domingo, 19 de maio de 2013

O "Dito Cujo"


Nunca saíram tanto de mãos dadas como nos dias d`hoje. Exceptuando um arrufo ou outro de somenos importância, é vê-los tal e qual as comadres em tempo de bonança.

Circulam de nariz empinado e respondem, a quem os questiona, de modo afectado, como se tivessem sido ofendidos:

- Isso não nos parece nada bem…

Insistem os pobres mortais em obter respostas às questões que colocam e ei-los que, de queixo apontado à lua, tornam a ripostar:

-Isso não nos parece nada bem…

Por mais voltas e tentativas que se façam, apertos que se tentem …o máximo que se obtém é de novo, a mesma resposta:

-Isso não nos parece nada bem… -e segue-se um aviso - E não nos toques, que isso não nos parece nada, mas nada bem….

E é deste modo que os senhores”Não-nos-parece-nada-bem”  e “Não me toques” vão deixando passar o tempo sem se arreliarem nem se deixarem incomodar. O culpado é o outro.

O outro? Sim, aquele, … o “Dito Cujo”…esse mesmo…

O pau cai e as costas não folgam…

Jorge C. Chora

segunda-feira, 13 de maio de 2013

O cabeço


O cabeço era improdutivo como sempre fora, segundo se recordavam os habitantes do povoado mais próximo. Alguém disse, ninguém sabe quem, que ali cresceria algo absolutamente necessário para a subsistência da região.

Organizaram-se grupos para testemunharem o fenómeno. Ao fim de uns meses, a concentração populacional foi de tal ordem, que ali cresceu uma verdadeiro cogumelo populacional.  A terra foi vendida a peso de ouro, assim como as casas, mal acabadas, mas depressa despachadas.

O grupo de vigilância do cabeço, engrossava semana a semana. Um belo dia, ouviram-se logo pela manhã grandes gritos de alegria. O cabeço estava coberto de pequenos montinhos, semelhantes a tufos. Dezenas de pessoas correram para o local.

-O que é isto?

Analisados os montinhos, a desilusão apoderou-se dos presentes: era cócó de cabra…

No fundo, no vale, um pastor apascentava a sua cabrada. Foi ainda nesse dia que circulou a notícia, de que no cabeço do outro lado do vale, iria surgir o que afinal não aparecera ali.
O chiar das rodas de uma carroça fez-se ouvir. Um homem idoso, desceu, recolheu e carregou todo o esterco que coube no seu transporte.
Uma hora depois, circulando pelas ruas do povoado, anunciava:

-Estrume para as hortas caseiras…

Uma hora depois, a terceira fila de compradores que se tinha formado, ficou de mãos a abanar: O estrume tinha-se esgotado.

- Amanhã há mais… - anunciou o vendedor, de olho no rebanho.

Jorge C. Chora

terça-feira, 7 de maio de 2013

A Procissão das flores


Os dois pequenos vasos, um com uma roseira e o outro com uma laranjeira, ambas meio murchas, eram transportados com todo o cuidado. Pé ante pé, os seus carregadores, esforçavam-se por mantê-las à sombra, deixando aqui e acolá que ficassem expostas ao sol por uma questão de saúde.

Atrás deles seguia uma pequena multidão que se arrastava nos seus fatos domingueiros. Alguns carregavam regadores e, de quinhentos em quinhentos metros, revezavam-se e deitavam-lhes, à vez, um pingo de água.
Quando o pingo caía, a multidão orava e formulava os seus desejos de modo audível:

-Deus queira que sobrevivam e dêem frutos e flores. Que tenham forma e conteúdo! Que sejam bonitas, suculentas e correspondam às nossas expectativas!

E a procissão seguia, lenta mas determinada, pelas vielas do burgo, podendo ver-se, penduradas nas janelas, toalhas de plástico desbotadas fazendo as vezes das antigas colchas nos dias festivos.

Um vento fraco, mas persistente, atingiu os integrantes da procissão. Lamentaram as condições climáticas adversas e queixaram-se amargamente: era só o que nos faltava!

A marcha parou. Trocaram-se impressões. Ninguém se entendia e começaram a surgir estratégias peregrinas. A que vingou foi a que propôs acabar com a rega gota a gota, porque podia amolecer a terra, enfraquecer as raízes e ser levada pelo vento.
Entretanto a ventania aumentou.

Ainda a procissão ia a meio quando alguém gritou: Elas morreram!

-Quem…quem …?- interrogaram-se, assustados, entreolhando-se.

-As plantas…

Uma debandada colectiva teve lugar. A roseira e a laranjeira ficaram abandonadas, no meio da rua. A secura matou-as.

As pessoas que tinham estado presentes, procuraram, num frenesim enlouquecido, encontrar amendoeiras, tangerineiras, medronheiros…o que aparecesse e os abrigasse. Até este momento…nada…

Jorge C. Chora


quinta-feira, 2 de maio de 2013

A fuga


Guerrearam-se para se instalarem na grande cadeira de braços. Ao fim de uns minutos descobriram que cabiam os dois e refastelaram-se. Olharam para a avó e pediram:

-Conta-nos aquela história -e apontaram o livro colorido.

Desfolhou a avó as primeiras páginas e parou na primeira figura, representando pintainhos e ovos no ninho.

-Os pintainhos nascem dos….- E suspendeu a frase, esperando que eles a acabassem.

- Dos ovinhos … -completaram Francisco e a Matilde.

E as páginas foram sendo viradas, surgindo uma couve e uma cenoura.

-Para o burro… - gritou o Francisco, excitado, recordando-se dos animais da quinta da vizinha dos avós, a que ele dera cenouras e couves à mão.

-Muito bem - incentivou a avó – apontando para a outra figura que mostrava um prato de sopa e perguntando para que serviam também as ditas couves.

A reacção dos pequenitos não se fez esperar. Fugiram da cadeira-trono a sete pés, com os rabos cheios de fraldas, a gritarem em uníssono:

-Sopinha não! Sopinha não!

Não fosse o diabo tecê-las, durante dez minutos, ninguém mais deu pela presença dos miúdos.

Jorge C. Chora