terça-feira, 14 de janeiro de 2014

A propósito de um ditado africano

Há um ditado africano que diz mais ou menos isto:” Se vires um cágado em cima de uma árvore, não penses que foi ele que subiu: alguém o pôs lá.”

O que o ditado não diz nem explica, é que essa realidade teve um princípio. Um princípio?

Sim, claro! Tudo tem um início e, como tal, tem de ter um fim, embora, neste caso específico, não se vislumbre ou anteveja, o fim dos cágados nas árvores.

Então qual foi o princípio? Vou já contar, não se apressem.

Um belo dia, um macaco com um currículo de patifarias que faria corar de inveja o mais empedernido dos sabujos, resolveu dar um passeio na selva. Olhando para a esquerda e para a direita, para cima e para baixo, não lhe sobrou tempo para olhar em frente.

Num piscar de olhos foi vítima de uma cilada. Apanhou tantas ou tão poucas, que jurou a si próprio e aos do seu grupo, nunca mais correr sequer o risco de cair noutra.

 Juntou os seus apoiantes e explicou-lhes que era necessário colocar observadores no maior número de árvores possível. Eles seriam os seus olhos e deviam depender, na totalidade, de si e dos seus.

O conselheiro-mor,  um macaco sabido e de longa barbicha branca, disse:

-Os melhores para essas funções são os cágados.

-Os cágados? Mas esses, coitados, nem às árvores conseguem subir…

-Por isso mesmo!-  gargalhou o conselheiro - Eles sabem que quem lá os pôs os pode tirar a qualquer momento, sem ter de dar qualquer justificação. Dependem de nós para tudo. Podemos atirá-los contra os que se nos opõem, fazê-los cair em cima deles. Matamos dois coelhos de uma só cajadada: esmagamos os que reclamam e criamos um lugar novo para substituirmos os cágados que morrem.

-Ó conselheiro, assim, com o decorrer do tempo,  corremos o risco das árvores não suportarem o peso dos cágados que lá colocamos! –  observou um jovem pertencendo ao grupo.

-Não te preocupes meu amigo… o teu lugar está assegurado… - É só obrigar todos aqueles que não pertencem ao nosso lado a plantarem mais árvores e promover, alguns deles, a cágados, para dar alguma esperança a quem não a tem.

E o conselheiro-mor  voltou à sua tarefa, a de consultar e seleccionar,  entre a longa lista de candidatos a  cágados, os que ia  nomear…


Jorge C. Chora

quinta-feira, 9 de janeiro de 2014

O passeio

Três amigos realizavam um passeio aéreo de balão, cada um no seu, quando uma tempestade súbita os arrastou para terras longínquas.

Quando a tormenta amainou, acharam-se a sobrevoar um vasto campo de estacas pontiagudas, existindo, quase a meio, uma clareira de grande dimensão. Comunicaram entre eles, através de sinais, aterrar no local.
Ao desembarcarem, decidiram explorar a clareira e descobriram uma gruta e, espalhadas no seu interior, bem distante da entrada, inúmeras barras de ouro.

Apressaram-se a juntá-las, contá-las e a dividi-las pelos três. A seguir, começaram a transportá-las para os seus respectivos balões.

O piloto do balão azul, logo que conseguiu transportar vinte barras e ocupou metade do chão do seu cesto, declarou que ia partir e voltaria mais tarde para ir recolhendo o resto do que lhe coubera na divisão.

-E só levas isso? E se alguém descobre o tesouro e nos leva o que deixámos?

-Não vou arriscar-me a não conseguir levantar voo devido ao excesso de peso!

Despediu-se dos amigos e partiu.

O dono do balão amarelo, colocou várias camadas no chão do balão e, após várias tentativas, conseguiu descolar. Passado um bocado, começou a perder altitude e, uma rajada de vento inesperada, fê-lo despenhar-se entre as estacas pontiagudas e perder a vida.

O terceiro viajante, não se apercebeu do que acontecera ao amigo e continuou a carregar até ao topo o seu balão vermelho. Foram várias as tentativas falhadas de se elevar nos ares.

