sexta-feira, 29 de abril de 2022

AS PRINCESAS ALENTEJANAS

Modos de andar, há diversos:

Uns mais rápidos

outros menos ou mais lentos.

As princesas alentejanas,

andam parecendo paradas,

não correm pois não devem nada

a absolutamente ninguém,

mas progridem e chegam

onde são esperadas por alguém,

sem a pressa das pilha-galinhas.

O segredo reside no parecerem estar paradas

quando andam, pois,

paradas morrem torradas,

e a correr morrem de calor!

Do entendimento entre as duas pernas,

nasce a harmonia deste andar principesco:

embora estejam em brasa,

fingem parar quando andam,

correm sem se dar por isso,

como só as verdadeiras princesas,

todas elas alentejanas, são capazes disso!

 

      Jorge C. Chora

       29/04/2022

quarta-feira, 27 de abril de 2022

ALENTEJO

 Quem o Tejo passa

e o Alentejo atravessa,

diz adeus à cidade,

colhe o calor da amizade,

a sonoridade do cante

e o amor à calma reinante.

Ainda o Alentejo não atravessou

e já a saudade se instalou,

e uma decisão tomou:

Voltar à terra onde o fado e o cante se juntou.

      Jorge C. Chora

     27/04/2022

segunda-feira, 25 de abril de 2022

A PRIMAVERA DE ABRIL

O cheiro a cravo

e o sabor a liberdade,

anunciaram a primavera

tardia em Portugal.

Foi desde aquele 25,

quando jovens ainda imberbes

e outros já barbudos,

comandados por

graduados quase tão

jovens como eles,

encavalitados em tanques

e carros de combate,

substituíram as balas

por flores nos canos

das espingardas e gritaram

em uníssono:

-Aqui “o povo é quem mais ordena”!

 

    Jorge C. Chora

      25/04/2022

sábado, 23 de abril de 2022

ATRAÇÃO

 Não te esqueças de mim

meu amor:

acolhe-me no aveludado

dos teus seios,

oferece-mos,

e dá-me o prazer de senti-los meus.

Dispensa-me da dor

de deixar de os ver,

de não poder mergulhar na sua maciez,

de sorver o aroma deles emanado

e de vê-los crescer,

à medida que os acaricio.

    Jorge C. Chora

    23/04/2022

 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

DE RABO AO LÉU


Já vestida, calçada e arranjada para sair, tocou o telefone e deu-lhe uma dor de barriga.

Joana atendeu o telefonema e ficou em pânico. A sua amiga Marta tinha a sua filha sem respirar e vinha pedir-lhe algum dinheiro, para a poder transportar para a clínica privada onde ela era seguida.

Joana saiu correr, a pé, pois tinha o carro na oficina. Correu quanto pode, com o telemóvel a tentar chamar um táxi, mas no meio de uma praceta teve de parar. Ou encontrava uma casa de banho ou acontecia-lhe uma desgraça. Olhou em redor e não viu nem cafés nem lojas nenhumas que pudessem ajudá-la.

Baixou-se, tirou as cuecas e foi ali mesmo que foi obrigada a aliviar-se.

Em menos de nada, surgiram de todos os cantos, mulheres gritando em uníssono:

-Sua porca! Vai para a tua rua badalhoca…

De uma porta, apareceu uma mulher com uma faca na mão, correndo na sua direção, secundada por um homem, sem camisa, soltando imprecauções de fazer corar um carroceiro.

E foi quando uma enorme rabanada de vento, perante o espanto dos seus carrascos, a elevou ao céu suavemente e a transportou, ninguém sabe para onde.

-  Oh! O que foi isto!

E enquanto o seu espanto se aprofundava, do céu caiu uma tempestade de matérias fedorentas, não provenientes da Joana, embora ela continuasse de rabo ao léu.

O vento deixou Joana, de modo suave, à porta do hospital, ainda antes da sua amiga Marta e a filha chegarem.

Curioso é o facto de que nenhum dos algozes se tivesse livrado do cheiro fedorento, independentemente dos banhos tomados. Ainda hoje ninguém a eles se chega, sem tapar o nariz.

Jorge C. Chora

20/04/2022

domingo, 17 de abril de 2022

O MONGE

 

Quando nasceu, a aldeia regozijou-se. Há dez anos que não nascia ninguém. Em redor do berço reuniram-se os poucos habitantes, para assistirem à mudança da fralda.

Um oh! de espanto apoderou-se dos assistentes. Nunca ninguém vira um rapaz tão bem-dotado. Entreolharam-se os presentes com grandes sorrisos nos lábios. O bebé a partir desse momento, tornou-se a esperança e a garantia de que haveria muito mais habitantes na aldeia, quando ele crescesse.

