sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O Beijo

O cabelo caía-lhe em cascata ocultando-lhe, parcialmente, o rosto angelical. O vestuário irrepreensível, moderno, mãos e pés cuidados, uma perna esguia e depilada ao pormenor. Era assim a jovem senhora que seguia sentada no metro e atraía as atenções. Abriu a carteira, retirou um telemóvel e digitou um número.

-Sim…pois é verdade…acredito que o beijo criou o mundo…

À sua volta várias cabeças abanaram, concordando, de modo silencioso, com a afirmação.

-Acredito mesmo que o beijo criou o mundo… -tornou ela.

E as cabeças dos ouvintes tornaram a concordar.

A jovem e muito convincente senhora, guardou o telemóvel, retirou uma agenda e beijou-a. De seguida beijou uma chave, um fio, uma série de documentos e, com todos os olhos postos nela, descalçou um sapato, beijou-o, calçou-se de novo e saiu na estação seguinte.

No banco ao lado, um homem pequeno, com um longo chapéu e de papillon, dá um pulo e diz:

-Não se preocupem, eu costumo tomar conta dela… - e salta do comboio, beijando o chapéu e gritando - Espera por mim minha querida!

Jorge C. Chora

terça-feira, 11 de outubro de 2011

O encantador de vespas

Quando Lisa pediu a casa emprestada a Afonso para passar uns dias de férias, este disse-lhe que sim, mas fez-lhe um pedido:

-Empresto-ta com uma condição…

-Qual?

-Não faças mal às vespas que estão na varanda da frente. Elas não te incomodam e até adivinham as tuas necessidades…

Lisa olhou o amigo com atenção. Sabia que Afonso era um tanto excêntrico mas o que acabara de ouvir ultrapassava esse nível. Resolveu não o questionar. Por experiência própria sentia que mais nenhuma explicação lhe seria dada.

Mal chegou ao destino, Lisa dirigiu-se à varanda e viu um enorme enxame de vespas. Elas circularam em torno de si durante uns segundos e afastaram-se.

A meio da tarde, com o fato de treino vestido, ao passar pela varanda, o enxame zumbiu ameaçador à sua volta e Lisa desatou a correr pela rua fora.Trinta minutos depois, o enxame ultrapassou-a e fê-la correr no sentido inverso, até casa.

A cena repetiu-se durante duas semanas. Ao fim desse tempo Lisa sentia-se outra: recuperara a forma, respirava melhor e estava bem consigo própria. Resolveu repousar ao ar livre, apreciando o fim de tarde e o pôr-do-sol. Reparou no cavalheiro grisalho e de porte atlético que acabara de se sentar na varanda em frente da sua. Já o vira na piscina do aldeamento turístico e achara-o interessante. Confirmou a sua impressão ao observá-lo mais atentamente. De repente, o enxame dirigiu-se ao cavalheiro, cercou-o, perseguiu-o e obrigou-o a correr na direcção de Lisa.

-Por aqui! – gritou-lhe Lisa, abrindo-lhe a porta e colocando-o ao abrigo do perigo, enquanto o abraçava, até o sentir calmo e rendido à sua ternura.

Nessa mesma noite Afonso telefonou-lhe e disse-lhe:

-Não te vou perguntar nada, mas caso estejas a dar-te bem com as vespas, recompensa-as e compra-lhes mel de rosmaninho…diz-lhes que depois eu converso com elas.

A mercearia local esgotou, por duas vezes, as provisões de mel.

Jorge C.Chora