terça-feira, 16 de junho de 2015

O PORCO SUJO



.A casa era pobre, térrea e pequena. Em frente existia um pequeno quintal, cheio de ervas, sem qualquer muro ou vedação a separá-lo da rua. Lá morava um homem, cuja idade ninguém conhecia. Andava sempre de camisola interior e só era visto de dois em dois dias. Era conhecido como Porco Sujo devido ao seu aspecto andrajoso e pouco limpo.

Pese embora o seu aspecto e a pobreza da habitação, tinha fama de ser rico ou melhor, riquíssimo. À noite, espreitavam-no e viam-no a escavar um buraco, às escuras, de modo silencioso. Adivinhavam-lhe os gestos, os ritmos da escavação e o arfar de cansaço.

-É ali que ele enterra o dinheiro! Ou o ouro e as jóias… - comentavam os vizinhos.

O tempo foi passando e, pela noitinha, a vizinhança, de atalaia, via-o repetir, sem qualquer falta, a mesma tarefa. Mortos de curiosidade e ganância, resolveram investigar.

Numa das suas ausências, foram observar se a terra naquele local, que tão mal se via ao luar, estava ou não remexida. Mal a pisaram ela cedeu um bocado. Confirmadas as suspeitas, retiraram-se e combinaram, daí a dois dias, a altas horas da noite, quando o homem estivesse a dormir, irem escavar o buraco e apropriarem-se do tesouro do” Porco Sujo”.

Nomeados três homens para executarem a tarefa e combinada a hora da incursão, três da manhã, retiraram-se todos para as suas respectivas casas.

No dia aprazado, munidos de pás, iniciaram os trabalhos de escavação. O terreno estava mole e, de repente, cedeu e abriu-se um buraco enorme no qual caíram os três. Ficaram atolados numa papa mole e fedorenta, sem se conseguirem mexer.

Com o passar das horas, os que os esperavam concluíram: fugiram com o tesouro! Resolveram ir todos, pé ante pé, em fila indiana, saber o que se passava. Um após o outro caíram no buraco, sem um grito para não alertarem o proprietário do tesouro.

Até de manhã, debateram-se, sem sucesso, para conseguirem sair do local malcheiroso, onde o”Porco Sujo” despejava os seus dejectos.

Quando o proprietário se levantou e se deparou com o espectáculo da vizinhança atolada nas suas fezes exclamou:

-Oh meu Deus! Querem ver que a vizinhança veio ajudar-me a limpar o meu terreno e logo por azar caiu na minha fossa? Peço mil perdões.

E passou o resto do dia a tirá-los, com a ajuda de uma corda, e a repetir por cada um que saía:
-Os senhores perdoem-me, mas parecem uns autênticos “Porcos Sujos”…

Jorge C. Chora  

sábado, 6 de junho de 2015

O HOMEM DE NENHURES QUE ERA DE ALGURES


Fez-se um silêncio súbito na assembleia. O orador deixou de ser apupado. Centenas de pessoas presentes escutaram sons estranhos vindos, não sabiam se de longe se de perto, nem de onde. Escureceu. De repente levantou-se uma enorme ventania. Voaram cadeiras, papéis, mesas, pessoas e o orador que estava a ser objecto das vaias.

A muitos quilómetros deste local, numa outra reunião, o lugar da presidência estava vago. Eis que do céu caiu, no dito espaço, o orador voador vindo de nenhures. À sua frente tinha um microfone e na mão cinco pequenos papéis que apanhara no ar. Refez-se do baque e falou assim:

-Meu bom povo. Dispenso-me das saudações e agradecimentos iniciais que todos vós sabeis quais são. O que prometo, cumpro. -E vendo que do céu caíam peixes, continuou - Começo por vos oferecer uma abundante refeição gratuita, pese embora, me tenha custado uma fortuna.

Uma estrondosa ovação interrompeu o discurso. Com um ar compungido acenou, com ambos os braços, como se estivesse a ordenar o pouso de uma ave, que se fizesse silêncio.

Pegou nos papéis e leu as vinte promessas, quatro por cada papel que tinha na mão e recolhera ao acaso.

O espanto percorreu a assistência e a energia do orador teve o condão de a electrizar.

-O estranho ao poder! – gritaram,  entusiasmados, os fãs instantâneos.

-Aceito, bom povo, a vossa vontade soberana e esclarecida. Retiro-me agora para os meus aposentos, se tiverem a bondade de me indicarem onde são.

E a multidão, acompanhou o novo governante ao palácio. Mesmo antes de se instalar, escreveu um bilhete e colocou-o num envelope lacrado. A carta rezava assim:

Amigos,
Estou de novo instalado. Dou-vos a nova direcção. Apressem-se. Quando chegarem terão de novo tudo o que perderam nesse local maldito.

O governador,

DIGOQUEFAÇOESÓFAÇOAOSAMIGOS


Jorge C. Chora




segunda-feira, 1 de junho de 2015

A VINGANÇA DO MELRO E DA NUVEM

  

Lourenço foi ao parque passear, levando na mão um balão. Encontrou uma corneta no banco onde se sentou. Pôs-se a tocá-la e os pássaros começaram a chilrear de modo alegre e harmonioso.

Minutos depois foi admoestado pelo guarda do jardim:

-É proibido fazer barulho.

-Bom …isto não é propriamente barulho…- respondeu-lhe Lourenço a medo.

-A esta hora perturba quem cá está!

-Mas aqui não há ninguém! E são dez horas da manhã… -ripostou, de modo tranquilo, Lourenço.

-Após as nove é proibido. Já passa uma hora das nove… -disse o guarda com ar de poucos amigos.

-Mas isso é no horário nocturno e não no diurno – contrapôs o jovem.

-Quem decide se é de noite ou de dia sou eu! - berrou o vigilante.

Nesse mesmo instante, um grande melro aliviou os intestinos, enquanto o vigilante tinha a boca aberta.

-Está multado, por associação criminosa com o pássaro porcalhão… - vociferou, enquanto cuspia, furioso, pedaços de cócó do atrevido melro.

E uma nuvem cuja dança fora interrompida, tornou-se carrancuda, liquefez-se e desabou inteira sobre o homem que não gostava de alegria, de crianças, e muito menos de música.


Jorge C. Chora