A fama do recém-nascido, correu montes, vales e as aldeias em redor, assegurando desde logo, candidatas para futuramente repovoarem as localidades.

 O bebé transformou-se num belo rapaz. Na escola da vila, as raparigas entreolhavam-se, pensando a quem caberia a sorte de o vir a namorar.

As mais afoitas foram apanhadas por diversas vezes penduradas nas janelas do balneário dos rapazes, às cavalitas umas das outras a espreitá-lo. Algumas delas podiam quase assegurar quantos milímetros de penugem o rapazinho tinha, em torno daquela bela e enorme joia, tão cobiçada por quem a vira, e ainda mais para quem a imaginava.

 As expetativas foram crescendo proporcionalmente aos desejos das jovens adolescentes. Qual delas ele escolheria? Ninguém sabia! As aldeias já desesperavam. Qual delas viria a ter mais habitantes? E as apostas cresciam.

Acabados os estudos do secundário, Diogo resolveu entrar para o seminário.

Uma enorme desilusão apoderou-se das aldeias, das ex-colegas, de todas as amigas de tinham tido ideias de o vir a ter nas suas respetivas casas.

Mas o melhor estava para acontecer. O Diego visitava com assiduidade todas as amigas nas diversas aldeias e mesmo aquelas que não lhe eram muito chegadas.

E todos os anos, e em todas as aldeias, o milagre da conceção acontecia.

 As aldeias foram sendo povoadas a pouco e pouco, ao ritmo das visitas do seminarista.

O reitor do seminário, ao inteirar-se do fenómeno, pura e simplesmente proibiu- o de sair do seminário.

Todos os dias o superior recebia e indeferia pedidos das aldeias, a requerer a presença do seminarista para aconselhar as paroquianas nas respetivas localidades.

Quando as ofertas ao seminário começarem a escassear perigosamente é que o superior decidiu, de vez em quando, revogar as proibições de saída ao seminarista. para bem de todos.

As vistas do monge, assim o alcunharam, eram celebradas com laudas caseiras e banhos perfumados nos dias das suas visitas, pelas moças e pelas menos moças, que também lhes disputavam os conselhos.

 

Jorge C. Chora

17/04/2022

domingo, 10 de abril de 2022

MADALENA

 

 

Desceu as escadas do metro e esperou na plataforma, pela chegada das carruagens.

Enquanto não vinham, abriu a pasta e retirou o calendário para se certificar da reunião e do local, não fosse confundir os encontros e causar má impressão. Era uma carolice ir à reunião. Um dos seus diretores de departamento podia perfeitamente encarregar-se daquele negócio.

Naquele dia não lhe apetecia estar no gabinete. Ia matar saudades dos tempos em que se tinha de encarregar de tudo e mais alguma coisa.

De repente algo lhe despertou a atenção. Os gestos daquela varredora que vinha na sua direção.

Observou-a. Aquele gesto de cabeça, o afastar da franja, o molhar intermitente dos lábios com a ponta da língua. A mulher coxeava, o que não coincidia com a figura de que se recordava. Já ao pé, notou-lhe o olho direito semifechado, o cabelo desgrenhado e descolorido. Era a Madalena. Tinha a certeza, agora que lhe via o olho aberto, a figura ainda esbelta embora com um caminhar claudicante, devido a um problema qualquer na perna.

Madalena fora a sua paixão de jovem. Ela nunca lhe ligara e não perdia uma ocasião para o rebaixar. Ela namorara com quase todos da turma, mas nunca com ele.  Ele era um aluno mediano, não se distinguia por nada de especial e ela adorava achincalhá-lo. Mas ele só tinha olhos para a Madalena.

- Olá, Madalena! - saudou-a o Alberto.

Madalena revirou os olhos, olhou para trás de si e ia a seguir o seu caminho, quando Alberto tornou à carga.

- Olá, Madalena! Sou o Alberto teu antigo colega de escola.

Madalena deteve-se. Não o reconheceu à primeira. Diante de si tinha um distinto cavalheiro. Tornou a vê-lo, com atenção e desta vez, lembrou-se.

Alberto encurtou a distância que o separava de Madalena, abraçou-a e beijou-lhe as faces três vezes.

Madalena encolheu-se e protestou:

-Vai sujar-se todo…

- Olha Madalena, em primeiro tratas-me por tu, por favor! Em segundo, tem paciência, ainda que estivesses toda suja de óleo, não deixava de te abraçar…

Madalena ia começar a choramingar, provavelmente para lhe contar as desgraças.

- Está calada Madalena, não vais estragar este momento em que te reencontro, tu, a minha grande paixão da adolescência.

Madalena sabia bem como destratara Alberto. Maldisse, mentalmente, a sua prepotência insuportável.

