segunda-feira, 31 de outubro de 2016

A BRUXA,A HIENA E O LEÃO

                                               

Uma hiena viu um leão no meio do mato. Temerosa, ficou quieta e em silêncio absoluto. Observou-o. Estranhou a sua quase imobilidade e o facto de estar a gemer. Pareceu-lhe que ele estava doente. Resolveu investigar melhor o que se passava.

Aproximou-se, passo a passo, e verificou que a fera rugia e se contraía com dores. Concluiu que estava em sofrimento. A hiena, perante a debilidade do leão, começou a pensar no modo de tirar vantagem da situação.  Humilhar o rei seria óptimo. Causar-lhe um dano de que pudesse vangloriar-se junto aos seus, de ter feito gato sapato do feroz animal, era ouro sobre azul.

Surgiu-lhe a ideia de abocanhar-lhe o traseiro, arrancar-lhe um pedaço de carne, exibi-lo na alcateia e dizer-lhes:

- Vejam o que tirei ao leão, enquanto ele fugia de mim!

Logo veria como poderia trabalhar melhor a sua história e vangloriar-se da sua grande valentia.
Arquitectada a tramóia, era preciso executá-la. Muito devagar, já de boca aberta, foi-se chegando à traseira do leão. Um urro atemorizante paralisou- a. No ar pairou um cheiro nauseabundo.

Os olhos da hiena giraram no globo ocular, tal o terror que de si se apoderou. Recusou-se a acreditar no que viu: o leão acabara de fazer um ciclópico monte de cócó.  Tremendo de medo, a hiena borrou-se toda.

O leão estava só com dores de barriga. Levantou-se a fera sem se dignar olhar a insignificante hiena e lançou-lhe ao focinho o resto dos gases que tinham permanecido nos seus intestinos.

Uma bruxa que morava num embondeiro, perto do local, assistiu à cena e achou que a fanfarrona da hiena merecia uma boa bruxaria. Dito e feito: atribuiu à hiena um cheiro característico, bem fedorento, um apetite voraz por carne putrefacta e um riso estranho e apatetado que ajudava a denunciá-la na selva.

Neste momento a bruxa agarrou na sua vassoura e prepara-se para vir passar o dia 31 de Outubro a Portugal, com a intenção de atribuir às hienas citadinas, as mesmas características que acabou de conceder, lá na selva, às suas irmãs.

Quantas hienas conhece? Muitas? Talvez ainda haja tempo de fazê-las sair da toca…

No creo en brujas, pero…



Jorge C. Chora

sábado, 29 de outubro de 2016

SORRISO PRIMAVERIL



Bailam sorrisos
em caras lindas,
quase tão bonitos
como o teu,
mas nenhum
mais promissor
e primaveril
do que o teu,
ó meu amor.
Fecho os olhos
e vejo o malmequer
que se desfolha
na tua face
de bem-me-quer.
Ó meu amor
como é belo
o sorriso,
que baila no
teu rosto,
como uma
eterna Primavera.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 21 de outubro de 2016

BEIRA DOS ANOS 5O/6O. IR AO CAMPO DE AVIAÇÃO,VER OS AVIÕES,ERA UM PASSEIO DOMINICAL

   

Ir ao campo de aviação (era assim que os moçambicanos designavam a ida ao aeroporto) era um programa de fim-de-semana. Julgo que isto era o que acontecia, um pouco por todo o território, nas cidades dotadas de aeroportos.

Na Beira, de há cinquenta/sessenta anos, esta actividade era frequente. O aeroporto distava uns bons quilómetros do centro da cidade e só para lá chegar isso já constituía uma pequena diversão.

Ver os aviões aterrarem e levantarem, entrar no edifício, passear nas varandas, sentir o cheiro dos combustíveis e ouvir o roncar dos motores era um programa em cheio.

Acontece que eu e o meu irmão enjoámos prematuramente esta volta dominical e eu vou explicar a razão de tal facto.

