meu dinheiro é falso? – abespinhou-se o utente.

-Longe disso. É só um momento – e levantou-se de modo calmo e em duas grandes e vagarosas passadas, cobriu o espaço que o separava da máquina.

Abriu-a e mostrou ao senhor as moedas que este tinha metido: três moedas de euro e uma de um dólar.

- Ainda não está habituada a dólares…

O cliente rendeu-se à evidência:

-Mil perdões…

Abriu de novo a carteira e retirou outra moeda, confirmando que era de um euro. Dirigiu-se, à máquina e, num ápice, colocou as moedas de rajada e carregou no botão. Não houve qualquer reacção.

-E agora o que é que se passa?

-É que ela não está habituada à brusquidão… -referiu quase a medo, com receio de ferir a susceptibilidade do estranho cliente.

-Homessa…

-Empresta-me as suas moedas?

-Claro.

O dono do estabelecimento aproximou-se, afagou-a e foi colocando com delicadeza as moedas de euro e falando com ela:

- A mademoiselle queira perdoar a forma um tanto rude como foi tratada…

E os mecanismos funcionaram às mil maravilhas, havendo quem tenha ouvido, de modo muito claro, a máquina responder:

-Merci mon chéri…

-É uma dengosa… -comentou o utente, despeitado com a atenção que a porcaria da máquina merecia por parte da clientela e do dono.

-Não ligues mademoiselle… é o ressentimento e a inveja a falarem. Coisa de humanos… - consolou-a o proprietário.

Jorge C . Chora

segunda-feira, 6 de fevereiro de 2012

A surpresa

Numa aldeia, perdida na montanha, vivia um menino diferente dos outros: era muito gordo e movia-se muito devagar. Todos os dias ia à escola. Descia muito lentamente a montanha e demorava três vezes mais tempo do que os outros meninos a descer até ao vale. Chamava-se Santiago.

Um dia, os colegas que viviam na montanha foram atrás dele, escondidos, para verem o que ele fazia durante o caminho. A primeira paragem que Santiago fez, foi junto a uma pequena rocha. Sentou-se, abriu o capote e foi tirando algumas cenouras dos bolsos interiores. Esperou uns dez minutos, em silêncio, e foi mordiscando a cenoura mais pequenina que tirara.

-Como é que ele não havia de ser gordo! Até pára para comer mal saiu de casa! – bichanaram os colegas acocorados.

Na frente de Santiago surgiu um velho coelho, com uma voz trémula que lhe estendeu a pata e o cumprimentou:

-Bom dia meu bom amigo. Desculpa-me o atraso mas hoje tenho uma grande dor numa perna e …

-Estás desculpado. Trago-te umas cenouras bem tenras. Espero que tu e a tua mulher as consigam comer.

-Muito obrigado. Que Deus te pague … - e o velho coelho afastou-se, a custo, carregando a comida que Santiago lhe trouxera.

Levantou-se e seguiu, sem que os colegas se tivessem dado conta do que se passara, pois só conseguiam ver as costas de Santiago. Um bocado mais abaixo tornou a sentar-se. Tirou do capote um frasco de água oxigenada, algodão e uma ligadura e fez um curativo a um jovem corvo que estava numa moita à sua espera.

Atrás dele, espreitando, escondidos, sem nada conseguirem ver, os colegas lançam-se a adivinhar:

-Até esconde comida para o caminho de regresso!

E as paragens foram-se sucedendo junto a umas ovelhas, a uns estranhos pássaros e a uma cabra.

A maior surpresa dos colegas foi quando Santiago colheu flores e as guardou no capote.~

-A fome é tanta que vai comer flores! - comentaram.

Ao chegar à escola os colegas apressaram-se a divulgar a sua verdade aos outros:

-E traz no capote as flores que há-de comer ao lanche. Imaginem!


Quando Santiago chegou ao pátio tinha à sua espera todos os meninos. Olhavam-no com os olhos esbugalhados e um ar trocista.

No alto das escadas, quando Matilde viu Santiago, gritou-lhe bem alto:

-Sabes que dia é hoje?

-Claro Matilde. É dia 14 de Fevereiro…não me esqueci de ti - e abriu totalmente o capote, deixando o chão forrado de flores.

Jorge C. Chora

quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

O gesto

A tesoura da poda em vez de cortar, triturava os ramos, mesmo os mais pequenos. A dona olhou-a e decidiu mandá-la afiar. Na primeira oportunidade dirigiu-se a uma pequena oficina que ostentava um grande cartaz publicitando o serviço pretendido.

-Bom dia. Quanto é que custa afiar uma tesoura? - e separou as mãos, tentando exemplificar o tamanho da tesoura.

-Três euros.

- Ela é assim… -e corrigiu o tamanho, juntando mais as mãos.

-O profissional olhou de novo e apreçou:

-Três euros e meio…

A senhora voltou à carga, esforçando-se por mostrar o tamanho certo do pequeno objecto. Diminuiu, com a máxima precisão, a distância entre mãos. Mal acabara de exemplificar quando um novo preço foi adiantado:

-Quatro euros…

-Mas então, quanto menor é a tesoura mais caro fica o trabalho?

O homem, com um sorriso manhoso e com uma pronúncia sibilante sentencia:

-E é para quem quer!

E a jovem senhora, junta os tacões dos seus pequenos sapatos, coloca-se em bicos dos pés, faz o gesto do Zé Povinho e atira:

- O Tanas!

Jorge C. Chora