Ainda não acabara de se penalizar quando ele lhe deu o braço, arrastou-a para um café e lhe disse:

-Querida Madalena, a partir de hoje, a tua vida vai mudar. Toma esta cartão e vai ter com a minha amiga Cecília a esta direção. Ela vai tratar de ti.

-Mas eu …depois de varrer, vou trabalhar para a rua, pois tenho dois filhos para alimentar…

Alberto, percebeu o que ela queria dizer, mandou-a calar, deu-lhe dois beijos nos olhos e disse-lhe:

-Às duas da tarde, já sabes, a Cecília está à tua espera…

Madalena compareceu de modo pontual. O edifício era imponente. À porta encontrava-se uma senhora forte, de meia-idade, que a recebeu dando-lhe o braço:

-Srª D. Madalena, faça o favor de me acompanhar…

Ao fundo do corredor, Madalena viu uma senhora alta e elegante, de olhos azuis como os seus e com uns trejeitos que a fizeram pensar estar a ver-se ao espelho nos seus tempos áureos. Ela era igualzinha a si.

A vida de Madalena mudou. Os filhos frequentaram os melhores colégios, ela foi recuperada do estado em que estava e tornou-se, aparentemente, numa senhora.

Alberto nunca mais a viu, embora ela trabalhasse nas suas empresas, mas era informado amiúde da sua recuperação física. Madalena sabia que ele acompanhava o desenvolvimento dos estudos e da vida dos filhos. Nunca mais Madalena passou necessidades.

Sofia, a mulher de Alberto, faleceu subitamente, num acidente de viação.

Madalena compareceu ao seu funeral e causou um espanto geral. Afinal Sofia não tinha falecido?

Alberto acabou por levá-la para casa ao fim de uns meses. Madalena era idêntica a Sofia embora entre ambas, houvesse um fosso maior do que as fossas do Mindanau, em termos de sentimentos, cultura e na maneira de ser. Um mês após estar a viver com Alberto, Madalena pediu-lhe para ir passar uns dias de férias, numa praia, para descansar.

Alberto marcou-lhe um hotel de cinco estrelas, cujo dono era seu amigo, na zona de Albufeira. Pediu ao amigo que tomasse discretamente atenção para que nada lhe faltasse, explicando-lhe as circunstâncias e o facto de a união ser recente.

Logo no dia seguinte o amigo telefonou-lhe, a perguntar se ele também pagava a conta do irmão da Madalena que estava desde o dia anterior a habitar com ela no quarto.

Alberto sabia que Madalena nunca tivera irmãos. Pediu ao amigo que no final da estadia cobrasse a conta ao “irmão” e que se ele não o fizesse, chamasse a polícia. Pediu-lhe também que, à parte, pedisse a Madalena que pagasse a conta do “irmão”.

Uma semana após as férias, quando Madalena regressou a casa, encontrou a fechadura trocada e pendurado no portão, um fato de varredora e a respetiva pá, com um bilhete afixado:

   ATÉ SEMPRE MADALENA.

BOM TRABALHO E BOA SORTE.

 

         Jorge C. Chora

         10/04/2022

sexta-feira, 8 de abril de 2022

SE NÃO HOUVESSE FADOS


Se não houvesse fados,

morreríamos engasgados,

na Betesga sufocados

por não contarmos

as petas e as verdades

de um país de encantos

recantos e desencantos.

Se não houvesse fados,

a quem confessaríamos

os amores sonhados

e não correspondidos?

mas tão, tão sentidos,

como os conseguidos

e só ao Tejo confessados

e nas vielas às ocultas vividos.

Oh! se não houvesse fados,

quem ouviria os fracassos,

as alegrias e tristezas,

falsas ou verdadeiras,

à beira de um jarro de vinho

e um pedaço de pão,

em silêncio e plena devoção.

    Jorge C. Chora

      8/04/2022

quarta-feira, 6 de abril de 2022

AS MÃES

Quando era pequeno, ouvia muitas histórias da minha simpática e anafada ama.

Ainda hoje me lembro de uma que me arrepiou de tal modo que nunca mais a esqueci.

Um facínora da pior espécie, após matar a sua mãe, cortou-a aos pedaços, colocou-a num saco e foi deitá-la ao rio. Quando se preparava para a lançar, escorregou na pedra onde se encontrava e caiu.

A mãe, dentro do saco, perguntou-lhe, aflita:

-Aleijaste-te meu filho?

As mães são, de facto, seres de exceção: amam os seus filhos, ainda que estes não mereçam e as suas condutas as magoem profundamente.    

As mães são seres únicos.

 

Jorge C. Chora

6/04/2022

domingo, 3 de abril de 2022

UMA QUESTÃO DE IDADE

Dói-lhe um pé

e o seu amigo

sentencia:

- É da idade!

 As hérnias

fazem-no andar

de costas dobradas

e o amigo

sentencia:

-É da idade!

