terça-feira, 29 de junho de 2021

A SEM-VERGONHA


Madalena era tímida ou melhor, muito tímida. Vestia-se de uma forma pouco ou nada apelativa, trajando vestidos largos, ocultando as suas formas femininas. Nunca tinha tido um namorado, por nunca ter conseguido manifestar o seu interesse por quem gostava. Envergonhava-se só de pensar nisso.

O tempo foi passando e o seu relógio biológico dando sinais cada vez mais intensos. Um dia apaixonou-se por um colega recém-chegado. Foram várias as colegas a quem João despertou o interesse.

Certo dia, Madalena escutou, por mero acaso, que a Filomena, uma sabidona, combinava com a sua amiga Eduarda, a única que conhecia o recém-chegado, levá-lo à loja de vestuário sob o pretexto de aquele lhe dar uma opinião. Filomena estaria num gabinete de provas e chamaria pela Eduarda e deixar-se-ia ver em trajes menores, atraindo a atenção do João.

Madalena decidiu que chegara o tempo de deixar-se de vergonhas ou ficaria para tia.

No gabinete de provas da loja, com um vestido previamente escolhido, mal ouviu a voz de Eduarda

chamou-a em voz alta:

- És tu Eduarda? Faz me um favor, dá-me a tua opinião!

E abriu a cortina, deixando a sua total e esplendorosa nudez à vista de ambos.

Boquiabertos perante a visão, viram Madalena pedir-lhes desculpa, abrir os braços e mostrar-se penalizada perante a situação, tornando a tapar-se parcialmente com a cortina, deixando os divinos seios só metade cobertos.

E foi nesta altura que se ouviu lá longe, a voz de Filomena chamando Eduarda:

- Dá-me uma ajuda…

E ela foi dar-lha mas sem João que, nunca mais deixou Madalena sozinha. Não era todos os dias que se podia estar com uma deusa!


Jorge C. Chora

29/06/2021

sábado, 26 de junho de 2021

SONHOS E DESEJOS

Os desejos são sonhos

pueris , de namorar

com aquela diva

tão bonita como a Marylin.

Já os sonhos, são desejos

de como cativá-la,

com um simples olhar,

tal como ela conseguia,

com um simples pestanejar,

um olá e um sorriso.

Jorge C. Chora

26/06/22021


quarta-feira, 23 de junho de 2021

O TRAPACEIRO


Era useiro e vezeiro em contrair e não pagar os empréstimos. Muito aflito com a falta de pagamento

por parte do trapaceiro, um velho de coração mole, arriscava-se a ficar sem água nem luz em pleno inverno, pois tinha emprestado o dinheiro a quem dele precisava.

Foi o aposentado ter com o devedor e recordou-lhe que lhe dera o dinheiro porque ele lhe prometera devolver-lho no fim da semana.

Não só não lhe pagou o que devia, como ainda teve a desfaçatez de o gozar:

- Quer que eu lhe devolva este fim de semana o dinheiro da água e da luz? Quem não tem dinheiro não tem vícios!

Não queria acreditar no que ouvira. Todos os conhecidos o tinham advertido do que ia acontecer ao emprestar dinheiro ao trapaceiro.

Triste com o que se estava a passar, o velho crente dava voltas à cabeça, para conseguir resolver o problema, que ele próprio tinha criado com a sua boa fé.

Encontrou por acaso um antigo vizinho a quem ajudara quando era um jovem problemático, com um currículo de alto lá com ele. Aníbal assim se chamava o jovem adulto, estranhou a tristeza do seu velho protetor

Inteirado dos motivos do amigo, procurou saber pormenores do aldrabão que o estava a entalar.

Após uma breve conversa, disse-lhe:

-O meu amigo não se preocupe. Amanhã mesmo, o mais tardar depois de amanhã, terá o seu dinheiro de volta.

- Agradeço-te Aníbal mas não quero que te preocupes comigo. Hei de resolver o assunto…

- Não se preocupe, não vou dar-lhe nenhuma sova, embora ele a mereça!


Nesse mesmo dia surgiu à porta do malandro, uma grande carrinha funerária. No vidro da frente existia um cartaz que dizia, em letras garrafais:


MESMO QUEM NÃO PAGA, TEM DIREITO

À ÚLTIMA VIAGEM NÃO É?


Ficou impressionado o trapaceiro, ao saber que o homem da funerária tinha perguntado por si,

referindo que as despesas das exéquias já estavam pagas por alguém que não sabia quem era.

No mesmo dia, os empréstimos foram pagos, com o respetivo pedido de desculpas pelo comportamento tido.

Ainda hoje o velho amigo julga que o trapaceiro se arrependeu do seu comportamento e se ele voltasse a pedir-lhe dinheiro emprestado, o faria com todo o gosto.

Aníbal nunca disse o que tinha realmente preparado, deixando que quem tanto o aturara, continuasse a acreditar na bondade do mundo!


