sábado, 27 de fevereiro de 2021

PODE SER SUA

 Deram-me uma vassoura,

aceitei-a de bom grado,

vou dá-la a quem souber

pilotá-la e me possa

o transporte público evitar.

Neste tempo de pandemia,

o indicado é mesmo andar

no ar e voar.

Quem quer a vassoura?

É só vir buscar

e prometer dar-me boleia

quando eu precisar!

JORGE C. CHORA

    27/02/2021

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021

OS SEM CHETA

 

Sem cheta

ando eu,

tu

e talvez alguns de nós.

Se fossemos

príncipes ou princesas,

ninguém diria,

ou se atreveria a dizer,

estarmos sem cheta.

Quanto muito diriam,

momentaneamente sem fundos,

e estes surgiriam,

num abrir e piscar d’olhos,

pois sem cheta

ando eu,

tu

e talvez alguns de nós,

mas nunca os príncipes

e as princesas.

 

   Jorge C. Chora

    26/02/2021

terça-feira, 23 de fevereiro de 2021

ORFÃOS

 

À noite,

já não se estranha

ver o filho da Ana,

o neto da Antónia

ou a viúva Joana

a olharem o céu:

dialogam com os parentes

que morreram sós.

Acreditam,

só poderem ser eles,

aqueles astros teimosos,

cujo brilho não adormece

e ninguém viu morrer.

E no seu desespero,

pedem desculpa

por tê-los deixado

morrer sós.

 

 Jorge C. Chora

   22/02/2021

 

sábado, 20 de fevereiro de 2021

OS PASSEIOS DO BERNARDO

 

O Gingas nasceu com a escola toda. No primeiro andar da casa onde foi criado, tinha vista para a lixeira e o respetivo fedor metamorfoseado em perfume.

Era esperto e desenrascado. Ainda muito jovem arranjou emprego. A mando dos patrões e dos seus colaboradores, ia buscar café, comprar-lhes tabaco e fazer recados. Em breve foi incumbido de entregar e receber documentação, ir a serviços onde era necessário ser ardiloso e despachado.

O Gingas só tinha um senão: desaparecia de vez em quando e só surgia muito depois do horário de entrada.

Escapou duas ou três vezes, com os amens das chefes. À quarta foi de vez. Foi chamado à atenção e teve de dizer, por que razão isso acontecia.

Com os olhos fitando o chão, em tom muito baixo, confessou:

-Fui passear o Bernardo…

As chefes, fizeram-se de desentendidas:

- Como assim? Tens um cão com esse nome?

E o Gingas, envergonhado, dava voltas à cabeça para explicar às “madamas” o que era aquilo.

E num cantinho do escritório, a jovem Lúcia, também farta de saber o que aquilo significava:

-Ó Gingas, da próxima vez que fores passear o Bernardo, vou contigo para não chegares atrasado!

 

Jorge C. Chora

20/02/2021

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

OS ASSENTOS DA MADAME TRINDADE

 Eu era pequeno e lembro-me do meu espanto inicial, ao entrar nas salas de cinema da Beira, que eram autênticos palácios dedicados à sétima arte. Na época eram só três: o S. Jorge, o Nacional e o velho Olympia. Havia, se ainda me recordo, na última fila, um enorme assento, diferente de todos os outros. Aquilo fazia-me espécie, mas mal entrávamos e nos sentávamos, começavam os documentários, os desenhos animados ou os reclamos e esquecia-me do assunto.

Um dia, acabei por perguntar ao meu pai, a razão de ser daquele assento:

-É o lugar da madame Trindade. Está sempre reservado para ela.

Acabei por ver a madame Trindade. Percebi então, a razão de ser do tamanho do lugar que lhe era destinado. Surgiu-me outra dúvida: mas ela caberia mesmo ali?

Quando a vi sentada, tive a certeza de que cabia, ainda que a custo, pois ainda lhe sobravam nádegas por acomodar.  Era a madame Trindade, a dona do Zoológico da Beira, muito afável e estimada pela comunidade beirense, como vim a saber.

Já se passaram tantos anos e uma dúvida assola o meu espírito. O lugar reservado era só no S. Jorge ou em todas as salas? julgo que em todas, mas… passados mais de cinquenta anos, já não tenho a certeza. Ficou-me, no entanto, outra dúvida que nunca consegui esclarecer: quantos bilhetes pagaria a madame Trindade, sempre que ia ao cinema?