Dói-lhe a barriga

e lá vem o amigo:

-É da idade!

Mas hoje, o homem

de idade, fartou-se,

descuidou-se

forte e feio

e diagnosticou-se:

-É da Idade!

-O tanas, qual idade

qual quê,

isso foi da feijoada! - exclamou

o sentenciador

-Enganas-te, é mesmo

da idade…

E de novo, puf… puf

-Estás mesmo impossível!

-É da idade! -reafirmou o idoso.

 

     Jorge C. Chora

      3/04/2022

sábado, 2 de abril de 2022

O DESEJO DO HERÓI COMILÃO


Na amurada do navio estava encostado um homem grande, sem ser enorme. Estava concentrado em algo e em silêncio. Pensava em qualquer coisa, mas em quê precisamente, ninguém sabia.

De repente ouve-se uma gritaria e dezenas de pessoas a alertarem:

-Cuidado Gabriela, não corras, tem cuidado, não te aproximes…

E a pequena Gabriela continuou a correr e não parou. Ao aproximar-se da amurada, deu um salto, não conseguiu manter-se no corrimão e acabou por cair ao mar.

O homem de grande tamanho, lançou-se ao mar conforme estava.

Nunca fora grande nadador, detestava saltar, tinha vertigens e a idade já não lhe agourava quase nenhuma aventura.

Conseguiu manter-se à tona, agarrou a petiz gritou:

- Está salva! Venham depressa que eu já não sou grande nadador!

Tendo o pai por perto, teve direito a socorro rápido, tendo sido recolhida num tempo breve. O homem grande debatia-se para manter-se à tona. Foram-se embora todos com a garota, mas deixaram-no a debater-se com as ondas do mar.

Quando finalmente o retiraram, estava mais morto que vivo. Não se arrependeu de ter salvo a petiz, mas se tivesse tido tempo de raciocinar, teria esperado um segundo e o pai, o ajudante, o segurança e todos os que a seguiam aos gritos, ter-se iam atirado em seu socorro. A petiz teria sido salva e ele não estaria quase morto.

Só depois soube que não seria bem assim. Nenhum deles sabia nadar e a garota foi retirada dos seus braços por dois marinheiros. A pequena teria morrido sem o socorro imediato.

O pai era bastante rico e queria recompensá-lo.

- A minha recompensa é a miúda estar sã e salva e ver a sua alegria- respondia-lhe Tomás.

 Incapaz de aceitar a recusa do salvador, pediu-lhe por tudo que aceitasse algo, para além do seu eterno reconhecimento.

-Basta-me ver o seu contentamento…não tenho nem quero dinheiro.

Durante a viagem ficou o milionário a saber que o Tomás, assim se chamava o salvador da sua filha, se tornara pobre, pois perdera tudo o que tinha para honrar os salários dos seus trabalhadores numa grande crise, mas não se importava nada com isso.

Palavra puxa palavra, ficou a saber qual o desejo do Tomás, caso tivesse dinheiro. Ele gostaria de poder ter três cozinheiros.

-Três? - surpreendeu-se o pai da Gabriela- perante tão estranho desejo.

-Sim. Um seria um cozinheiro africano, de Moçambique. Nunca conheci na vida quem melhor soubesse assar leitões, cabritos, galinhas… e em relação aos mariscos… hum…nem se fala…

- E o segundo?

-Ah! Esse seria um do norte de Portugal. As comidas, meu Deus, são divinas…

-E o terceiro meu amigo?

-Bom, esse teria de ser um “chef” francês!

-E qual a razão dessa escolha?

- Meu amigo, depois das comezainas, vem a dieta! deve comer-se só com os olhos e com um pouco de cheirinho…fazer restrições, entende?

Heitor, assim se chamava o pai de Gabriela, estalou os dedos e gritou:

- Concedido. A partir deste momento, terá os três cozinheiros que deseja.

Tomás arregalou os olhos e reafirmou:

- Meu amigo Já lhe disse que não aceito nada e não tenho posses para isso! Isto que acabei de lhe dizer, é uma fantasia minha!

- Um dos meus negócios é uma cadeia de restaurantes e tenho o pessoal que pretende. Todos os dias, à sua escolha, um deles irá a sua casa confecionar-lhe as refeições. E não diga que não, porque eles só estão a fazer o serviço que lhes compete e já estão pagos!

Tomás ficou indeciso. E não lhe dando tempo para recusar, Heitor voltou à carga:

-Mas há uma condição… tem de me convidar a comer consigo, não só porque sou comilão, mas também pelo facto de saber se nos afogarmos em bom vinho, tenho quem me salve de morrer afogado! Ah! e nos dias do “chef” francês, passo, dietas não são comigo!

 

 

    Jorge C. Chora

      2/04/2022