quarta-feira, 29 de abril de 2020

O BARCO E O VENTO


Andou o barco,
de vento em popa,
singrando mundos
por esse mundo.
O vento mudou
 e o barco parou.
Quando ele voltar a soprar,
já dos males expurgado,
receio não ver as velas enfunar,
tão rotas elas se estão a tornar.
Ó triste destino de um povo de marinheiros,
agora dos ventos favoráveis desfasado,
logo quando tudo corria de feição.
Ó vento, obedece de novo
a este povo que te soube
aproveitar e controlar,
ir em frente e dominar-te,
e a quem outrora
respeitaste e temeste;
dá-lhe tempo de remendar as velas
e sopra então, com quanta força tiveres
e o velho barco partirá,
para outra viagem de circum-navegação.

    Jorge C. Chora
       29/4/2020

segunda-feira, 27 de abril de 2020

VOGAIS E CONSOANTES


Vogais e consoantes
bailam de mãos dadas
e dedos entrelaçados,
juntando sílabas,  
casando palavras
e frases de amor;  
um primor ao
serem proferidas,
ditas e reditas
a louvar atributos.
Vogais e consoantes,
bailam dando as mãos,
casam palavras e frases de amor,
em orações de louvor.

Jorge C. Chora
27/4/2020

sexta-feira, 24 de abril de 2020

AINDA HÁ PRIMAVERA!


Andam no meu telhado                        
três andorinhas em correrias,
jogam ao toca e foge 
e às escondidas também;
não sei se são duas meninas
e um menino,
se dois meninos e uma menina;
sejam eles o que forem,
sei que brincam ao quarto escuro
em claro dia de primavera,
anunciando belos dias futuros.

           Jorge C. Chora
               16/4/2020

BRÍGIDA, A MULHER VOADORA.



Brígida, não tinha metro e meio de altura, mas era o que estava registado no velho Bilhete de Identidade. Se estava escrito, era isso que media. Era tão leve, que só conseguiu sair de casa, após ter negociado um pacto com o vento.
Um dia, ao descer as escadas da traseira de sua casa, sentiu-se levada pelo vento. Já no ar interpelou o vento:
-Mas o que estás a fazer? Coloca-me no chão por favor…
-E porque hei- de atender o teu pedido? -reagiu soprando o vento.
-Amigo vento, sei que tens de soprar, levar as sementes para todo o lado, refrescar as gentes, empurrar as nuvens … mas não é tua obrigação levar-me a voar…
E o vento respondeu-lhe:
-Olha, se não gostas de voar, ao saíres de casa, encosta-te aos muros altos e não corras…
-Obrigado amigo. Assim posso continuar a deixar-te, nos dias em que estás calmo, as janelas da minha cozinha aberta…
-Agradeço-te, adoro o aroma dos teus cozidos e então dos guisados ….  E o vento fazia remoinhos, só de pensar nos cheirinhos.
Acordo é acordo e a Brígida, todos os dias saía, encostada a um grande muro. Ia até casa da amiga Helena, acompanhada pelo vento a assobiar-lhe, a marcar-lhe o passo a compasso dos seus pequenos passos.
Ao chegar, esperava-a o silvo da velha chaleira a fazer o chá que ambas, religiosamente bebiam, acompanhado de torradas feitas na chapa, ao lume do fogão. Deixavam a “porcaria” da torradeira em eterno descanso, pois de modernices já andava o mundo cheio.
E as tardes passavam-se, com elas a deplorarem o mundo e a endireitá-lo, sabendo de antemão que nem mesmo assim o emendavam.
Na hora de regressar a casa, cosia-se de novo ao muro, rezando para que o vento cumprisse o acordo e não a colocasse de novo a voar.
E naquele dia sucedeu algo que a irritou profundamente. Perto de casa, cruzou-se com uma aldeã que lhe perguntou:
- Ó Brígida, desde quando aprendeste a voar?
-Como assim?
E ela explicou-lhe que vira a sua roupa a voar.
-Ai é?
E ao chegar a casa, fechou as janelas da cozinha e admoestou o vento:
-Olha, hoje vou fazer cozido e nem penses que vais cheirá-lo… 

Jorge C. Chora

  24/4/2020

segunda-feira, 20 de abril de 2020

POR FAVOR,MINHA SENHORA...


