Desceu as
escadas do metro e esperou na plataforma, pela chegada das carruagens.
Enquanto não
vinham, abriu a pasta e retirou o calendário para se certificar da reunião e do
local, não fosse confundir os encontros e causar má impressão. Era uma carolice
ir à reunião. Um dos seus diretores de departamento podia perfeitamente
encarregar-se daquele negócio.
Naquele dia
não lhe apetecia estar no gabinete. Ia matar saudades dos tempos em que se
tinha de encarregar de tudo e mais alguma coisa.
De repente
algo lhe despertou a atenção. Os gestos daquela varredora que vinha na sua
direção.
Observou-a.
Aquele gesto de cabeça, o afastar da franja, o molhar intermitente dos lábios
com a ponta da língua. A mulher coxeava, o que não coincidia com a figura de
que se recordava. Já ao pé, notou-lhe o olho direito semifechado, o cabelo
desgrenhado e descolorido. Era a Madalena. Tinha a certeza, agora que lhe via o
olho aberto, a figura ainda esbelta embora com um caminhar claudicante, devido
a um problema qualquer na perna.
Madalena
fora a sua paixão de jovem. Ela nunca lhe ligara e não perdia uma ocasião para
o rebaixar. Ela namorara com quase todos da turma, mas nunca com ele. Ele era um aluno mediano, não se distinguia
por nada de especial e ela adorava achincalhá-lo. Mas ele só tinha olhos para a
Madalena.
- Olá, Madalena!
- saudou-a o Alberto.
Madalena
revirou os olhos, olhou para trás de si e ia a seguir o seu caminho, quando
Alberto tornou à carga.
- Olá,
Madalena! Sou o Alberto teu antigo colega de escola.
Madalena
deteve-se. Não o reconheceu à primeira. Diante de si tinha um distinto
cavalheiro. Tornou a vê-lo, com atenção e desta vez, lembrou-se.
Alberto
encurtou a distância que o separava de Madalena, abraçou-a e beijou-lhe as
faces três vezes.
Madalena
encolheu-se e protestou:
-Vai
sujar-se todo…
- Olha
Madalena, em primeiro tratas-me por tu, por favor! Em segundo, tem paciência,
ainda que estivesses toda suja de óleo, não deixava de te abraçar…
Madalena ia
começar a choramingar, provavelmente para lhe contar as desgraças.
- Está
calada Madalena, não vais estragar este momento em que te reencontro, tu, a
minha grande paixão da adolescência.
Madalena
sabia bem como destratara Alberto. Maldisse, mentalmente, a sua prepotência
insuportável.
Ainda não
acabara de se penalizar quando ele lhe deu o braço, arrastou-a para um café e
lhe disse:
-Querida
Madalena, a partir de hoje, a tua vida vai mudar. Toma esta cartão e vai ter
com a minha amiga Cecília a esta direção. Ela vai tratar de ti.
-Mas eu
…depois de varrer, vou trabalhar para a rua, pois tenho dois filhos para
alimentar…
Alberto,
percebeu o que ela queria dizer, mandou-a calar, deu-lhe dois beijos nos olhos
e disse-lhe:
-Às duas da
tarde, já sabes, a Cecília está à tua espera…
Madalena
compareceu de modo pontual. O edifício era imponente. À porta encontrava-se uma
senhora forte, de meia-idade, que a recebeu dando-lhe o braço:
-Srª D.
Madalena, faça o favor de me acompanhar…
Ao fundo do
corredor, Madalena viu uma senhora alta e elegante, de olhos azuis como os seus
e com uns trejeitos que a fizeram pensar estar a ver-se ao espelho nos seus
tempos áureos. Ela era igualzinha a si.
A vida de
Madalena mudou. Os filhos frequentaram os melhores colégios, ela foi recuperada
do estado em que estava e tornou-se, aparentemente, numa senhora.
Alberto
nunca mais a viu, embora ela trabalhasse nas suas empresas, mas era informado
amiúde da sua recuperação física. Madalena sabia que ele acompanhava o
desenvolvimento dos estudos e da vida dos filhos. Nunca mais Madalena passou
necessidades.
Sofia, a
mulher de Alberto, faleceu subitamente, num acidente de viação.
Madalena compareceu
ao seu funeral e causou um espanto geral. Afinal Sofia não tinha falecido?
Alberto
acabou por levá-la para casa ao fim de uns meses. Madalena era idêntica a Sofia
embora entre ambas, houvesse um fosso maior do que as fossas do Mindanau, em termos
de sentimentos, cultura e na maneira de ser. Um mês após estar a viver com
Alberto, Madalena pediu-lhe para ir passar uns dias de férias, numa praia, para
descansar.
Alberto
marcou-lhe um hotel de cinco estrelas, cujo dono era seu amigo, na zona de Albufeira.
Pediu ao amigo que tomasse discretamente atenção para que nada lhe faltasse,
explicando-lhe as circunstâncias e o facto de a união ser recente.
Logo no dia
seguinte o amigo telefonou-lhe, a perguntar se ele também pagava a conta do
irmão da Madalena que estava desde o dia anterior a habitar com ela no quarto.
Alberto
sabia que Madalena nunca tivera irmãos. Pediu ao amigo que no final da estadia
cobrasse a conta ao “irmão” e que se ele não o fizesse, chamasse a polícia. Pediu-lhe
também que, à parte, pedisse a Madalena que pagasse a conta do “irmão”.
Uma semana
após as férias, quando Madalena regressou a casa, encontrou a fechadura trocada
e pendurado no portão, um fato de varredora e a respetiva pá, com um bilhete
afixado:
ATÉ SEMPRE MADALENA.
BOM TRABALHO
E BOA SORTE.
Jorge C. Chora
10/04/2022