Não se deu conta do aparecimento de alguns homens, armados e semi-nus, que o cercaram. Roubaram-lhe o tesouro e ao verem que havia mais ouro na gruta, mataram-no para que só eles soubessem da sua localização e ninguém ficasse a saber do roubo.

O sobrevivente, ao chegar são e salvo ao seu local de destino, foi cercado por um bando de homens que lhe confiscou a totalidade da sua fortuna, assim como o balão. Sempre ambicionara comprar, entre outras coisas, um carro e viu esfumar-se o seu sonho.

Acabou por conduzir o automóvel da sua paixão, um Jaguar, pois o chefe do referido grupo decidiu comprá-lo, com o ouro que lhe tinha surripiado, mas concedendo-lhe, por especial favor, o privilégio de ser o seu motorista.

O leitor também suspeita que o querem transformar em motorista ou julga que nem isso lhe vão permitir?


Jorge C. Chora

quarta-feira, 1 de janeiro de 2014

O cesto ou a pescadinha de rabo na boca

                                                 
A carrinha parou em frente à habitação. Três homens engravatados saíram carregando um pequeno cesto com frutas. Tocaram à porta e entregaram-no. Um cartão acompanhava a dádiva, com uma mensagem que dizia:” Na situação em que estão, é preciso que elas durem. O segredo está na poupança.”

A família deu graças a Deus. Logo ali prometeram que ninguém ultrapassaria os limites.

À mesa cada pessoa comia uma e só uma peça de fruta. Por vezes, cortavam um bocado e esse pedaço servia de lanche. E pouparam, e o cesto durou, durou…

Ao fim de algum tempo, quando todos tinham tirado o seu quinhão do dia, ao abrirem a fruta para a comerem, verificaram, consternados, que ela não podia ser consumida por ter apodrecido.

Correram para o cesto e, surpresos, constataram que, das poucas que sobravam, não havia uma que se aproveitasse.

Quando um amigo da família chegou e viu o que se passava, perguntou:

- Porque não fizeram doce, antes que se estragassem? Era só barrar os “croissants” e aproveitavam tudo…

-“Croissants”?

E a família, em silêncio, colheu as sementes e decidiu semeá-las num pequeno vaso.

Dias depois, os mesmos três homens, entregaram outra missiva:

“Prezados Senhores,
Esperamos que tenham correspondido ao investimento que fizemos na vossa família. Depreendemos que os senhores tiveram o cuidado de guardar e semear os caroços das frutas que vos foram cedidas.

Prevendo nós uma grande colheita daqui a quatro anos, tomámos a liberdade de contratualizar a percentagem das frutas que nos deverão entregar enquanto investidores. É justo que recebamos, por cada peça de fruta que investimos, pelo menos dez, por cada ano que passou.

Caso não consigam cumprir os prazos, por cada mês vencido, deverá ser entregue pelo menos mais uma peça, a acrescentar ao número anteriormente definido.

Os lucros obtidos, devem ser investidos na compra de quintas, ficando como garantia do nosso investimento, em nosso nome, pelo menos quarenta por cento do valor das mesmas.

A equipa que vos está a entregar esta mensagem, tem autorização para vos entregar uma segundo cesto de frutas, caso se comprometam a respeitar o clausulado aqui expresso.”

Mal acabaram de ler o contrato, caiu uma forte chuvada, que derrubou o vaso e arrastou as sementes.

-Nem tudo está perdido! Ainda temos um cesto no carro e um compromisso para assinar… - exclamaram os três homens, estendendo os papéis aos futuros proprietários.

A família saiu a correr para uma instituição de crédito, para pedir um empréstimo para comprar uma quinta.

O problema foi quando a família descobriu que quem”oferecia a fruta” era a própria instituição de crédito.

“Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo”, disseram enquanto se benziam e fugiam a sete pés. O mais velho da comunidade, apoiado num cajado, coxeando, até o latim recordou enquanto dava ao pé:”In nomine Patris, et Filii, et Spiritus Sancti”

Até hoje, mais ninguém os viu.


Jorge C. Chora