quinta-feira, 29 de fevereiro de 2024

QUEIXUMES

 

      

No antigo reino das tascas,

das petingas, do tinto e das pataniscas,

todos as podiam frequentar.

Hoje, só os cortesãos, com as bolsas

de euros forradas, lá podem petiscar.

O tinto só não é servido em dedais,

porque não calha:

as petingas são grandes carapaus

ao preço da lagosta;

as pataniscas, coitadas, competem,

em tamanho, com o dedo mindinho,

mas ao preço do leitão real e do bacalhau.

Assim sendo, é melhor não os cheirar,

quanto mais comê-los!

 

         Jorge C. Chora

            29/2/ 2024

sábado, 24 de fevereiro de 2024

OLHARES

 


Trocaram olhares

de modo furtivo,

fingindo ser por acaso,

mas a eles ficaram presos,

ainda que se tivessem esforçado,

para deles se libertarem.

Sem chaves nem gazuas,

passaram a ser um do outro

e não há quem possa desfazer o nó,

ao laço dado por um simples olhar.

            Jorge C. Chora

               24/2/2024

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A BELA SOFIA

 


É vaidosa e exuberante,

pavoneia-a entre as outras,

exibindo o belo peito,

e de vez em quando saltita.

Delicadamente debica,

os manjares que aprecia.

As longas e firmes pernas,

permitem-lhe firmar-se

numa só, deixando-se

observar, provocando a inveja

das suas iguais, mas menos afortunadas,

no que diz respeito às pernas nuas,

despidas de artifícios e meias de nylon.

Detesta as refeições, a que não faltam colegas suas,

sejam elas grandes ou pequenas,

por isso lhe chamam a sortuda Sofia

que todos os dias cacareja,

agradecendo à sua boa estrela,

o facto de ainda não ter acabado na panela.

              Jorge C. Chora

                  20/02/024

domingo, 18 de fevereiro de 2024

À TOA NA AVENIDA

 

 

Nunca se sabe se vai ou se vem,

para onde foi ou d’onde veio,

quando anda à toa na avenida,

procurando alguém em seu redor,

 com quem conversar,

seja homem ou mulher, novo ou velho,

sábio ou menos sabedor.

E eis que vislumbra um jovem casal,

despertando-lhe a esperança de uma boa conversa.

Sorri-lhes, num agradecimento antecipado,

pelos momentos ansiosamente esperados.

O seu intento depressa vê gorado,

quando ela lhe comunica quanto cobra

 pelos seus serviços, enumerando-os de rajada.

Boquiaberto ouve o homem dizer à mulher,

que ele está mais interessado nele do que nela,

anunciando quanto leva pelos seus préstimos.

Já não se pode andar à toa na avenida,

para se estar só sentado e desejar falar!

                Jorge C. Chora

                   18/2/ 2018

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2024

DORMIR SÓ

 

Não gostava de dormir só

e à medida que a noite passava,

ainda mais lhe doía a solidão.

Sonhou com um tapete voador,

para mais depressa conseguir

chegar à sua amada e adormecer

nos seus braços, aconchegado

nos seus seios, com ela sussurrando

nos seus ouvidos, o amor por ele sentido.

Hoje, ao acordar, achou ter recebido

o sonhado tapete voador e iria nessa noite,

acabar de vez com o tormento de dormir só.

           Jorge C. Chora

            16/02/2024

quarta-feira, 14 de fevereiro de 2024

NO TEMPO DAS MÃOS DADAS


 

NO TEMPO DAS MÃOS DADAS

No tempo das mãos dadas,

sorria para a minha namorada,

com a sua cara para mim virada,

descansando na praia estendida,

espreitando, sempre que podia,

os seus belos e brancos seios,

até ela os esconder como podia,

sempre que disso se apercebia.

Deixava que a sua mão lhe beijasse

e os seus lábios ao de leve lhos tocasse

e tudo o resto, só de pensar, era demais.

Aí o tempo das mãos dadas,

e os beijos na mão ainda não passaram,

embora hoje, passadas tantas décadas,

ainda lhe espreite os seios e os possa beijar,

tudo com conta, peso e medida para não perder o desejo.

Sabida a minha eterna namorada,

ainda do tempo das mãos dadas.

          Jorge C. Chora

             14/02/2024

terça-feira, 13 de fevereiro de 2024

OS SABORES DOS BEIJOS DA MINHA AMADA

 

De todos os sabores,

por mim conhecidos,

desconheço sequer um,

com o sabor dos beijos,

da minha namorada.

Um dia sabem a morangos,

no outro, a amoras silvestres,

a seguir a maçã camoesa,

e no seguinte a romã,

e naqueles dias especiais,

em vez de azedos, a doce lima,

e agora passado esse período,

sabem a mel de rosmaninho.

       Jorge C. Chora

        13/o2/2o24

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

O MEU DESPERTAR

 

Sonhei e acordei a pensar em ti.