Na mesa da sua varanda, colocou uma toalha de renda, dois pratos, os talheres de peixe e os de carne, os de fruta e sobremesa. Em relação aos copos, não se esqueceu dos de água, para além dos de vinho. Do lado esquerdo do prato, guardanapos de pano.
Passado um bocado, regressou à varanda, aperaltado, de casaco e gravata.
A vizinha do lado, estudante universitária como ele, mirava divertida a movimentação do seu colega. Ela sabia que ele, tal como ela, não tinha ninguém em casa e respeitava o confinamento. Quem diabo teria ele convidado?
Ainda mal acabara de pensar quando o colega, puxando a cadeira, se lhe dirigiu:
-Faça o favor de saltar a cancela e sentar-se.
E a colega, alçou a perna e transpôs a pequena divisória que separava as suas varandas.
-Muito obrigado pelo convite, cavalheiro.
Ao ar livre, cumprindo o distanciamento, um numa ponta da mesa e outro noutra, passaram o almoço em amena cavaqueira.
Após a refeição, sem quebrar nenhuma regra do confinamento, ela tornou a alçar a perna e regressou ao seu apartamento.
Já na sua varanda, ela pediu perdão e disse:
-Sou a Gina…
-Bernardo… - apresentou-se ele.
Dia sim dia não, respeitando as regras deste tempo conturbado, alçam a perna e almoçam nas varandas, ora de um, ora d’outro.
E à medida que o tempo passa, o distanciamento social … bom isso seria querer saber de mais. Deixem lá a Gina e o Bernardo em paz!

Jorge C. Chora
20/4/2020

sábado, 18 de abril de 2020

VIRUS DEMOCRÁTICO, É O TANAS!


Atinge reis e presidentes,
também os importantes,
os pobres e menos pobres,
e para todos o confinamento!
Estar confinado em espaços
exíguos, é tramado,
apertado, sem privacidade,
tudo é ouvido e à força partilhado,
dos beijinhos da namorada
às declarações de amor,
arrufos e mal-entendidos entediados,
por todos escutados, quiçá, participados.
Nas salinhas apinhadas,
na mãe tropeça o pai,
aquela na filha e esta na irmã.
Chega-te para lá!
A televisão é confusão,
entre os filmes e os animados,
debates e desporto
só à vez e com escalas podem ver;
ouvem já o pensamento
alheio e discutem o que
o outro não disse, mas pensou
e, para piorar, acrescentam-lhes
a telescola, os deveres
e as explicações e a loucura
solta-se em palavrões,
do amanhecer ao anoitecer,
associado ao terror
de terem perdido o emprego.
Democrático, é o tanas! 

Jorge C. Chora 

   17/4/2020

quarta-feira, 15 de abril de 2020

E QUE TAL UMAS MÁSCARAS?



Escondem carnudos e belos lábios,
de rosa, caramelo ou carmim pintados,
delicados orifícios nasais, esculpidos
em narizinhos arrebitados.
Mas podem, simplesmente,
ocultar lábios finos e arroxeados,
grandes bocas sem graça,
anunciando a desgraça
de grandes narizes abatatados,
por onde esgotam o oxigénio do planeta.
De qualquer modo,
as máscaras enquanto postas,
permitem sonhar com belos
e carnudos lábios, de rosa
caramelo ou carmim pintados.
Deixe que o mistério a(o) envolva,
protegendo-se a si e aos outros.