Quase todos os anos, nas férias grandes, apanhávamos o avião para LM, para irmos passar uma temporada a casa da nossa avó e para estarmos com os nossos primos. Éramos entregues às hospedeiras da Deta, cuja beleza e profissionalismo eram inexcedíveis. Nas primeiras vezes, ao entrarmos no avião, estranhávamos termos quase de trepar até alcançarmos os lugares, pois a inclinação dos Dakotas era tal que parecia estarmos a subir uma encosta.

As viagens decorriam em beleza, embalados pelos poços de ar e os avisos constantes de apertar os cintos e a barulheira dos motores. Quando chegávamos a LM, caso o nosso tio não estivesse à nossa espera, trazíamos escrita a morada e apanhávamos um táxi que nos levava, sempre em segurança, ao nosso destino, pese embora a pouca idade que tínhamos. Voámos em dakotas, friendships e boeings 737 à medida que a Deta se modernizava. Até aqui tudo bem.

O busílis da questão residia em conseguirmos apanhar o avião para LM e, no regresso, para a Beira. Como assim? É simples, pois só viajávamos se não houvesse passageiros pagantes. A companhia pertencia aos Caminhos de Ferro de Moçambique e os seus funcionários ou familiares só podiam usufruir de viagens se os passageiros normais não esgotassem todos os lugares.

Chegada a altura de férias, levantávamo-nos de madrugada, antes do nascer do sol e íamos para o aeroporto no dia aprazado. Não me recordo de nenhuma viagem que tivéssemos feito no dia marcado. À última hora surgia sempre um passageiro que comprara a passagem para tratar de assuntos imprevistos, ou de um funcionário em serviço que ia para a capital.

Regressávamos a casa tristonhos. Os empregados faziam-nos o lanche e eramos enviados para a “nossa praia” a todo o vapor. Se à primeira tinha graça, quando nos recambiavam quatro, cinco, seis e sete vezes, deixava de todo de tê-la.

Retornados à habitação, éramos recebidos com um sorriso e com um lanche já preparado de antemão, que nos estendiam sem perda de tempo, com ordem de marcha para as ondas da praia.

Não admira, que os passeios dominicais ao campo de aviação, não colhessem, da nossa parte, nem da parte paterna, muita simpatia.

Mal sabia eu que em adulto, passaria imenso tempo a ver aviões de todos os modelos, cores e feitios, aterrarem e levantarem nas inúmeras horas de espera, em trânsito, nas viagens aéreas que fiz.

E afinal, a mania de observar aviões, ir aos aeroportos e realizar as passeatas de domingo não existia só na Beira, mas também em Lisboa, no Porto e onde existissem aeroportos… Que o digam, ainda hoje os designados como “spotters”…

É pois, com um sorriso amarelo que ainda hoje vejo a minha mulher, sempre que ouve um ronco de um avião que passa por cima da nossa casa, ir ao site “flighradar24” para saber qual é o vôo, o tipo de avião, para onde vai…

Jorge C. Chora


quarta-feira, 19 de outubro de 2016

PISAR NÃO É VOAR !



Há quem rasteje
por não ter asas,
mas há quem as possua
e não tenha aprendido a voar.
Existem, no entanto, as que
para além de voarem
as usam para obrigarem
todos as outras a rastejar.
Quem assim procede,
mais não é do que um
simples animal rastejante,
incapaz de se elevar,
enquanto persistir
em  confundir
pisar com voar.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

AS"BALEIAS" NO TEJO E OS FILMES NO COLISEU NOS ANOS 50/60

            

Luciano Santos e a sua tia Adelaide, sempre que iam à Cova do Vapor, apanhavam o cacilheiro no Cais do Sodré. A bordo, instalavam-se na zona da proa, ao ar livre, e viajavam vendo o barco a sulcar as ondas, até chegarem ao destino e desembarcarem na Costa do Vapor, como lhe chamavam na época, num cais de madeira.

Um belo dia, navegando perto de Porto Brandão, Adelaide solta um enorme grito:

-Olha uma baleia! Uma baleia! E apontava, excitadíssima, um grande golfinho que dava saltos junto à proa do navio.

Os passageiros, deliciados, assistiam às brincadeiras da “baleia” que acompanhou o cacilheiro durante parte da viagem e a sua atenção só foi interrompida, de tempos a tempos, por um  engraçadinho que gritava:

-Olha a baleia!