Colhi   uma rosa no meu jardim,

e um beijo recebi, mal t’a ofereci.

Beijaste-a e ofereceste-a a mim,

convidando-me a deitar ao pé de ti.

Agora sempre que sonho contigo,

corro ao meu jardim, colho uma flor

e espero pelo teu convite para comigo

te deitares, ao veres as flores que te ofereci.

Como sonho e acordo sempre a pensar em ti,

corro o risco de acabar com as flores do meu jardim,

mas já vi que elas abundam no jardim do meu vizinho,

e quando ele por der por isso, já terei de novo as mais

belas e aromáticas flores que me asseguram o paraíso.

                     Jorge C. Chora

                    12/02/2024

 

sábado, 10 de fevereiro de 2024

SENHORA DO DESEJO

 

Ó senhora do desejo,

quantos dos teus,

 também são meus,

junta os teus aos meus

e passarão a ser nossos,

quando sonhas:

amar e ser amada;

cuidar e ser cuidada;

possuir e ser possuída;

dar e receber na proporção devida.

Faz de mim o teu colchão,

Ó senhora do meu desejo!

   Jorge C. Chora

     19/2/2024

O NAMORO

 

O namoro não tem data, nem prazo de validade: é um nunca acabar de gostar e pode durar a vida inteira ou começar e acabar, quando se deixa de gostar.

Jorge C. Chora

10/2/2024

quarta-feira, 7 de fevereiro de 2024

BILLIE

 

Após ter ficado paraplégico, Richard, um americano de origem palestiniana, resolveu retornar à terra de origem dos antepassados.

Acolheu-se em casa de uns primos ricos, única família que lhe restava, depois de ter perdido os seus familiares num acidente automóvel. Passava o dia numa minúscula varanda, que dava para uma pequena praça.

Entretinha-se vendo a miudagem local a jogar futebol e a comemorar, efusivamente, as fintas e os golos que iam marcando.

Diariamente por lá passava uma jovem, professora de inglês numa escola próxima, que por acaso era amiga da sua família, por ter tido um aluno que era neto dos seus primos.

Com ela partilhava o interesse por alguns escritores e pela música e por se entenderem em inglês.

Billie, assim se chamava a jovem, passava todos os dias pela praça a caminho da escola, exibindo um sorriso e não se coibia de dar uns chutos e fazer umas fintas. Alguns dos miúdos eram seus alunos.

Richard, na sua cadeira de rodas, instalado na varanda, acenava-lhe todos os dias, sempre que a via e ela retribuía-lhe os acenos.

Bom observador, Richard, reparou no sorriso cada dia mais feliz de Billie e nos seus passos, cada vez mais cautelosos. Ela casara-se com um colega, no ano anterior.

À medida que o tempo ia passando e a barriga lhe crescia, Richard, por sinais, apontando a sua barriga e mostrando-lhe os dedos, ficou a saber que ela ia ter nem mais nem menos do que trigémeos.

Bom, pensou Richard, segundo ficara a saber, o marido de Billie era filho de um financeiro e o futuro dos filhos estava assegurado.

Já quase no final do tempo, ela caminhava com dificuldade, tão grande era a sua barriga, em relação ao seu pequeno tamanho.

Naquele dia o sol brilhava e Richard, na sua varanda, esperava que Billie passasse, para lhe acenar e perguntar por gestos, levantando o polegar, como estava naquele dia. Escutava nos seus auscultadores o Hallelujah de Leonard Coehn, quando a terra tremeu e viu Billie desfeita e também os gaiatos que jogavam à bola, em pedaços.

Segundos depois, quando na música se repetia duas vezes o Halleluja, outra bomba caída do céu, matou -o  a si e à sua restante família.

Estava-se ainda no início da guerra.

Jorge C. Chora

   7/1/2024

 

segunda-feira, 5 de fevereiro de 2024

MARÉ CHEIA


A maré está cheia,

não há areal onde

te possas secar

e dourar ao sol.

Mas não faz mal,

o calor que emanas,

chega para te secar,

e dourar o mundo.

Jorge C. Chora

   5/1/2024

domingo, 4 de fevereiro de 2024

NOITE E DIA


Já cansada de dormir,

abre a noite os olhos

e nasce o dia, dando-se

reciprocamente um bom dia.

Alumia-se o mundo,

acordam as famílias, os amantes

e os namorados.

Inicia-se a longa jornada,

de trabalho e de estudo,

até as pestanas se fecharem,

de cansaço, ao fim do dia,

e a noite surgir de novo,

a dar início ao descanso

e ao começo da vida noturna.

Abrem-se os teatros, os concertos

e as diversas artes, porque a vida

não pára por ser noite ou de dia.

Se não houvesse vidas infames,

a chacinar crianças, mulheres e velhos,

à bomba, à fome e à sede,

à noite, suceder-lhe-ia o dia,

de um modo natural e humano.

        Jorge C. Chora

           4/1/2024