sexta-feira, 30 de abril de 2021

UMA INSTITUIÇÃO MOÇAMBICANA - A CARILADA DOMINICAL

 Pelo menos na Beira e em LM, quando era jovem, o programa dominical era idêntico em muitos lares.

Logo pela manhã, toque de alvorada, que o meu pai queria caminhar ao longo da praia. Só parávamos para mergulharmos e restabelecermos a temperatura corporal. Dispensava perfeitamente o frete (a caminhada, não a praia) mas os pais, só com ordem de soltura ao fim de semana, reputavam este exercício como essencial.

Após a estafa, até porque o meu pai era dotado de umas grandes gâmbias, regressávamos a casa, tomávamos um duche retemperador e aguardávamos com ansiedade a refeição: caril de caranguejo ou de camarão. Às vezes era de peixe e quanto maiores eram as postas, maior a desilusão. Adiante. O caril era acompanhado de coca-cola, à temperatura polar, ou por cerveja, muito gelada, para os adultos.

Seguia-se-lhe uma breve sesta e uma ida à matiné, em salas frescas e confortáveis, com o pessoal de banho tomado e ninguém a cheirar a chulé. Quando no filme as cenas eram cortadas, acontecia a tradicional pateada, por parte da juventude e não só, aos míopes e castrantes censores, para quem um beijo equivalia a um crime de lesa-majestade.

Acabado o filme, se havia festas, muito bem, se não havia, conversava-se com os amigos, já com a cabeça posta no malfadado dia seguinte e no regresso às tarefas escolares. Evaporava- se a boa disposição e se algum ânimo ainda subsistia, era à custa de ir rever alguns simpáticos colegas.

Em férias, a música era outra, rumo à praia, mas sem a companhia paterna, pois essa estava reservado para os domingos, associada às penosas caminhadas e só era compensada pela carilada.

 

Jorge C. Chora

30/04/2021

segunda-feira, 26 de abril de 2021

A PRAIA DO MACÚTI

Na praia

da minha infância,

só aos pulos

se andava na areia,

escaldavam os pés,

tostavam as peles,

mas jogos de futebol

raquetes e mergulhos

no areal, não faltavam.

A água, uma delícia,

povoada ao longe,

certos dias,

por barbatanas

amigas:

em dias de golfinhos,

 nadávamos

despreocupados;

em dias de tubarões,

também lá andávamos

um pouco mais preocupados.

Cavalgávamos as ondas,

montados em grandes

boias de tratores,

e gritávamos-lhe ordens,

muitas ordens

mas o mar era desobediente,

lançando-nos a seu bel-prazer

os costados por terra.

Perdidos e achados

A malta do bairro

era na praia

onde nos encontravam,

onde gostávamos de estar!

Era a nossa praia!

 

Jorge C. Chora

26/04/2021

 

quinta-feira, 22 de abril de 2021

A FADA MARIANA

Tem Mariana,

tarefa insana,

cuidar das dores

de quem sofre

e delas se quer libertar.

Qual fada benfazeja,

anda numa lufa-lufa,

acorrendo aos chamados

de quem dela precisa:

-Mariana, já fiz os exercícios...

E lá vai a Mariana, sem hesitar,

da(o) paciente cuidar, sem pensar

na tarefa insana,

de aliviar as dores de quem sofre,

sempre de sorriso nos lábios

e mãos prontas a massajar.

      Jorge C. Chora

        22/04/2021

terça-feira, 20 de abril de 2021

SUSPIROS

 Suspiro pela maciez dos teus lábios

ao segredares aos meus ouvidos,

doces palavras de amor,

às quais me rendo incondicionalmente,

com arrepios de prazer.

Derretem-me os teus murmúrios,

estremeço ao antecipar,

o suave e macio toque,

dos teus lábios

e das tuas palavras embebidas em mel.

        Jorge C. Chora

         20/04/2021

sábado, 17 de abril de 2021

O SEGREDO DA GIGI

Gigi tinha um segredo:

as suas comadres nunca a tinham

visto chorosa,

muito menos a chorar,

e andavam em polvorosa,

por comportamento tão misterioso.

Um dia beberam uns gins,

encheram-se de coragem

e dispararam:

-Ó querida, tu nunca choras!

Como é possível? Como consegues?

Gigi sorriu e disse:

-Ó meus amores, tanto trabalho a pintar-me,

para depois borrar a pintura?

Nem morta!