À noite, já sem a tia, Luciano ia, por vezes, assistir a um filme no Coliseu. Na sala ficava com um olho fixo na tela e o outro no chão, local onde havia outro espectáculo: corridas de ratazanas. Quando ele e os outros espectadores acabavam de fumar os cigarros, afinavam a pontaria e arremessavam as beatas à rataria.

Se acaso pagassem uns dinheirinhos por cada rato, vivo ou morto, Luciano e os outros eram bem capazes de encher um saco e arrecadar uns tostões, que bem falta lhes faziam.

Lisboa nos anos 50/60, ainda era assim.


Jorge C. Chora

terça-feira, 11 de outubro de 2016

RECORDAÇÃO



O que em ti
vi quando te conheci
explica bem
o que por ti senti:
O mesmo que ainda hoje sinto
quando estou perto de ti
e gosto de recordar
 o dia em que te conheci.


Jorge C. Chora

sexta-feira, 7 de outubro de 2016

UM BEIJO E UMA FLOR


Olhar as gerberas
causa-lhes um certo ciúme,
arregala-lhes os olhos
desperta-lhes o desejo
de recebê-las por parte
de quem,
até ao momento, lhes deu
uma mão cheia de arrelias
e a outra, repleta só de promessas
incumpridas.

Uma flor para a Guida,
outra para a Helena,
e ainda outra para a Joana,
havendo também para
a Mafalda, a Luísa
e para todas as mulheres
que amam.

Uma flor e um beijo
que elas, afinal,
 ciumentas ou não,
também merecem,
enquanto esperam
que as promessas
um dia se cumpram
e recebam de quem amam
um simples ramo de gerberas.


Jorge C. Chora

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

"RÁRES" E O PRESIDENTE DOURADO

                                           
Foi hoje aberto ao público o MAAT e muitos milhares de cidadãos quiseram visitá-lo, tal como eu.
O Prof. Marcelo Rebelo de Sousa também lá foi. Circulou entre a multidão, deixou-se fotografar com vários anónimos, apertou a mão a muitos dos que o quiseram cumprimentar.

Subindo a rampa exterior, que dá acesso ao topo do edifício, o Presidente da República, acompanhado de uma pequena comitiva, alguns deles militares da marinha, atraiu a atenção de Ráres, encavalitado aos ombros de seu pai.

Ráres é uma criança romena, e o pai um operário que trabalhou na construção do museu. Excitado por saber que naquele grupo que subia vinha o Presidente, apontou o reluzente oficial de marinha, fardado de branco, com os seus galões dourados e não teve a menor dúvida:

- É aquele senhor, não é pai?

E quando o progenitor lhe disse que não e lhe indicou quem era, calou-se e percebeu-se uma
desilusão: afinal nem sempre os que brilham ao sol são os que mandam em todos!

Jorge C. Chora


segunda-feira, 3 de outubro de 2016

O FADO CACAREJADO

                                                      

Na feira de antiguidades, um senhor de grandes bigodes, examinava os objectos da banca onde se encontrava, com um detalhe e uma morosidade exasperante.

O vendedor, de modo educado, ia respondendo às questões, a um ritmo frenético, que o cliente lhe ia pondo, da melhor maneira que lhe era possível.

Depois de mexer, remexer e examinar praticamente tudo o que havia, pegou numa pequena estatueta metálica, representando um galo. Deu-lhe o mesmo tratamento que tinha dispensado às peças anteriores, com a particularidade de a encostar ao ouvido, primeiro o esquerdo e a seguir o outro.

-A peça é portuguesa?

-Sim. Comprei-a como tal...

E o senhor, tornou a encosta-la às orelhas e a sacudi-la com um ar de caso.

-Pois olhe, se eu descubro que ele canta em chinês, pode ter a certeza que venho cá devolvê-lo…  - advertiu o comprador.

- E se ele por acaso cantar em japonês ou em tailandês? -perguntou divertido o vendedor.

-Nada feito…se ele cantar, só aceito em português legítimo, de preferência em ritmo de fado cacarejado!

Nestas feiras aparece cada maduro!


Jorge C. Chora