Jorge C. Chora

   15/02/2021

sábado, 13 de fevereiro de 2021

O SAFARI EM LM

 

Perdidos e achados, eu, o meu irmão e os amigos, estávamos no Safari, um dos cafés da estudantada em LM, nos fins da década de sessenta e inícios da de setenta.

Lá se estudava, se bebiam uns canecos, bem aviados de preferência, e sobretudo se conversava. Não havia telemóveis, mas quando nos queríamos encontrar, bastava rumarmos ao Safari.

Do grupo faziam parte alunos de medicina, engenharia e ramos de ciências, sendo eu a excepção, pois era de letras.

Dali partíamos para as farras:

-Hoje, há um party,…

-Em casa de quem?

-Tu não conheces, mas é um(a) gajo(a) porreiro(a)…

E eramos recebidos como velhos amigos(as), como se fossemos conhecidos de longa data…

Na hora de regresso dos partys ou dos convívios da Costa do Sol, ficávamos admirados quando um dos de medicina, o Carmona, nos pedia.

-Deixem-me aqui no hospital.

- O que é que vais fazer?

-Hoje é fim de semana, o pessoal está aflito, precisa de ajuda. há muita cabeça para coser, gesso para colocar…

E tu? - e a resposta não tardava- Não vou fazer ofício de corpo presente. Vou ajudar!

Nunca me esqueci do Carmona, aliás de quem, aliás, nunca mais soube nada e de quem não sei o nome completo.

Lembrei-me, entretanto, de um primo meu, afastado, mas que conhecia bem, por ter estado inúmeras vezes na minha casa na Beira, com o irmão e a sua mãe, enquanto o seu pai era colocado em sucessivos locais e nele se instalava, pois era do quadro administrativo.

Era este meu primo longínquo, uma pessoa afável e preocupada com os seus doentes, um médico por vocação. Da última vez, há muitos anos, soube dele pelo dono de um café na Buraca.

-O dr. Márcio, é uma bênção lá por Viseu…

Tive curiosidade em saber dele, pois verifiquei que no grupo dos antigos estudantes da Universidade de LM, muitos eram médicos. Procurei- no computador e acabei por encontrá-lo.

Tinha falecido em 2015, com 68 anos. Pela notícia, fiquei a saber que não só a mulher é médica (é a segunda mulher e nunca a conheci, nem as filhas e ao filho). Depreendi, pela notícia necrológica, que duas filhas também são médicas. Espero sinceramente que elas saiam ao pai, pois quanto à esposa, se eles se escolheram, algo devem ter em comum.

Já agora, o parentesco que me unia ao Márcio Cunha Rodrigues Pinto, era simples: a sua trisavó Ivana, de quem eu muito gostava, era irmã da minha avó Elmonia.

Deus os tenha todos em descanso.

Jorge C. Chora

13/02/2021

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

POEMA COM BOLINHA VERMELHA

 

Há quem,

quando o umbigo beija,

nele sonhe deliciar-se,

com um dedal de champanhe

 ou com uma colher de mel.

 Tomara sonharem elas,

em adocicarem-se

um palmo abaixo do umbigo

e tornar ainda melhor

o quão bom isso já era.

    Jorge C. Chora

      12/02/2021

terça-feira, 9 de fevereiro de 2021

AS MEMÓRIAS DE UM ADOLESCENTE NA LM D'OUTRORA

Sempre gostei de cinema. Mal sabia eu que dois filmes, vistos na adolescência, no mesmo cinema, num tempo não muito distante um do outro, me forneceriam emoções que ficariam gravadas na minha memória. Bem, o melhor é começar do princípio.

Estávamos quase em meados da década de sessenta. Tinha eu treze anos e passava férias em LM, como de costume, em casa da minha avó, com os meus primos e tios. Tinham inaugurado há pouco tempo um cinema enorme, chamado S. Miguel. Queria vê-lo, ir a uma sessão. Desejava e realizei o desejo. Fui ver o “Drácula”, classificado, julgo que para dezassete anos.

Comprei o bilhete, inchei o peito e fui à sessão da tarde. O porteiro fez vista grossa. Entrei sem problemas.