Jorge C. Chora

23/06/ 2021



sábado, 19 de junho de 2021

UMA VIAGEM ATRIBULADA OU AS ORAÇÕES INTERESSEIRAS

Na véspera do dia de Santo António, pouco tempo depois de sair do Penedo Furado, em Vila de Rei, em direção a Tomar via Abrantes, o tempo mudou. Uma chuva forte , logo seguida de queda de granizo de alto lá com ele, fizeram-me temer o pior.

A todo o momento receava que o vidro da frente do carro se estilhaçasse. O granizo era cada vez mais intenso, as estradas eram estreitas e as zonas mais baixas corriam o risco de ficarem inundadas e deixarem de dar passagem.

No banco de trás a minha pequena neta cantava e avisava-me amiúde para não abrir o vidro, ao que eu lhe respondia:

-Está descansada… isso nem me passa pela cabeça!

Ensaiei silenciosamente um Pai Nosso, tendo-me enganado duas vezes, pois rezo mais a Avé Maria.

Sinceramente não sei se foi pelo duplo engano ou por não estar nas graças do Senhor, a tempestade ainda se tornou mais severa. Mau, pensei eu, querem lá ver que Ele sabe que a oração era interesseira e ainda por cima mal feita?

Durante uma hora, maldita hora, só consegui acertar com a estrada porque tinha uma viatura à minha frente que não me deixava ficar à nora, pois tratava-se do meu filho.

Sem conseguirmos arranjar um abrigo, tivemos de seguir sempre em frente, sem pararmos, enfrentando a chuva, o granizo, trovões, relâmpagos e a minha impaciência crescente.

À hora a que chegámos, já não conseguimos vaga num restaurante e tivemos de nos contentar com hamburgers e coca-cola.

Vinguei-me bem vingado na coca-cola, pois ao contrário de muitos, à coca-cola digo sempre:

- Venha mais uma…

Duas coisas aprendi: a primeira a ter atenção aos avisos meteorológicos e a segunda, mais subjetiva, evitar enganar-me nas orações, não vá o diabo tecê-las...


Jorge C. Chora

19/06/2021

quarta-feira, 16 de junho de 2021

O MENINO DO PÓPÓ



Alberto tinha pouca ou nenhuma paciência para andar de roda do seu carro. Preocupava-se com os órgãos essenciais para uma condução segura e ficava-se por aí.

No fim do dia de trabalho, a sua colega Dina pediu-lhe boleia por ter a sua viatura na oficina.

Ao chegarem ao automóvel de Alberto, ela franziu a testa, mas absteve-se de comentários. Se Dina não soubesse de que cor era o carro, só poderia adivinhar qual era, tal a sujidade. O interior também não primava pela limpeza mas era melhor do que a do exterior.


Em conversa amena até chegarem ao destino, Dina não conseguiu conter-se à despedida, sem lhe lançar umas farpas:


- Olha Alberto, não leves a mal a pergunta que te vou fazer…

- Pergunta à vontade…

- O teu carro lava-se sozinho?

- Que eu saiba não… - respondeu-lhe Alberto, dando uma gargalhada.


Combinaram tomar café após o jantar, num local diferente do habitual. À hora marcada, Alberto parou em frente à esplanada repleta de gente. A sua viatura resplandecia. Ainda havia sol e a luz refletia-se na cor cinzenta metalizada. Saiu da viatura e ficou a mirá-la. Nunca a vira tão limpa, valera a pena mandá-la lavar e limpar.


Na primeira mesa da esplanada, duas senhoras, ainda jovens, comentaram de um modo maldoso e um tanto ou quanto altivo:


- Este vive para o pópó! Vê-se à légua que é a única preocupação… olha a vaidade …está a namorá-lo...


Alberto sorriu e apressou-se a contar a Dina o que ouvira. Esta lançou uma gargalhada tão forte e tão sincera que as pessoas ao seu redor se voltaram para verem o que se passava.


No dia seguinte, pela hora do almoço, o carro de Alberto voltou a ser o que era: as gaivotas, atraídas pelos reflexos, encheram-lhe a capota e o tejadilho de cocó !


Jorge C. Chora


16/06/2021







segunda-feira, 14 de junho de 2021

SANTO ANTÓNIO EM PANDEMIA

Na noite de St º António

enlaçam-se os noivos,

beijam-se os namorados,

proibidos de bater-o-pé,

e de irem aos arraiais,

mas não se esquecem

do manjerico aos pés do Santo

e de lhe agradecerem o par

que lhes coube em sorte.


Jorge C. Chora

13/06/2021


 

quinta-feira, 10 de junho de 2021

OS PORTUGUESES

 Nada está bem,

tudo é melhor

se for de fora.

Dizem ser má sina,

uma desgraça

serem nacionais,

mas não querem

nem desejam

ser outra coisa.

Ai dos estrangeiros

que digam mal

do país.