                 Jorge C. Chora  

                   17/04/2021

terça-feira, 13 de abril de 2021

NO DIA INTERNACIONAL DO BEIJO

 

A MENINA DOS BEIJOS AO VENTO

Sopra beijos ao vento,

oferecendo-os a quem

os quer ou deles precisa.

Quando à janela está,

envia-os a quem passa

e tanto faz,

serem meninas como ela

ou meninos como os da sua rua,

sem querer saber se aquele

ou aquela,

gostam ou não gostam dela.

Olhem, lá está ela,

debruçada à janela,

a oferecê-los a quem passa,

sem querer saber se gostam ou não dela.

 

         Jorge C. Chora

          13/04/2021

segunda-feira, 12 de abril de 2021

PALMA

Pairam como abutres

enlouquecidos,

amigos da degola

e da chacina,

ao serviço da infâmia

e de ações sanguinolentas.

Sem Deus e sem rumo,

são o pus da sociedade,

a desdita de um povo,

as mãos de algozes

insensíveis e dementes.

Mais tarde ou mais cedo,

tal como cães enraivecidos,

destruir-se-ão,

pela autofagia dos sem Deus e sem rumo.

 

    Jorge C. Chora

     12/04/2021

domingo, 11 de abril de 2021

ESCORREGAR

Só escorrega quem quer!

Como se escorregar

fosse coisa de querer,

e não se escorregasse sem querer.

E por falar em escorregar,

há quem o faça por prazer,

pois dá gozo escorregar,

quando escorregar é puro prazer.

      Jorge C. Chora

        11/04/2021

quinta-feira, 8 de abril de 2021

CABO DELGADO

Vergam-se as casuarinas

ao peso da desgraça,

ao verem crianças sem nada,

pais de mãos cheias de vento

e nenhum alimento.

Novos, velhos, viúvas e órfãos

fogem à barbárie

dos corta-pescoços,

num coro de fome e choro.

Inclinam-se as casuarinas,

num silêncio respeitoso,

solidarizando-se ao medo

das gentes em debandada,

suplicando a Deus e a Alá,

o fim da selvajaria dos corta-pescoços,

o regresso da paz, da segurança, do chá a tempo e horas

e dos convívios ao relento.

        Jorge C. Chora

         8/04/2021

quarta-feira, 7 de abril de 2021

OS DIAS SEM SOL

 

Os dias sem sol

são tristes e sombrios,

esquecem-se os sorrisos,

afivelam-se caras feias,

poucos dão os bons-dias

e quando dão,

muitos respondem:

-  Só se for para ti!

e seguem apressados,

como se tivessem dores de barriga!

 

       Jorge C. Chora

          7/04/2021

domingo, 4 de abril de 2021

O PITÉU

Esbelta e de perna alta,

ela não andava, levitava,

mas ninguém reparava nela,

nem nos seus passinhos de bailarina.

Surgiu no dia seguinte,

com o seu feio e adorado cão

e o mundo parou:

-Como se chama? - e apontavam

para o feioso bichano,

não fosse ela pensar,

quererem saber do seu.

E ao seu redor depressa

se formou um círculo,

de cães e respetivos

donos.

-Como se chama? -  e a dona,

babada, informava:

- Chama-se Pitéu.

E a partir dessa altura,

quando ao longe se vislumbra a senhora,

os donos dos cães anunciam:

-Lá vem o Pitéu!

Os cães abanam a cauda

e os donos,

só não o fazem, porque não as têm.

      Jorge C. Chora

          4/4/2021

sexta-feira, 2 de abril de 2021

O CHUNGA

 

Não se cala

nem se enxerga,

insiste na calinada

e julga-se um intelectual.

Em cada palavra dá dois erros

e é bem capaz de afiançar,

sem dizer uma palavra em inglês,

ter tirado um curso em “OSFORD”.

Até aqui tudo bem,

a petulância ainda não paga imposto.

O pior vem depois,

quando dá reprimendas

a quem não lhe admite gozações

e não lhe acha piada nenhuma.

Nunca pede desculpa,

é useiro e vezeiro

neste comportamento.

Noutra época e noutras paragens,

já tinha apanhado tanto sopapo,

que seria sócio honorário do Belenenses.

Como o sopapo passou de moda,

é preciso ter logo à entrada,

bem visível, o livro de reclamações

do estabelecimento, seja o dono chunga ou não!

 

             Jorge C. Chora

                  2/o4/2021