segunda-feira, 29 de março de 2021

COITADO DO CHICO

Todos os dias colhe flores,

oferece-as aos seus amores,

narcisos à não-sei-quantas,

à Guida margaridas,

à Júlia malmequeres,

tulipas à que está para vir.

Foi apanhado pelo jardineiro,

no jardim municipal,

com um braçado, já colhido,

de jarros bem fresquinhos,

com a mão nos malmequeres

e o a olhar para as tulipas.

Agora, já sem flores,

foi corrido pela não-sei-quantas,

mal recebido pela Guida,

e a Júlia não quer vê-lo:

ficaram todas a saber,

da história das flores do jardim.

E tudo devido ao estupor do jardineiro,

insensível aos amores do Chico,

pelas amantes das flores do jardim!

       Jorge C. Chora

        29/03/2021

quinta-feira, 25 de março de 2021

ESQUECE AS LÁGRIMAS

 As lágrimas até

as caras desfeiam,

sê vaidosa(o) e não

queiras ser feia(o).

Esquece-as,

lava o rosto,

vai à janela

e sorri

a quem na rua 

passa,

e a quem nunca ninguém

sorriu ou disse nada

e choram sem lágrimas.

 

Jorge C. Chora

  25/03/2021

quarta-feira, 24 de março de 2021

VACINAÇÃO

 Mal se levanta, lembra-me:

-Lê as mensagens. Já deves ter sido convocado!

Consulto-as e digo-lhe:

-Ainda não!

-Como não? - assusta-se a minha Mais-Que-Tudo.

Ela sabe-me rico em morbilidades e em idade.

Ainda não lavei os dentes e o telemóvel dá sinal da entrada de uma mensagem.

-Vai ver a mensagem - grita-me ela, que tem ouvidos de tísica, pode ser aquilo que esperas!

E aí vou eu, para lhe tornar a dizer:

-Ainda não!

E andamos nisto do é agora, agora é que é, há um ror de tempo.

Desculpem interromper, mas a minha mulher chama-me, pois está a falar na televisão, em farda de combate, o simpático almirante da vacinação:

-E se as vacinas chegarem, toda a população estará vacinada no fim do verão.

Mas as vacinas não chegam e o meu calvário continua:

-Ouvi entrar outra mensagem! Vai ver…

-Vejo-a e digo-lhe uma vez mais:

-Ainda não!

De uma coisa estou certo: estou vacinado sim, mas de esperar pela mensagem que tarda a chegar.

Jorge C. Chora

24/03/2021

domingo, 21 de março de 2021

NO DIA DA POESIA

Um poema é uma iguaria, com condimentos, aromas e sabores variados: do doce ao agridoce, passando pelos salgados, perfumados pelo fedor dos pântanos ou aromatizados por essências celestiais.

Jorge C. Chora

21/03/2021

sábado, 20 de março de 2021

ANSEIOS

 

Anseio por um abril

primaveril,

despido de agasalhos,

trajando flores,

anunciado morangos,

frutos vermelhos

e os cravos das mesmas cores.

Anseio por um eventual regresso dos abraços,

dos fados da Mariza e da Ana Moura,

e de todos os artistas de quem gostamos.

         Jorge C. Chora

           20/03/2021

sexta-feira, 19 de março de 2021

O CARACOL E O ALMEIRÃO

 Viajou da vila para a cidade, numa folha de almeirão. Recusou ir para o lixo, assomou ao bordo do caixote, a mostrar as suas antenas. Era um caracol a que chamámos Maria João, pois sendo hermafrodita, metade era Maria e a outra metade era João.

Na nossa caminhada diária, resolveu a minha mulher, libertá-lo no parque Aventura. Transportou a Maria João, embrulhada numa das folhas de almeirão. Escolheu um local fresco e escondido, numa rocha rodeada de vegetação. Depositou a minha mulher, também chamada Maria, com todo o cuidado, a outra Maria, assegurando-se de que ao pé nada havia que fizesse perigar a vida da sua Maria João.

Cumprido o ritual da libertação, continuámos o passeio higiénico. Encontrámos o Pantufa, o cão trepador, na sua correria, monte acima, monte abaixo, segurando nos queixais a pedra que tinha ido buscar à ribeira, para a deixar rolar do cimo do monte. À sua espera, estava um seu companheiro, outro cão, chamado Jonas, com uma bola, em vez de uma pedra na boca.

Hoje nem sequer vimos alguém a exercitar-se.

 

Jorge C. Chora

  19/03/2021

quarta-feira, 17 de março de 2021

O MEU EXERCÍCO MATINAL

 Em tempo de pandemia, o meu exercício matinal é assaz limitado. Arrasto-me pelo parque, rebocado pela minha mulher, que não desiste de caminhar uns minutos diários para não enferrujar. Em tempo normal, andamos cerca de 6Kms por dia, logo pela manhã, até às Portas de Benfica.

Estou a habituar-me ao mini -circuito e se isto continuar, não sei se terei vontade de retornar aos estirões pré-pandemia.