Emocionam-se

com o fado,

com as nossas vitórias,

arrepiam-se com o hino

e morrem de saudades

quando cá não estão.

A comida é a melhor,

as mães são santas,

as mulheres, as mais bonitas,

os homens, os mais camaradas,

afinal ser português é que é fixe!

Dizer mal é vício,

mas poucos desejam ser

outra coisa, senão portugueses!

Viva Portugal !

Jorge C. Chora

10/06/2021


terça-feira, 8 de junho de 2021

A BOINA DO TUBARÃO

 

A BOINA DO TUBARÃO



Andava o mundo preocupado ou melhor, preocupadíssimo, com o Filipe. Tudo ou quase tudo o que dizia, tinha o selo de falso, garantidamente. Os colegas, os amigos ou simples conhecidos, mal ele abria a boca, esperavam uma grande mentira ou pelo menos, uma inverdade.

À mesa do café , após o fim do dia de trabalho, reuniram-se os colegas, para bebericarem umas cervejas e conversarem um pouco.

Eis senão quando, ao longe, se aperceberam que o Filipe se dirigia para o local onde se encontravam

- Qual será a galga que nos vai enfiar hoje?

-Sabemos lá...para variar é capaz de não dizer nenhuma… - avançou um bem intencionado.

- Bom...vamos apostar… - propôs um deles.

E apostaram. A aposta não se efetuou, pois todos se inclinaram a favor da mentira que o Filipe não deixaria de dizer.

Após os cumprimentos da praxe, Filipe deixou escapar :

- Estou nervoso. O que vi deixou-me assim. Primeiro, julguei estar a sonhar. Depois verifiquei que não. Tinha mesmo visto o que vira…

- Não estejas a empatar homem. Afinal o que viste?

-Quando passei à beira mar,vi um tubarão com uma boina…

Nem chegou a acabar a frase. A risada foi geral.

- E de que cor era a boina…

- Era preta e vermelha, com um pompom…

E um idoso de bengala, de ar distinto, que por ali passara e assistira à cena, interveio e disse:

- Olhem , não é verdade…

-Escusa de dizer, pois aqui todos sabemos … um tubarão de boina! - exclamaram os amigos.

-Não é isso … -cortou o idoso, acrescentando – Não era bem isso. A boina, era uma boina basca!

Os presentes franziram o sobrolho. Como assim, pensaram. Uma boina basca?

Sem saberem que dizer, calaram-se. Não querem lá ver que o barreteiro tinha razão!

Enquanto o idoso se afastava, cruzou-se com o Manuel, um recém-chegado que o cumprimentou e veio para ao pé dos amigos.

Ao chegar junto ao grupo perguntou:

- Então malta, o que fazia aqui o pai do Filipe?

- Pai do Filipe? O idoso que aqui estava?

-Sim claro Quem querias que fosse?

Entreolharam-se, trocaram olhares e de modo ajuizado decidiram, nada mais dizer, nem perguntar! Tal pai tal filho! Ora abóboras!

JORGE C. CHORA

8/06/2021

domingo, 6 de junho de 2021

RUINDADE


Ninguém separa

a ruindade,

da vontade

de fazer o mal.

Embora nem sempre,

para alguns seja mau,

fazer mal,

pois quem só deseja

aos outros mal fazer,

para o seu próprio bem haver,

nada é tão bom como a ruindade.

Jorge C. Chora

6/06/2021

quinta-feira, 3 de junho de 2021

O DESCARADO FEDORENTO

Um homem de meia idade, refastelado à mesa do café, ia-se descuidando sem qualquer cerimónia. À medida que se descuidava, dizia,com alívio e em alta voz: fora com quem não paga a renda.

Numa mesa a seu lado,uma senhora ainda jovem, de aparência cuidada, sofria em silêncio o mau cheiro e os sons desagradáveis, sem dizer ai nem ui.

Quando o senhor ia beber um galão a fumegar , a senhora não foi de modas: descuidou-se de uma forma estrondosa,de tal forma violenta que o homem se assustou e entornou o líquido a ferver

na sua camisa e nas calças, lançando um grito de dor.

A senhora,fingindo-se surpreendida, disse-lhe com um ar ingénuo e em tom infantil:

-Resolvi expulsar também o intruso que não pagava a renda...

E o senhor, já recuperado do escaldão, todo sujo mas risonho, respondeu-lhe:

-E fez muitíssimo bem, se todos agissem como nós, não haveria senhorios infelizes nem inquilinos abusadores. Fora com quem não paga a renda!

E a jovem, descuidando-se de novo de forma ruidosa,corroborou a afirmação:

- Fora com quem não paga a renda! - e afastou-se.

Ao afastar-se, olhou pelo canto do olho ainda a tempo de ver o homem a abanar-se, em desespero, tentando livrar-se do fedor que ela lhe legara.


Jorge C. Chora

3/06/2021