Às três da manhã, a notícia surpreendeu os noctívagos: Tinha
nascido na principal maternidade do país, uma criança com a cabeça semelhante à
de um cão. Meia hora depois nascia a segunda. Ao longo da noite nasceram largas
dezenas de bebés com essas características. O repórter exultava com o que
sucedia: que fenómeno é este que está a acontecer na capital? Em breve era
obrigado a alargar o âmbito geográfico
da reportagem porque, um pouco por todo
o país, chegavam novas de recém-nascidos com cara de cão.
Pela manhã, as surpresas ainda não se tinham esgotado. O
homem das notícias engasgava-se, minuto a minuto, ao contar o que se passava na
maternidade central.
”Chegam a este local várias viaturas oficiais transportando
inúmeras altas autoridades. Peço desculpa, chegaram todos os membros, incluindo
os seus auxiliares directos. Dirigem-se para um pequeno palco, acabado de montar,
em frente ao edifício, repleto de microfones. Os decisores mais credenciados
tomam assento nas primeiras filas, sucedendo-lhes, por ordem hierárquica, os
seus ajudantes. Os representantes das forças vivas, foram chegando e, ao fim de
meia hora, a assembleia estava repleta. As televisões encontram-se a postos e
espera-se, a todo o momento, uma comunicação.”
Publicidade relativa ao suicídio dos mais idosos e sobre os
prémios que os seus descendentes receberiam, caso os incentivassem a cometê-lo
e tivessem sucesso, interromperam a emissão.
“Sua excelência aproxima-se dos microfones. O discurso vai
ter início, e será transmitido em directo quer pela rádio quer pelos outros
órgãos de comunicação presentes.
-Cidadãs…cidadãos .Um passo em frente foi hoje concretizado:
nasceram os primeiros concidadãos modelos do nosso país, resultado da nossa
política de Diogenização. Daqui para o futuro, não mais veremos o apego aos
bens materiais e externos a si próprios, tal como os salários e benesses do
trabalho, colocados de modo egoísta. As suas necessidades serão mínimas, água e
pão, e eles próprios abolirão as frivolidades sociais,…Viverão em casas
minúsculas, terão um único fato, o de trabalho. Viverão como cães, o ideal
máximo da nossa política de Diogenização. Para os relembrar, a todo o momento
do ideal que lhes traçámos, trouxemos presentes em barro, que representam
pequenos barris, habitações mais do que suficientes, que recordam a nossa
figura inspiradora: Diógenes, o Cão.
Como não queremos ser avaros nos presentes, dar-lhes-emos
também um cajado, para se apoiarem na sua longa caminhada e para se
auto-flagelarem sempre que saiam do caminho de virtude que lhes oferecemos.
Finalmente, uma palavra destinada aos que não nasceram nesta
época feliz: Estamos condenados a ter o que desejámos, a prescindir de viver em
elegantes barris e a deambular pela cidade, procurando, de lamparina acesa, homens
de virtude que (in)felizmente nunca encontraremos…
Jorge C. Chora