Jorge C. Chora
13/4/2020

segunda-feira, 13 de abril de 2020

A SUCESSÃO DOS DIAS


Aos dias sucedem
mais dias,
uns inteiros
outros quebrados,
bem ou mal dormidos,
semivividos, confinados
e neste interminável
rosário de dias,
quase iguais,
sem liberdade,
algo importante
preservas:
A tua futura vida em liberdade.

Jorge C. Chora

13/4/2020

sábado, 11 de abril de 2020

AI QUE DESGRAÇA!


Cheira a bolo
na casa inteira,  
e o meu olfato se inteira,
de algo cujo aroma antecipa
ser digno de captura.
Do bolo me acerco e não resisto,
um dedo lhe vou espetar,
quando tive de parar:
O que vais fazer?
-Provar o bolo…
-Só o podes ver,
sem o comer…
Afinal, dupla tortura estou a sofrer!
Além de confinado,
estou envolto num doce aroma
de um bolo que é só para ver!
-Só logo…
E o logo nunca mais chega…

Jorge C. Chora

11/4/2020

quarta-feira, 8 de abril de 2020

AS MÁSCARAS



Obrigatórias se tornaram,
de todos os tamanhos
e feitios.
Com elas desfilam vampes e varinas
e é vê-las,
desde tecidos axadrezados,
até aos de barras e bolinhas.
Olha, ali vai uma,
igual às minhas cuecas!
Cala-te boca, que a minha,
da saia da minha mulher é feita!
Que sorte tenho eu, delas usarem fio dental!

      Jorge C. Chora
         8/4/2020

terça-feira, 7 de abril de 2020

CERTOS BEIJOS



Certos beijos são primícias
da arte de amar,
ágape de amantes,
degustação gourmet,
de excelsas saladas
de ostras e lingueirão,
com sabor a mar
em dias de amor
e tempos de reclusão.

Jorge C. Chora
7/4/2020


segunda-feira, 6 de abril de 2020

A PROFECIA DA CUCA



Desesperava a taberneira Antónia ao ver a sua casa deserta semanas a fio. Faltavam-lhe os clientes e o que mais gostava de ouvir: o tilintar das moedas a caírem na sua caixa registadora.
À porta viu o primeiro cliente e já passava do meio dia.

-O que é tu queres ó Cuca? -perguntou de modo desabrido.

-Bons modos e alguma simpatia…

Antónia arregalou os olhos e franziu na testa. Até o raio da Cuca se atrevia a falar-lhe assim, pensou.

-Como hei-de estar se o negócio está deste modo… -E apontava o espaço sem vivalma.

-Vou ajudar-te… - prometeu a Cuca.

Antónia arrepiou-se. A Cuca-Bruxa ia ajudá-la? Onde é que a coisa já ia, pensou.
E a Cuca falou assim:

-Basta que subas à pipa atrás do balcão e o primeiro homem que aqui entrar, vai salvar-te a ti ou ao teu negócio… - e dito isto, saiu.

Mal a Cuca acabara de sair, quando a maçã camoesa que Antónia tinha no cimo do pipo a aromatizar o vinho, lhe rolou aos pés. Subiu a um banco, e quando já nele estava empoleirada, o banco caiu.

Agora é que são elas…o raio da Cuca e das profecias…! -exclamou.

E quando estava a resvalar, sentiu-se levantada ao ar e aninhada ao colo de um verdadeiro urso, tão grande e peludo era o homem que a segurava.

-Mas o que está a fazer! - repreendeu Antónia, com a acrimónia habitual.

-A salvá-la minha senhora! Caso queira regressar ao pipo… -E fez menção de a recolocar no mesmo sítio.

Um súbito bem-estar apoderou-se de Antónia. Pôs-lhe a mão no peito e pediu-lhe desculpa, enquanto ele a colocava no chão, de modo suave.

-O que quer beber? - ofereceu Antónia à laia de agradecimento.

-Uma taça de vinho d’amor, do seu amor ao pipo que estava a abraçar…- brincou o senhor.

