Após ter
ficado paraplégico, Richard, um americano de origem palestiniana, resolveu
retornar à terra de origem dos antepassados.
Acolheu-se
em casa de uns primos ricos, única família que lhe restava, depois de ter
perdido os seus familiares num acidente automóvel. Passava o dia numa minúscula
varanda, que dava para uma pequena praça.
Entretinha-se
vendo a miudagem local a jogar futebol e a comemorar, efusivamente, as fintas e
os golos que iam marcando.
Diariamente
por lá passava uma jovem, professora de inglês numa escola próxima, que por
acaso era amiga da sua família, por ter tido um aluno que era neto dos seus
primos.
Com ela
partilhava o interesse por alguns escritores e pela música e por se entenderem
em inglês.
Billie, assim
se chamava a jovem, passava todos os dias pela praça a caminho da escola,
exibindo um sorriso e não se coibia de dar uns chutos e fazer umas fintas.
Alguns dos miúdos eram seus alunos.
Richard, na
sua cadeira de rodas, instalado na varanda, acenava-lhe todos os dias, sempre
que a via e ela retribuía-lhe os acenos.
Bom
observador, Richard, reparou no sorriso cada dia mais feliz de Billie e nos
seus passos, cada vez mais cautelosos. Ela casara-se com um colega, no ano
anterior.
À medida que
o tempo ia passando e a barriga lhe crescia, Richard, por sinais, apontando a
sua barriga e mostrando-lhe os dedos, ficou a saber que ela ia ter nem mais nem
menos do que trigémeos.
Bom, pensou
Richard, segundo ficara a saber, o marido de Billie era filho de um financeiro
e o futuro dos filhos estava assegurado.
Já quase no
final do tempo, ela caminhava com dificuldade, tão grande era a sua barriga, em
relação ao seu pequeno tamanho.
Naquele dia
o sol brilhava e Richard, na sua varanda, esperava que Billie passasse, para
lhe acenar e perguntar por gestos, levantando o polegar, como estava naquele
dia. Escutava nos seus auscultadores o Hallelujah de Leonard Coehn, quando a
terra tremeu e viu Billie desfeita e também os gaiatos que jogavam à bola, em
pedaços.
Segundos
depois, quando na música se repetia duas vezes o Halleluja, outra bomba caída
do céu, matou -o a si e à sua restante
família.
Estava-se
ainda no início da guerra.
Jorge C.
Chora
7/1/2024