Nas manhãs atuais, enquanto a minha mulher me puxa parque acima, cruzo-me com gente interessante, nomeadamente com a Pisa-Ovos. Ela corre estando quase parada, com passinhos tão, mas tão lentos e cuidadosos que mais parece estar preocupada em não fazer nenhuma gemada. Para se certificar se algum ovo ficou estragado, observa uma maquineta que provavelmente identifica o que pode ter sido estragado.

Mais adiante, vejo um cão, em corridas para cima e para baixo nas margens da ribeira, onde abocanha uma pedra em substituição de uma bola. Transporta-a para o topo de uma elevação, larga-a e acompanha-a na descida ladrando e abanando o rabo. Não tem com quem brincar, brinca sozinho. Todos os dias o vejo e já quase nos cumprimentamos.

Hoje vi uma senhora a descer em direcção à ribeira, toda ligeira, e pensei que ela ia recolher alguma garrafa ou plástico que lançam à ribeira. Qual não foi o meu espanto, ao vê-la colher as flores que alindavam aquele canto, subir a margem e desaparecer, pensando certamente em decorar a jarra lá de casa.

E enquanto faço esta caminhada, cumprimento, isso sim, gente como eu, da brigada do reumático, que se vai arrastando e se força a sair uns minutos de casa!

 

Jorge C. Chora

17/03/2021

segunda-feira, 15 de março de 2021

O BARBEIRO DA MINHA RUA

Pula de alegria,

o barbeiro da minha rua,

chama-se Marcos

e nunca viu tanto velho lanzudo

à porta da barbearia.

Com mestria,

despacha os barbudos,

capina os cabeludos,

depressa e com mestria

e de tanto usar a máquina

ela está a ferver.

Já tem um balde de gelo

para as arrefecer,

pois não tem tempo a perder,

não vá um novo confinamento aparecer!

 

        Jorge C. Chora

        15/03/2021

 

 

sexta-feira, 12 de março de 2021

TAL COMO O BEIJA-FLOR

Como o beija-flor,

ando a pairar:

ele junto à flor,

eu 

em redor do meu amor.

Ele suga-lhe o néctar,

eu,

bebo-lhe as palavras,

o olhar,

o sorriso e os beijos.

Ele voa para trás

e para frente;

tal como eu

quando me convêm,

deixando-lhe espaço

para a abraçar de novo.

Ah! mas há diferenças,

o seu coração quando

não voa,

embora depressa,

bate mais devagar,

enquanto o meu,

não tem vagar para abrandar,

bate tanto como o dele a voar,

basta-me pensar,

nos beijos da minha flor.

 

       Jorge C. Chora

        12/03/2021

terça-feira, 9 de março de 2021

POEMA ENVIESADO

Mete, mete

meu amor,

devagar, devagarinho,

não estragues tudo,

por não saberes meter,

por favor, devagar e bem metido,

deixa-a entrar suavemente.

Não a metas toda,

no momento de chupar,

cuidado, por favor,

nem depressa nem muito devagar,

fá-lo com conta, peso e medida,

chupa a tinta toda, sem entornar

o tinteiro, nem sujar a caneta!

 

         Jorge C. Chora

sábado, 6 de março de 2021

AS GAIVOTAS EM TERRA

“Gaivotas em terra,

tempestade no mar”.

Pelo menos assim era

quanto ao gostar

de pescar,

e de voar,

em dias de mar chão

ou mesmo encapelado.

Mudaram os tempos

e muitas trocaram,

a liberdade de voar,

pela segurança dos quintais.

Desabituaram-se de pescar,

habituaram-se a mendigar,

em vez de peixe,

comem pão duro

e limitam-se a roubar,

o milho aos pombos e aos pardais.

 

    Jorge C. Chora

       6/03/2021

quinta-feira, 4 de março de 2021

AINDA NÃO HÁ...

 

Ainda não se servem

saladas de polvo

ou orelhas de coentrada,

muito menos um tinto,

acompanhado

de boa conversa

e embrulhado numa gargalhada,

nas tascas de gente boa.

A peste tudo matou,

Incluindo as bravatas

dos Casanovas de trazer por casa,

das gabarolices,

dos “fiz assim e assado”,

desacreditadas pela metade

e logo desmentidas pelas companheiras,

em alto e bom som:

-Quem nos dera se tivesse sido assim!

      Jorge C. Chora

       4/03/2021

quarta-feira, 3 de março de 2021

PARQUE AVENTURA

 


Na figueira nascem folhas

e despontam figos,

debaixo saltitam melros,

enquanto as pequenas felosas

bebericam água corrente e limpa

da ribeira da Falagueira.

E pela primeira vez este ano,

vi uma andorinha solitária

a cruzar o céu,

a chamar a primavera,

a garantir que algo continua,

felizmente, como sempre.

    Jorge C. Chora

   3/02/2021

segunda-feira, 1 de março de 2021

A MEMÓRIA DAS MÃOS

 


As minhas mãos

memorizaram o corpo

pelo

qual foram instruídas,

em afagos de bem querer

e despertares d’amor.

Podia não ver e mesmo assim

saber,

se és ou não tu,

pois elas memorizaram-te

do nariz aos pés.

  Jorge C. Chora

    1/03/2021