E quando ela se voltou, já o seu salvador desaparecera e à porta estava a Cuca que lhe perguntou:

-Agora que tens o vinho d´amor, tens de decidir se queres o tilintar das moedas na tua caixa ou o amor do teu salvador.

E a Antónia, com um ar emproado, sem sequer lhe dar troco, dirigiu-se ao exterior da taberna e escreveu no quadro negro:

                        TAÇA DE VINHO D’AMOR EM PROMOÇÃO – O,40

E Cuca sorriu e disse-lhe:

-Quem saúde tem e amor não quer, despreza o que mais lhe convém…

E na casa de Antónia, envolta em solidão, mau humor e ingratidão, nem a Cuca conseguiu que o dinheiro tornasse a tilintar.

Jorge C. Chora

   6/4/2020

sábado, 4 de abril de 2020

QUEM SABE DO ANTÓNIO TRAVESSO?


                                          
Os caixões do armazém da funerária eram depositados ao ar livre e ao sol, por três motivos: o primeiro, para que não ganhassem mofo; o segundo, para que a madeira que eventualmente ainda estivesse verde, secasse; o terceiro, para servirem de mostruário aos eventuais clientes.
Não contava a funerária, com um quarto aproveitamento, por parte do António, um jovem e travesso aldeão: dormia, todos os dias, a sesta num deles, aproveitando a ausência dos funcionários à hora do almoço.
Um dia, António viu Aurora, uma velha hortelã, que lhe fazia a vida negra, quando o apanhava a surripiar na sua horta, a aproximar-se do seu local da sesta. Colocou a tampa do seu féretro quase a tapá-lo e quando a senhora por ele passava, levantou a tampa e em voz cavernosa, chamou-a:

-D. Aurora, chegou a sua hora, deite-se aqui…

D. Aurora, desmaiou, como um passarinho fulminado…
A cena foi presenciada, por mero acaso, pelo encarregado do armazém e três funcionários, que tinham regressado mais cedo ao trabalho para vir buscar uma encomenda. Apressaram o passo, fecharam a tampa do caixão onde estava o brincalhão, exclamando, bem alto:

-Já estamos atrasados! Este defunto já devia estar no crematório!

Só trinta passos depois levantaram a tampa. Um cheiro nauseabundo, empestou o ar. O António, num salto de corsa, todo borrado, gritava enquanto fugia a sete pés:

-Ai minha mãezinha …ai minha mãezinha…

Ainda hoje ninguém sabe do paradeiro do António Travesso.
A D. Aurora passou a ir à missa todos os dias, para agradecer a Deus não a ter levado desta para melhor.
A agência, essa, nunca conseguiu despachar o caixão, tal o cheiro com que ficou, embora todos os anos o coloque em saldo.

Jorge C. Chora 

4/4/2020


sexta-feira, 3 de abril de 2020

À VIDA


Mesmo que a vida
nada te tenha dado,
no futuro algo te dará:
oferecer-te-á, quiçá,
aquilo que aos outros dás, deste e darás:
um sorriso e boa disposição.
Se com este dom foste agraciado,
à vida tens de agradecer,
o invejável condão,
de a todos poderes oferecer,
um sorriso e boa disposição.

Jorge C. Chora
3/4/2020

quarta-feira, 1 de abril de 2020

LOUVOR AO MAU TEMPO



 Chovam cobras e lagartos,
venham chuvas copiosas,
de trovões acompanhadas
e não faltem, as queridas
faíscas a iluminar os dias!
Assim, com verdadeira alegria, diremos:
Que bom é podermos estar em casa!
Estranha época esta,
de louvor aos negros dias
e já agora, sem tempo a perder,
vamos às varandas e peçamos:
envia-nos Senhor, uma chuvada daquelas
que, só Tu sabes, e por favor,
se não for pedir muito,
afoga o estupor do Covid.

JORGE C. CHORA
1/4/2020