No seu interior, estava pouca gente ou parecia estar, tal o tamanho que a sala tinha. No decurso do filme, o Drácula entrava em caves repletas de caixões e de cadáveres que despertavam… ó minha Nossa Senhora…enchi-me de arrepios e não era do ar condicionado.

Foi um tormento do princípio ao fim. Sair a meio, nem pensar, tinha gasto o dinheiro, conseguido entrar sem ser barrado, não podia dar parte fraca…

Quando o filme terminou, já o sol se tinha posto. Ui! a pé e para chegar a casa, embora fosse perto, todas as sombras eram projeções de figuras saídas das catacumbas!

Ao chegar, branco como à cal, deparei com a minha avó, que me perguntou, chegando-se perto de mim:

-Cheiras a quê?

Mau …­­ ­-pensei eu- querem lá ver…

E a minha avó, aproximou-se mais, torceu o nariz, fez uma cara de caso… -e antes que dissesse alguma coisa- escapuli em direção à casa de banho.

Verifiquei que nada tinha acontecido: a roupa interior estava imaculada! Fiquei aliviado. Lá fora, ouvia-a dizer-me bem alto, em tom de gozo:

-Não te esqueças de ir ver outro filme de terror!

Estas más memórias do S. Miguel, seriam eclipsadas, um ou dois anos depois, quando, já esquecido da primeira experiência, lá voltei a ver outro filme: “Barbarella”, com a Jane Fonda. Ó que bela e inacreditável cena, a da diva, enfiada numa máquina infernal. A portentosa Jane, gritava de prazer, em vez de morrer às mãos do vilão. Deu cabo da máquina com o seu orgasmo monumental.

Na minha condição de galito de crista pequena, fiquei a saber o nome dado a esse divinal momento, e que principalmente, as senhoras eram dotadas dessa interessante e celestial capacidade.

Foram dois momentos inolvidáveis, vividos no gigantesco S. Miguel, a que só fui duas vezes e me deixaram tão inolvidáveis memórias: a dos arrepios contínuos e o da descoberta, de que  as deusas, eram, felizmente, seres como nós!

  JORGE C. CHORA

       9/02/2021

sexta-feira, 5 de fevereiro de 2021

UM DIA DE PRAIA EM LM

 Num dia fabuloso, (1970), em que seria um crime de lesa-majestade não gazetar, recusei ficar cadastrado e gazetei.

Telefonei à namorada, apanhámos o autocarro, pagámos uma “quinhenta” até à praia. Com cartão de estudante, claro.

Saímos numa das paragens, antes da Costa do Sol(Lourenço Marques). Era um dia de semana, não estávamos em férias e não havia quase ninguém. Um dia ideal.

Depressa mudei de ideias. A descer o areal, vinha o professor a cuja aula tinha faltado. O prof. vinha bem acompanhado.

Estou safo, também fez gazeta, tenho a companhia de um compincha- pensei- já descansado.

Pensei mal e vão perceber porquê.

-Então “setor”, num dia destes há que aproveitar as ondas…

E o manganão, bem abraçado à sua joia, dispara:

-Tens toda a razão, mas só depois de cumprido o dever…

Em vez de estar calado, enfiei-lhe uma galga.

-Ó “setor” eu fui lá, mas como não o vi, resolvi vir para a praia!

-Ah! Então eu faltei e tu seguiste o meu exemplo! Como justificas o facto de já cá estares, primeiro do que eu e teres vindo de autocarro, pois não vi carro nenhum estacionado?

Estava apanhado. Engoli em seco, dei uma gargalhada e safei-me dali para fora:

-Um bom mergulho e… -calei-me a tempo- ia cometer outra argolada, desejar-lhe sucesso com a namorada.

Afastei-me para ao pé da minha, com uma consolação: a minha namorada, era mil vezes mais bonita do que a dele!

Jorge C. Chora

  5/02/2021

terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

CARTAS DE AMOR

São teus olhos

cartas d’amor,

não se perdem,

dispensam carteiro

não têm hora certa,

não passam pelo correio.

São teus olhos carícias,

promessas

a teus lábios irmanados,

quando os entreabres,

e com os olhos semicerrados,

uma cesta de beijos me envias.

 

      Jorge C. Chora

       2/02/2021