Crispim e Sancha são
um casal de periquitos que vive num
grande eucalipto que pertence a uma escola primária. As penas que ele tinha
formavam um grande colar preto no pescoço que, com a idade, se tornaram
rosa-alaranjado na nuca. Ela, um pouco mais pequena do que ele, com o tempo
ficou com a cabeça toda verde. Foi nesta árvore que viveram os pais de Sancha e
Crispim ,tal como os pais dos seus pais. Em boa verdade, também ali nasceram os
filhos e os seus netos. O grande eucalipto, era a casa de gerações de
periquitos da mesma família.
Todas as manhãs dão os bons-dias com um enorme chilrear. A
professora Bela sorri e devolve o cumprimento:
-Muito bom dia para todos vós.
Os mais novos saem cedo do lar e dirigem-se aos lagos e
regatos das redondezas onde se vão banhar, alinhar as respectivas penas, alindarem-se
e verem-se reflectidos nos espelhos de água.
Passam a manhã comendo sementes, sobrevoando os campos e debicando
frutos. Regressam ao eucalipto onde a mãe Sancha os espera e os acolhe.
Um dia, mal a campainha tocou, a algazarra tomou conta do
pátio da escola. No fim do intervalo o chão ficou cheio de migalhas de pão que atraíram
a família de Sancha e Crispim.
Márcio, aluno do 4º ano, trouxe às escondidas, uma fisga
para a escola. Virou-se e lançou uma pedra para o meio do bando. Atingiu Sancha
num olho.Tornou a atirar e feriu um dos periquitos mais pequenos numa pata.
Sancha levantou-se, ensanguentada e cheia de dores, saltitou
a muito custo até ao pequenote ferido e colocou-lhe uma asa por cima. Sancha
não resistiu ao ferimento e tombou no chão, no momento em que a professora Bela
se dirigia para a aula.
Bela apanhou-a e viu que Sancha, no lugar do olho esquerdo
tinha um buraco que sangrava. Bela deixou tombar uma lágrima. Márcio, que se
voltara e ainda estava a guardar a fisga, regressa e acode-a na sua aflição.
Bela olha para o Márcio com imensa tristeza, mostra-lhe Sancha
e diz-lhe:
-Estes passarinhos não se comem…
No chão, saltitando numa só pata, aproximou-se o passarinho
da perna partida, piando aflito.
Márcio pegou nele e perguntou à professora por quem ele
tinha uma grande admiração:
-Posso cuidar dele?
Bela acariciou-lhe os cabelos revoltos, beijou-o na face e
acenou que sim com a cabeça.
A partir desse dia o menino trouxe sempre um pão que
esfarelava e deixava em cima do muro, ao pé do eucalipto. Márcio não se
apercebeu da morte de Crispim, dias depois da morte por apedrejamento da sua
Sancha.
Quantos dos periquitos-rabijuncos que vemos na região de
Lisboa serão da família de Sancha e Crispim?
Jorge C. Chora